Maria da Conceição Tavares: a “portuguesa” mais brasileira que o Brasil já teve – por Leonardo da Rocha Botega
Ela “foi uma economista-cidadã, como poucos têm sido ultimamente”
Maria da Conceição Tavares nos deixou no último sábado, 9 de junho, aos 94 anos. “Ninguém come PIB”. “Primeiro estabilizar, depois crescer e depois distribuir é uma falácia”. “Só faz de conta que a política não interessa quem manda, meu bem”. “Na bolsa global, a todo ciclo de oba-oba, corresponde a um surto de epa-epa”. Estas foram algumas das frases que proferiu em inúmeras de suas palestras, entrevistas e aulas, e que têm viralizado nas Redes Sociais.
O interesse recente por parte de inúmeros jovens pelas suas palestras, entrevistas, aulas e livros não surpreende. Nas palavras de seu colega e amigo, Celso Furtado, Conceição Tavares reunia “uma poderosa mente analítica, nutrida em sua formação matemática, a uma profunda sensibilidade social”. Foi essa profunda sensibilidade social que a fez uma rebelde, no melhor sentido da palavra: aquele que não se submete! É quase natural que a juventude não se submeta, o contrário, é sinal de que algo não anda bem.
A trajetória de Maria da Conceição Tavares é marcada pela insubmissão. Nasceu em Anadia, Aveiro-Portugal, em 24 de abril de 1930. Herdou da mãe, que era católica, a fé na humanidade. Do pai, um anarquista que abrigava em sua casa refugiados da Guerra Civil Espanhola, em plena ditadura Salazarista, herdou a inconformidade com o mundo em que vivia. Ainda jovem sentiu na pele o peso daqueles que não aceitam o inconformismo e a perseguição ditatorial.
Em 1954, fugindo da Ditadura Salazarista, chegou ao Brasil para fazer deste país sua morada e verdadeira paixão. Tornou-se a “portuguesa” mais brasileira que esse país já teve. Estudou esse país como poucos. Atuou no Banco de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), no Grupo Executivo de Indústria Mecânica Pesada (Geimape), na Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal), como professora na UFRJ e na Unicamp, além de ter sido deputada federal entre 1995 e 1999. Publicou obras significativas, dentre estas “Da substituição de importações ao capitalismo financeiro”, um verdadeiro clássico da História Econômica Brasileira.
Maria da Conceição Tavares sempre procurou dar respostas aos problemas do seu tempo sem nunca perder o seu horizonte: uma sociedade melhor. Amava o Brasil, por isso lutava por ele. Amava o povo brasileiro, por isso não aceitava o desprezo das elites e da classe média por ele. Sonhava com a justiça social, por isso lutava, como intelectual orgânica da classe trabalhadora, pelo fim das desigualdades sociais. Sua escrita refinada penetrava nas entranhas mais profundas de nossas estruturas econômicas e sociais.
Maria da Conceição Tavares foi uma economista-cidadã, como poucos têm sido ultimamente. Defendia que a disciplina voltasse ao seu nome original: Economia Política. Afinal, a economia não se resume a uma técnica para esconder interesses, mas sim, é uma ciência social que reflete as condições concretas e a luta na sociedade entre aqueles que tem a justiça social como horizonte e aqueles que não vão além da defesa do status quo.
O Brasil perdeu uma de suas maiores intelectuais. Uma economista rebelde que fazia ciência com paixão e objetivos que iam muito além da inutilidade social de engrossar currículo com coisas que não mudam a vida das pessoas (ou pelo menos as faz refletir sobre suas condições sociais). Eu, como um singelo professor de História curioso com a economia, perdi uma das intelectuais que me fizeram (e me fazem) acreditar que um outro Brasil é possível.
(*) Leonardo da Rocha Botega, que escreve regularmente no site, é formado em História e mestre em Integração Latino-Americana pela UFSM, Doutor em História pela UFRGS e Professor do Colégio Politécnico da UFSM. É também autor do livro “Quando a independência faz a união: Brasil, Argentina e a Questão Cubana (1959-1964).
Nota do Editor: a foto de Maria da Conceição Tavares, que ilustra este artigo, é uma reprodução obtida na internet.
Uma Keynesiana brilhante, enérgica e simples. Crítica a teoria neoliberal como solução pras mazelas do povo mais pobre. Deixa um legado de luta por justiça social através de um modelo econômico inclusivo e menos egoísta.