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40 anos das “Diretas já” – por Valdeci Oliveira

“Democracia é como criança que precisa de cuidados, defesa constante e...”

Em respeito à memória e em defesa da Democracia, e antes que o mês termine, uso este espaço para lembrar que abril é o período de duas importantes efemérides brasileiras, sendo que uma tem a ver com a outra e ambas, muito caras a nós por motivos diferentes, completaram o que chamamos de ‘data redonda’: o golpe civil-militar, que completou 60 anos, e o ‘Movimento Diretas Já’, agora ‘quarentona’.

A primeira, que aniversariou no dia 1º, bem que poderia ter sido uma mentira. Aliás, os defensores daquele período, teimam em buscar reescrever a História para dizer que tudo o que dela resultou – perseguição, prisões, censura, tortura, morte e desaparecimentos de opositores – não passou de delírio.

Esse negacionismo visa esconder a face de terror que foi o período. Agora sexagenária, a data precisa ser lembrada não apenas em seu ‘aniversário’, mas todos os dias para que justamente não se repita, como foi a tentativa de sua reedição em 8 de janeiro de 2023.

Mas tão importante quanto ela foi o movimento que uniu quase que de forma unânime a sociedade brasileira na segunda metade da década de 1980, cujo início se deu em março de 1983, com a realização de comícios em diferentes cidades brasileiras por eleições diretas para presidente da República, direito que havia sido surrupiado de nós pelo golpe de 64.

 Por conta das ironias que perpassam a vida, a ideia surgiu de um político que havia apoiado a ditadura no seu início, o senador por Alagoas Teotônio Vilela. Não necessariamente a ideia, pois esta era uma reivindicação daqueles que lutavam na oposição contra as arbitrariedades institucionais, mas que de certa forma não eram ouvidos.

As quatro décadas do movimento “Diretas Já” fecharam no dia 16 de abril, quando, em 1984, foi realizado o último e histórico comício do Vale do Anhangabaú, na capital paulista. Me emociono até hoje com as imagens na TV mostrando milhares de pessoas em caminhada saindo da Praça da Sé em direção ao comício.

Naquela altura, a mobilização pelo país era gigantesca, transcendia as hostes da política partidária e a cada ato em defesa de eleições para presidente o público aumentava de forma exponencial. O desejo, de norte a sul do país, por voto e democracia era tanto que o nó em nossa garganta fazia com que quase não acreditássemos no que víamos ou líamos nos jornais. Além do mais, não se via alguém contrário ao que nós buscávamos. Aqueles que o eram ficavam em silêncio tamanha era a vergonha de assumirem tal posição.

Era lindo de presenciar no mesmo palanque figuras hoje históricas – mas personalidades famosas na época – como Leonel Brizola, Mário Covas, Miguel Arraes, Luís Carlos Prestes, Tancredo Neves, Fernando Henrique Cardoso e Ulisses Guimarães ao lado de um metalúrgico barbudo que sequer havia chegado na casa dos 40 e todos exigindo, e sendo efusivamente aplaudidos pela massa, que fosse restabelecido no Brasil o sagrado direito de votar para presidente – o Congresso derrotaria a emenda constitucional Dante de Oliveira dias depois, por 22 votos.

Cito a capital paulista porque lá foi o encerramento da campanha e o maior ato até então realizado no país, com cerca de 1,5 milhão de pessoas. Mas participei ou acompanhei toda a movimentação realizada em Porto Alegre (em 13 de abril), em Santa Maria e Pelotas, o que me enchia de orgulho, pois via que também estávamos no caminho e do lado certo da História. Eu era um jovem com pouco mais de 20 anos, metalúrgico que iniciara minha militância social e política não tinha muito tempo, mas me alimentava do sonho da justiça social e das eleições livres. 

Além das lideranças políticas vindas de diferentes vertentes ideológicas, a lista de quem enchia o peito para gritar por democracia incluía artistas, intelectuais, integrantes de movimentos sociais, sindicatos de trabalhadores, setores da igreja católica, estudantes secundaristas e de universidades. Era como uma Torre de Babel, por conta das diferentes origens e ‘línguas’ dos participantes, construída não para alcançar o céu, mas a Democracia, mas com um único idioma quando se tratava da luta por voto direto para presidente.

Assistindo a especiais na TV com imagens da época, além da nostalgia que encharca a minha alma, não posso deixar de comparar os signos e símbolos daquele momento com a atual conjuntura vivida pelo país. Ao contrário de hoje, na época, foram os democratas que vestiram verde amarelo e empunharam a nossa bandeira em defesa – real e concreta – pelo estado democrático de direito. Também ao contrário de hoje, não se tratava de um discurso vazio, sem relação com a realidade.

E como o tempo nos mostrou, tanto em 1964 como vinte anos depois, nossa Democracia é como uma criança que precisa de cuidados, de defesa constante e atenção redobrada. Caso contrário, apesar da História não se repetir (a não ser como farsa), sabemos onde iremos parar.

Ditadura, nunca mais! Democracia, sempre!

(*) Valdeci Oliveira, que escreve sempre as sextas-feiras, é deputado estadual pelo PT e foi vereador, deputado federal e prefeito de Santa Maria.

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