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Cuida… – por Marcelo Arigony

O emocionado depoimento de um delegado de polícia

Sou filho de policial. Meu pai foi agente de polícia, e depois delegado. Também tenho uma irmã que é delegada de polícia. Quando criança, cheguei a morar na delegacia de polícia de São Francisco de Assis, nos idos de 1975. Aliás, quase na delegacia. Morávamos na casinha que havia no fundo, um anexo.

Tenho carteira de trabalho desde os 15 anos, mas ingressei nos quadros da polícia civil apenas em 1999, quando encontrei uma polícia diferente daquela do tempo do meu pai. Muita coisa havia mudado, mas ainda havia muito a melhorar. E nesses 25 anos minha geração batalhou muito para trazer a polícia do Estado ao lugar onde ela está. Evoluímos a duras penas. 

Lembro que o primeiro computador que tive na delegacia, no ano 2000, na Terceira Delegacia de Polícia de Santa Maria, foi montado com dinheiro do meu bolso. Assim como muitos e muitos itens necessários para o trabalho.

Já paguei alinhamento de máquina de escrever, sim, usávamos máquinas de escrever, e elas precisavam de manutenção. Já paguei fechadura e chave, conserto de cano quebrado, telhado, tinta, tapete, panela, jarra, louças para cozinha, combustível e conserto de viatura, faxina, corte de grama…

Também comprei cadeiras, ventilador, estufa, televisão e rádio. Já paguei manutenção de ar condicionado. Já ajudei a pagar salário de funcionário terceirizado, nas incontáveis vezes em que as empresas terceirizadas não honram os compromissos.

Já paguei estagiário. Já viajei sem diárias, pagando hotel do próprio bolso. Já viajei em missão com diárias insuficientes, muitas e muitas vezes. Já dei dinheiro do próprio bolso para colega policial poder viajar a serviço porque não havia valores para diárias.

Na parte operacional, até hoje sai do próprio bolso o coturno, a roupa tática, a capa do colete, a lanterna, o rádio ht, a munição para treino, o aluguel do estande de tiro. E até bem pouco tempo eu pagava a internet wifi da delegacia.

Já atendi local de crime com carro particular incontáveis vezes. Já usei minha caminhonete para mudança de prédio, para carregar motos recuperadas de furto e roubo, e já carreguei defunto em carro particular, muito mais do que uma vez só…

Essa é nossa realidade. E melhoramos muito. Quando eu era criança, no tempo do meu pai, era muito pior.

Mas eu não estou escrevendo isso para me queixar. A polícia sempre foi madrasta, mas o que faço é gratificante. Sou realizado na minha profissão. E por isso ainda não pendurei a chuteira.

Mas a sociedade tem que saber disso. Essa realidade não é só minha. É da grande maioria dos colegas policiais. Precisamos melhorar esse cenário. O que pedimos não é pra nós. Pedimos melhores condições de trabalho para atender a sociedade.

As polícias são a última barreira entre o bem e o mal. Se houver um homicídio, vamos estar lá. Se for um sequestro ou assalto a banco também vamos estar lá. Se houver uma inundação, o primeiro helicóptero a levantar para o salvamento será o nosso.

E se Brasil entrar em guerra com os hermanos, certamente a sociedade também vai nos ver lá na fronteira, entrincheirados, esfarrapados, dando tiro, paulada, pedrada, mordida e cutuco de adaga… para defender nosso torrão, nossa família, nossa pátria.

Cuide de quem cuida…

(*) Marcelo Mendes Arigony é titular da Delegacia de Polícia de Homicídios e Proteção à Pessoa (DPHPP) em Santa Maria, professor de Direito Penal na Ulbra/SM e Doutor em Administração pela UFSM. Ele escreve no site às quartas-feiras.

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10 Comentários

  1. Esse movimento contra as forças do Estado, desqualificando e menosprezando a atuação delas, é feito por gente que quer o Estado só pra eles, mesmo sem precisar, por ganância. E muitos incautos sem noção e sem eira nem beira acreditam.

  2. Em tempo. ‘ Sou realizado na minha profissão. E por isso ainda não pendurei a chuteira.’ Isto e uma linha a mais no contracheque. Dá para pagar uns tragos.

  3. ‘O emocionado depoimento de um delegado de polícia’. Pessoal da esquerda é muito emotivo. Tentam compensar a baixa racionalidade.

  4. ‘E se Brasil entrar em guerra com os hermanos, certamente a sociedade também vai nos ver lá na fronteira,[…]’. Atrapalhando as Forças Armadas? E quem lutaria contra o mal? A bandidagem faria uma ‘pausa patriotica’?

  5. ‘As polícias são a última barreira entre o bem e o mal.’ Hummm…. O que aconteceu com os ‘coitadinhos’ que merecem ser ressocializados?

  6. ‘Se houver uma inundação, o primeiro helicóptero a levantar para o salvamento será o nosso.’ ‘Nosso’ de quem cara-pálida? Os primeiros são do Corpo de Bombeiros Militar. Depois a Brigada.

  7. ‘As polícias são a última barreira entre o bem e o mal’. Obvio que não. Policia civil, ou judiciaria, é o aparato majoritariamente burocratico que encaminha os possiveis crimes para serem tratados pelo Poder Juciciário. Onde esperam uma decada ou mais para terem solução quando não terminam em cestas basicas.

  8. Kuakuakuakuakuakua! ‘Mas eu não estou escrevendo isso para me queixar.’ A tres ou quatro paragrafos de encerrar o texto que serviu só para chorar as pitangas. Delegado se aposenta cedo e ganha muito bem, bom lembrar.

  9. Pois é. A batida historia do ‘presunto’ no patio. Noutro dia uma nuli…, digo, uma jornalista da CNN mostrava o mapa das cheias. Acontece que ela é de Canoas. Dai começou a apontar ‘eu morava aqui’, depois ‘eu estudei neste colegio’. Obvio que o controle remoto funcionou e não foi dificil achar outra emissora mais ‘informativa’.

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