A estética da chuva – por Luiz Carlos Nascimento da Rosa
Pingos de chuva são paradoxais. “Como as palavras, a água acaricia e fere”
Nos meus primeiros passos no mundo complexo da Química e da Escola, aprendi que a água é insípida e inodora. As gotículas de água da chuva é inspiração para uma infinidade de poetas: a água, feito chuva, é um elemento da estética cotidiana. Parece inverossímil, mas os pingos de água da chuva, assim como a vida, são absolutamente paradoxais. Como as palavras, a água acaricia e fere. A água é similar ao pensamento e a alma humana. No mundo da escola, aprendi a fórmula e as propriedades da água. Nunca ninguém foi capaz de dizer-me sobre a complexidade e as contradições que estavam, intrínsecas nessa substância de três letrinhas (H2O).
O Adriano, meu amigo aqui no bairro de Fátima, na Santa Maria da Boca do Monte, é um grande filósofo e não se dá conta. Entre tantas reflexões cotidianas, ele afirma, categoricamente: – Professor, enquanto a água não bater na “bundinha” das pessoas, elas não vão pensar o que são e para onde estão indo?
Pensemos na liberalidade da reflexão do meu amigo! A água sendo insípida e inodora, assim como as palavras, afaga e causa danos. Aqui no longínquo sul desse país tropical estamos submersos nesse intrigado e paradoxal mundo. Hoje, chego a pensar: de onde viemos, quem somos e para onde estamos indo? É a água e a chuva que fazem-me pensar! Milhares de irmãos tinham vida, casa e alegria no viver. Quem perdeu tudo com essa tragédia (anunciada), para onde irão e será que terão condições psíquicas para refletir sobre quem são?
Nunca quis perguntar, mas acho que a metáfora da água batendo na “bundinha” é isso que o meu filósofo amigo Adriano quer dizer… O engenheiro, o professor, o enfermeiro, o pedreiro, o padeiro e o artesão, algum dia pensaram em suas vidas diante do limite da catástrofe e das perdas?
Segundo os meus alfarrábios químicos, a água é uma substância inorgânica, insípida e inodora. No mundo da chuva, que a ganância humana não quer defender, ela arrasa, fere e mata. Quem em seu sacro mundo pensa sobre isso? Aqui, no sul do Brasil, estamos vivendo, assistindo e contemplando uma catástrofe inigualável.
Nossos irmãos não possuem mais o que comer, o que vestir e onde morar. As casas não existem mais, os irmãos perderam filhos, mães e pais. Onde fica, psiquicamente, a tal razão de viver desses fatigados e, literalmente, o vazio existencial de quem tudo perdeu diante da água em forma torrencial, que tudo liquida e torna espectro de uma vida que já foi? São simulacros de vida.
Estive em uma “assembleia” de professores universitários para discutir sobre nossas perdas e possíveis ganhos com o nosso movimento grevista. Um querido colega desfilou um horizonte de números para justificar nossas perdas salariais e que o movimento grevista poderia nos ofertar. Um querido e amado amigo pegou a palavra e disse: os gráficos e os números eram autoexplicativos. É assim a vida humana. Queremos saber de nossos ganhos.
A catástrofe e a miséria humana que estamos vivenciando estavam lá fora e longe do confortável lugar que debatíamos o tal movimento grevista. O meu X% de aumento na folha de pagamento é o que interessa! A insípida e inodora água que está arrasando vida “não me pertence”. Isso era o que estava sendo debatido entre a nossa confraria de privilegiados.
O que nos importa é a frieza das sopinhas de números que indicam nossas perdas e os possíveis ganhos com o tal movimento grevista! Se não fosse um colega que sofreu perdas, em todos os sentidos, com essa catástrofe, iríamos embora sem lembrar que estamos vivendo a loucura na vida humana. Ele, eu, outros falamos da conjuntura e o fatídico fato das condições humanas. Ainda bem que salvamos a assembleia de greve. Será que vai ter que acontecer o que o meu filósofo amigo Adriano diz? “Eles vão se dar conta quando a água bater na bundinha deles, professor…”.
A água é insípida e inodora, mas como chuva acaricia e fere!
(*) Luiz Carlos Nascimento da Rosa é professor aposentado do Centro de Educação da UFSM
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