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A necessária mudança de paradigma – por Leonardo da Rocha Botega

E então “as políticas do Estado não podem se resumir a um cinismo fiscalista”

Desde o início da catástrofe socio-climática que atinge o Estado do Rio Grande do Sul, duas questões se tornaram centrais nas tentativas de explicação do que estamos vivenciando: como chegamos à situação? Como iremos superar a situação? Estas questões nos tiraram (e não apenas elas) do clima confortável do “presente eternizado” que tem caracterizado as formas hegemônicas de pensar a formação da sociedade e a atuação do Estado.

Como todo desconforto, o atual é mais um que nos leva a problematizar os nossos rumos e repensar os paradigmas que nos conduziram até aqui. O repensar do paradigma que nos trouxe até a situação catastrófica de hoje não é uma novidade. O desconforto para alguns talvez seja. Chico Mendes, José Lutzenberger, Ana Primavesi e, mais recentemente, Davi Kopenawa Yanomami e Ailton Krenak (para ficarmos apenas no âmbito brasileiro), são alguns exemplos de pessoas que produziram (e produzem) alertas de que o mundo não anda bem e de que o “céu pode cair”.

Infelizmente, o mergulho presentista e a hegemonia do pensamento único neoliberal nos conduziram para um sólido poder gerencialista que considera legitima apenas duas possibilidades de condução política: a guerra econômica e a obsessão pelo rendimento financeiro. Isso explica a resposta do governador Eduardo Leite à pergunta do porquê o Estado não ter dado ouvidos ao alerta dos cientistas do risco de inundação de parte do Rio Grande do Sul.

“Tínhamos outras prioridades de ordem fiscal” é uma resposta exemplar, típica do gerencialismo-presentista-neoliberal. Um presentismo que não cuida das pessoas que vivem o presente. O único presente que importa é o presente das finanças. O Estado deixa de ser um ator de políticas sociais que atua no presente, mitigando os efeitos perversos da desigualdade social. O Estado é reduzido a um agente fiscal que aponta o equilíbrio lucrativo e o desequilíbrio social como caminhos para um futuro abstrato que não faz sentido para a maior parte da população.

A frase “no longo prazo, estaremos todos mortos”, escrita por John Maynard Keynes, hoje faz mais sentido do que “para a economia continuar crescendo precisamos que sejam feitos sacrifícios por parte do governo e da população”, o velho-novo chavão do gerencialismo-neoliberal. Não o mesmo sentido que o economista inglês lhe atribuiu quando a escreveu em 1923. Mas um sentido muito mais dramático e perturbador, afinal, talvez esse longo prazo não seja tão longo assim.

As continuas catástrofes que vivenciamos e a ineficiência do paradigma gerencialista-presentista-neoliberal em se antecipar a elas, mesmo diante de inúmeros alertas, demonstram esse sentido. É urgente a mudança de paradigma. As políticas do Estado não podem se resumir a um cinismo fiscalista. A natureza não se pauta pelas finanças. Seu cuidado também não pode se pautar. “O céu pode cair” enquanto os “gestores” brincam de fazer balancetes.

(*) Leonardo da Rocha Botega, que escreve regularmente no site, é formado em História e mestre em Integração Latino-Americana pela UFSM, Doutor em História pela UFRGS e Professor do Colégio Politécnico da UFSM. É também autor do livro “Quando a independência faz a união: Brasil, Argentina e a Questão Cubana (1959-1964).

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7 Comentários

  1. Professor Botega nestes tempos, sinto-me como navegante em alto mar que, após violenta tempestade, anunciam que no porão está entrando água. Mentalmente vou berrando: “mayday! Mayday! Mayday”. Entre o naufrágio iminente, preciso me salvar. E ai descubro que estou sem o colete apropriado e sei nada sobre operação de salvamento, apenas o que assisti no clássico Titanic. Passado o pavor, precisarei me preparar para continuar viajando. Apesar de tosca, a analogia serve para pensar o momento atual: o que fizemos para chegar até aqui e como reverteremos este quadro. Mais uma vez, o Professor Botega nos convida a pensar e já aponta o caminho “é preciso repensar paradigmas”. Penso que ninguém mais vai duvidar da existência de uma profunda ‘crise climática’.

  2. ‘As políticas do Estado não podem se resumir a um cinismo fiscalista.’ Senso comum, que não é comum, manda gastar só o que se pode. Economia é a ‘ciencia’ da escassez e a politica a arte do possivel (não do impossivel). Vermelhos pregam o contrario como se vendessem um lugar no céu. Resultado é gastar dinheiro além das posses em empreendimentos falidos que só geram divida, corrupção e desperdicio. Que outros terão que pagar. Simples assim. Gente que nunca teve uma corrocinha de pipoca fingindo ser empresários com o dinheiro publico. Cereja do bolo é o patrimonialismo e ajuda aos ‘amigos dos amigos’. Não é uma Republica, o pais muda de ‘dono’ eventualmente na eleição.

  3. John Maynard Keynes esta morto. Como Marx. E Mises. E David Ricardo. Como Adam Smith. Referencias centenarias que só mostram o atraso ideologico de alguns. Alas, existe um negocio chamado econometria. Nas duas pontas ideologicas só existe o mimimi. A ‘tecnica’ (por falta de melhor palavra) foi abandonada pelo discurso e este aceita tudo.

  4. ‘O Estado deixa de ser um ator de políticas sociais […]’. ‘O Estado é reduzido a um agente fiscal […]’. O Estado é um organograma cheio de cargos ocupados por incompetentes que não tem a menor ideia de como gerir o pais. Não é uma entidade onisciente e onipotente pairando no ar.

  5. ‘[…] pensamento único neoliberal nos conduziram para um sólido poder gerencialista […]’. Problema todo foi a falta de gestão e o Estado imiscuindo-se onde não devia deixando o feijão com arroz de lado, Muita ‘inovação’, ‘inclusão’, ‘diversidade’ e ‘sustentabilidade’ para ingles ver, deixando as obras necessarias contra enchentes de lado. Alas, Muro da Maua deveria ser demolido por motivos esteticos que prejudicaria o centro cultural que seria instalado nas docas. Instalação de energia subterranea por motivos esteticos que deixaram estações de bombeamento desativadas.

  6. ‘[…] as formas hegemônicas de pensar a formação da sociedade e a atuação do Estado.’ Hegemonicas por que, se não são perfeitas, em alguma medida deram certo. Alternativa apresentada é o que deu errado na URSS, em Cuba, Venezuela, Argentina, Coreia do Norte, etc. O que estes lugares tem em comum? Os que existem estão na m.

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