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Austeridade não se remenda – por Leonardo da Rocha Botega

“Não se muda um país que é um dos mais desiguais do mundo com remendos”

Em dezembro de 2015, o professor Pedro Rossi escreveu um importante artigo intitulado “A democracia não cabe no orçamento”. O professor do Instituto de Economia da Unicamp chamava atenção para o fato de que o pacto social brasileiro, firmado pela Constituição de 1988, vinha sendo atropelado pelo executivo, pelo legislativo e pelo discurso ideológico dos economistas de mercado em meio a uma crise multidimensional: política, econômica, social, institucional, mas também, democrática.

Naquele contexto, o processo de construção do golpe que culminou com a deposição da presidenta Dilma Rousseff se acelerava. Na busca de sua difícil sobrevivência, o governo fez uma escolha: sinalizar ao “mercado” sua disposição para uma nova pactuação. Os inimigos (internos e externos) do governo também fizeram a sua escolha: desmontar os mínimos sociais parcamente apontados na proposição de um Estado de Bem-Estar Social incompleto e tardio ao longo de nosso retorno à democracia.

O documento “Ponte para o futuro” apontava o caminho, o golpe de 2016 o transformou em uma estrada. De lá para cá, a engrenagem neoliberal, que passou a condicionar a construção do Brasil desde à década de 1990, foi radicalizada sob a perspectiva da austeridade. A austeridade, conforme bem define Mark Blyth, é uma forma de deflação voluntária que considera que a economia se ajusta através da redução de salários, preços e despesas públicas. Conforme essa “ideia perigosa”, tais medidas são as “únicas formas” de reestabelecer a competividade dos agentes econômicos no mercado.

Obviamente, como bem lembra o professor da Bronw University, autor de “Austeridade: uma ideia perigosa”, “não podemos todos ser austeros ao mesmo tempo”. Este fato ficou evidente nos últimos anos. A austeridade, aprofundada a partir de 2016, teve como alvos as políticas sociais e os trabalhadores brasileiros. As reformas da Previdência e Trabalhista, assim como a Emenda Constitucional nº 95, demonstraram isso.

O “Teto dos Gastos” transformou a austeridade em política de Estado. O resultado foi que, entre 2017 e 2023, a área da saúde deixou de receber R$ 45,1 bilhões e a área da Educação, R$ 7,2 bilhões. Além disso, a Pandemia da Covid-19 encontrou um país em pleno e acelerado processo de desmonte daquilo que mais a população necessitava naquele momento: a ação do Estado. Ao invés de uma valorização das políticas públicas, o Brasil foi mergulhado em uma espiral destrutiva que aliava o negacionismo como política de governo e o “salve-se quem puder” como paradigma econômico.

Em meio a pior pandemia mundial desde a gripe espanhola de 1918, o vírus encontrou na austeridade fiscal um forte aliado. Foi contra esse forte aliado que a maioria da população brasileira votou em 30 de outubro de 2022. A vitória da coalização política liderada por Luís Inácio Lula da Silva não foi apenas uma vitória da democracia contra o fascismo. Foi também a vitória do direito a uma alternativa diante da austeridade. Afinal como lembra Wendy Brown, a austeridade é o principal fomento do fascismo.

Infelizmente, este não tem sido o caminho que o governo, sobretudo, sua área econômica, tem apontado. O Novo Arcabouço Fiscal, que entrou em vigor em agosto de 2023, nada mais é do que um remendo na austeridade. Uma flexibilização, muito pouco flexível, do antipovo e fracassado “teto dos gastos”. Austeridade não se remenda. Não se muda um país que é um dos mais desiguais do mundo com remendos.

Este é o grande alerta que o movimento sindical dos servidores públicos federais vem fazendo. O alerta daqueles que “seguram o rojão” do desmonte das políticas públicas, que não mediram esforços para amenizar o sofrimento da população diante da Covid-19 (mesmo com “uma granada no bolso” chamada Reforma Administrativa). Cabe ao governo brasileiro ouvir ou não este alerta, sabendo que o “não ouvir” pode gerar efeitos tão perversos e perigosos quanto a ideia de austeridade.

(*) Leonardo da Rocha Botega, que escreve regularmente no site, é formado em História e mestre em Integração Latino-Americana pela UFSM, Doutor em História pela UFRGS e Professor do Colégio Politécnico da UFSM. É também autor do livro “Quando a independência faz a união: Brasil, Argentina e a Questão Cubana (1959-1964).

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9 Comentários

  1. Resumo da opera é simples, ideologia dos vermelhos é autoderrotante. Basta cruzar os braços e esperar. Eles acreditam que podem resolver tudo com marketing ainda por cima. Vide que abandonaram o ‘vamos regulamentar a midia’ (a tradicional). Como esta perdeu força agora querem ‘regulamentar as redes sociais’. Porque qualquer discurso contra eles é ‘fake news’ ou ‘desinformação’. O negócio é discurso unico, a la Coreia do Norte.

  2. Problema também não se resume ao ‘GOVERNO GASTA MUITO E GASTA MAL’. Prioridades são decididas em gabinete e empurradas goela abaixo da sociedade. Quando existem, no governo atual a filosofia é ‘VAMOS RESOLVER TUDO AO MESMO TEMPO’.

  3. Investimento é o que gera caixa no futuro. No setor publico é a estrada (ou o porto, aeroporto, etc…) que melhora a atividade economica e gera mais tributos. No Brasil, não é grito, O INVESTIMENTO PUBLICO É MAJORITARIAMENTE DE PESSIMA QUALIDADE. Um dos fatores é o despreparo dos politicos e dos apaniguados que ocupam postos chaves.

  4. Rato Rouco aparentemente não vai conseguir um rombo do tamanho do poste. Circunstancias mudaram, legislação mudou. Não obstante o prognostico é que jogue fora entre 300 e 500 bilhões fora. Tanto no caso do poste quanto agora não é levado em conta prefeitos e governadores que também jogam dinheiro fora. Total zero, em algum lugar do caminho uma recessão espera. Simples assim.

  5. Todo aluno de economia (ou de outros cursos que também estudam a materia) no primeiro dia de aula aprendem que economia é ciencia da escassez, necessidades ilimitadas e recursos limitados. No Brasil ‘O ESTADO DE BEM ESTAR SOCIAL NÃO CABE NO ORÇAMENTO’. Mais: ‘NÃO É POSSIVEL IMPLANTAR O ESTADO DE BEM ESTAR SOCIAL COM BASE NA LEI OU NO CANETAÇO’. Não é grito, é ressaltar o texto.

  6. ‘Economista de mercado’ é como os vermelhos chamam os ortodoxos. Preferem as medidas que já foram adotadas e mostraram bom resultado. Simples assim.

  7. Papel aceita tudo. Logo é bom observar o mundo real. Dilma, a humilde e capaz, jogou entre 800 bilhões e 1 trilhão de reais no ralo.

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