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Setembro: angústias e preocupações (Parte 2) – Por José Renato Ferraz da Silveira

A questão da escravidão e a situação dos negros no Brasil, desde o Império

“…Saí para o foro e para a tribuna, onde ganho o pão para mim e para os meus, que são todos os pobres, todos os infelizes; e para os míseros escravos, que, em número superior a 500, tenho arrancado às garras do crime”. Luiz Gama

Em 1843, havia uma discussão intensa no Senado Brasileiro em torno da escravidão. O senador Bernardo Pereira de Vasconcelos (1795-1850) advogava a favor da manutenção do tráfico negreiro. Ele dizia que a África civilizava a América. O ex-regente (espírito conservador e ligado aos interesses da grande lavoura) sabia que sem o braço africano não teria sido possível domar “a natureza bruta” e desenvolver as bases da organização produtiva da sociedade, da civilização material.

Ou seja, o que sabiam os contemporâneos de Vasconcelos e – muitas vezes esquecido pelos brasileiros no século XXI – é que o Brasil havia sido em boa parte construído pelos africanos e seus descendentes. “Eles sobretudo haviam plantado a cana de açúcar e o fumo em Pernambuco e na Bahia, mineirado o ouro e os diamantes em Minas e Goiás, plantado o café no Rio e em São Paulo”.

Em termos pragmáticos (e sem juízo de valor), a escravidão foi o requisito básico, a condição da possibilidade de existência do Brasil. Diferente dos Estados Unidos, não ficou confinado apenas a uma das regiões do país (a escravidão predominou nos estados do sul dos Estados Unidos). Entre nós, a escravidão foi o elemento central, decisivo em todo país, em toda parte.

De acordo com alguns levantamentos históricos, o Brasil recebeu perto de 3,6 milhões de africanos, cerca de 38% do total trazido à força para as três Américas.

No ano de 1800, dos 3,2 milhões de brasileiros, metade eram escravos. Durante as vésperas do período da nossa Independência, em 1818, a população brasileira era de quase 3,8 milhões, dos quais 1,9 milhão eram cativos e 526 mil mulatos ou negros livres.

Vale destacar que a vida da maioria dos cativos na lavoura era curta e brutal. A expectativa de vida de muitos girava em torno de sete anos de servidão. Além disso, a desesperança levava alguns escravos a se “deixar morrer de fome, o ‘banzo’ ou o suicídio lento”. No ano de 1865, em Sergipe, quatro entre cinco suicídios eram de escravos. Em 1866, no Rio, era de 16 em 23. Em Salvador, em 1848, de 28 em 33.

Um menino de dez anos teve melhor “sorte”. Ele foi vendido na Bahia como escravo pelo próprio pai, arruinado no jogo. O menino cresceu e se fez homem. Aprendeu Direito, sofreu perseguição, foi hostilizado pelo Partido Conservador por “promover processos em favor de pessoas livres, criminosamente escravizadas”. Certa vez, ele escreveu: “detesto o cativeiro e todos os senhores, principalmente os reis”. Esse homem era Luiz Gama (1830-1882), patrono da Abolição da escravidão no Brasil. Um dos maiores líderes abolicionistas do Brasil. Engajado nos movimentos contra a escravidão e a favor da liberdade dos negros.

Com o fim da escravidão e do Império, a condição do negro e dos mestiços não melhorou. A abolição tardia não foi completada com a reforma agrária. Os recém-libertos viviam em um estado de quase completo abandono: os sofrimentos da pobreza, os preconceitos cristalizados em instituições e leis. Eram subcidadãos, elementos sem direito à voz na sociedade brasileira. Eram os indesejados dos novos tempos, os deserdados da República.

Confira também:

O esquecimento e a memória apagada sobre a formação do Brasil – por Matheus Leitão, na revista Veja

Informações complementares

1: Setembro amarelo é o mês de prevenção ao suicídio. O suicídio é um grave problema de saúde pública e pode ser prevenido. https://www.setembroamarelo.com/

2: Dados do Ministério da Saúde mostram que o índice de suicídio é 45% maior entre jovens negros, em relação aos brancos (2022). O índice de suicídio entre adolescentes e jovens negros no Brasil é 45% maior do que entre brancos. Os dados são do Ministério da Saúde e mostram ainda que o risco aumentou 12% entre a população negra, nos últimos anos e permaneceu estável entre brancos. Nesse recorte, a faixa etária de 10 a 29 anos é a que mais sofre, principalmente os do sexo masculino, que têm chance 50% maior de tirar a vida do que entre brancos da mesma idade.

https://www.cnnbrasil.com.br/saude/como-o-preconceito-racial-afeta-a-saude-mental-da-populacao-negra/

3: Instituto Luiz Gama – O Instituto Luiz Gama (ILG), sediado no município de São Paulo–SP, é uma associação civil sem fins lucrativos, sem vinculações partidárias, que surgiu no ano de 2008 a partir da iniciativa coletiva de juristas, acadêmicos e integrantes de movimentos sociais com o objetivo de atuar em causas socialmente relevantes, com ênfase nas questões étnico-raciais e de minorias, de modo a promover a defesa e efetivação dos direitos humanos.

https://institutoluizgama.org.br

4: “Se o estudo da História não faz outra coisa senão a nos ensinar humildade, o ceticismo e a consciência de nós mesmos, então já fez algo de útil. Devemos continuar examinando nossas próprias suposições e as dos outros e perguntando onde estão as provas. Ou se há outras explicações. Devemos ser cuidadosos com grandes afirmações em nome da história ou daqueles que dizem ter descoberto a verdade definitiva. Por fim, meu único conselho é: use-a, tire proveito dela, mas trate a história sempre com muito cuidado” (MACMILLAN, 2010, p. 208). Usos e abusos da História

Setembro Amarelo – Prevenção ao Suicídio – Brasil

(*) José Renato Ferraz da Silveira, que escreve às terças-feiras no site, é professor Associado IV da Universidade Federal de Santa Maria, lotado no Departamento de Economia e Relações Internacionais. É Graduado em Relações Internacionais pela PUC-SP e em História pela Ulbra. Mestre e Doutor em Ciências Sociais pela PUC-SP.

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