A democracia é uma andança sem fim – por José Renato Ferraz da Silveira
Como diz o poeta Antonio Machado: ‘no hay camino. Se hace caminho al andar’
“Acima de tudo, nunca perca o desejo de caminhar. Todos os dias, caminho em direção a um estado de bem-estar, deixando para trás todos os fardos e doenças. Em meus passos, encontro meus pensamentos mais claros; não há peso tão grande que não possa ser aliviado pelo simples ato de caminhar. Ficar parado é convidar a estagnação, a doença e o enfraquecimento do espírito. Mas seguir em frente – continuar caminhando – é abraçar a vitalidade. Um passo de cada vez, tudo se encaixa.”
Søren Kierkegaard
No último domingo (27), tivemos o segundo turno das eleições com prefeitos (as) reeleitos (as) (o número de prefeitos reeleitos é o maior dos últimos 20 anos) e novos (as) prefeitos (as) a começarem um novo (velho) ciclo na política municipal do país.
Não importa quem ganhe cá, lá, acolá, as velhas e novas administrações estarão diante dos desafios estruturais das cidades: mobilidade urbana, moradia, educação, segurança pública, meio ambiente e uma infinidade de atribuições para a condução de uma cidade. E problemas. Problemas crônicos que os gestores municipais necessitarão “solucionar” e/ou remediar ou simplesmente mitigar na medida do possível. Lembrando que a política é o eterno e indissolúvel conflito entre o desejável e o possível (definição da chamada tragédia na política e conceito empregado na minha dissertação de mestrado e tese de doutoramento).
De fato, resolver ou impor medidas paliativas para confrontar os maiores problemas sociais complexos e emergentes de cada munícipio exigem o aprimoramento das capacidades estatais na burocracia, planejamento, finanças públicas validação legal, resiliência e adaptação. Todas estas condições nem sempre estão disponíveis ou são fáceis de obter.
É evidente que os governos demoram (quando conseguem) a dar respostas e o descrédito vai para a conta de uma parcela da população costumeiramente “esquecida”.
Lembrando que o imediatismo deve ser considerado como uma atitude caracterizada pela pressa habitual de querer ver os problemas resolvidos, independentemente de sua complexidade, de suas implicações e da demanda de tempo requerida para sua solução.
O imediatismo – seja da instância cidadã ou governamental – é inimigo do planejamento, do critério, da ponderação. É companheiro da improvisação, do “jeitinho” que, com frequência, resulta em graves erros, desperdício de recursos e de vidas humanas.
Pois bem, esta prática imediatista e superficial tem sido uma das características observadas em governos recém empossados, na tentativa de cumprir ou responder as “promessas de campanha” aos seus eleitores. Estudos da Fundação Getúlio Vargas – o Grupo de excelência de gestão pública no Livro gestão municipal (429 páginas) – demonstram essa “pressa” nos primeiros noventa dias de gestão municipal.
É óbvio que os políticos – normalmente demagogos – criam expectativas que não podem atender – em curto prazo (e talvez nem mesmo em longo prazo).
Muitas vezes, os planos sugeridos em campanha são superficiais, irrealizáveis e inexequíveis.
Aliás, o superficialismo combina com a mediocridade, a incompetência e a falta de objetivos e metas. Ou seja, o imediatismo combinado com o superficialismo retarda a “solução” dos problemas.
O “conjunturalismo” – “curto prazo que tem atropelado tudo” – é a tendência da chamada democracia de opinião onde perde-se a objetividade nos exames e debates públicos dos problemas que afligem a sociedade e, consequentemente, constatamos duas situações que se reforçaram nestas eleições municipais:
a) o constante questionamento da democracia representativa (reforçada pela crise da representatividade) vista nos altos índices de abstenção (abstenção é a segunda maior desde 2000 e só perde para eleição na pandemia);
b) e somado a isso, figuras oportunistas, aventureiros políticos – “que se dizem outsiders da política, com discursos anti-establishment. E se avaliam como homens providenciais, os possuidores da poção mágica/a varinha de condão para resolver todos os males da sociedade”.
Essa dupla tendência centrífuga da política deverá acompanhar a disputa do poder nas futuras eleições municipais, estaduais e federal.
No artigo intitulado “Quando a inexperiência é um trunfo: o fenômeno da ascensão de outsiders na política” ( When inexperience is an asset: the phenomenon of the rise of outsiders in politics) de Mateus da Cunha Santos e Maria Ivete Trevisan Fossá publicado no periódico Contracampo da Universidade Federal Fluminense, os autores afirmam: “Com o descrédito enfrentado pelos políticos, nos últimos anos, pessoas com carreiras consolidadas em áreas como entretenimento, educação e empreendedorismo têm ingressado na política e assumido cargos políticos significativos em diversos países”.
Na mesma linha, o artigo de Roberta Picussa e Adriano Codato, Outsiders na política: uma visão geral reitera essa novidade na política mundial: “O sucesso político de lideranças que constroem suas carreiras fora dos partidos estabelecidos não é novo, mas tem se tornado mais presente na década de 2010. Se nos anos 1990 países da América Latina viram muitos líderes de fora do establishment partidário chegarem ao cargo de Presidente, como Alberto Fujimori no Peru e Hugo Chávez na Venezuela, atualmente é possível observar esse fenômeno também na Europa e nos EUA”.
Apesar de tudo isso, como diria Winston Churchill: “a democracia é a pior forma de governo, exceto todas as outras que têm sido tentadas de tempos em tempos”.
Por fim, não há dúvida que a democracia é uma andança sem fim e sem destino certo. É um projeto inacabado e em construção. E, nesse sentido, como escreveu o poeta espanhol Antonio Machado: “no hay camino. Se hace caminho al andar”.
Fonte
FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS. Gestão municipal no Brasil: modernização, cooperação e humanização. https://oficinamunicipal.org.br/wp-content/uploads/2023/09/Livro-Gestao-Municipal.pdf. Acesso em 26/10/2024.
FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS. Caminhos para uma gestão municipal robusta. file:///D:/Usu%C3%A1rios/OS2786/Downloads/GV11+2303+-+CE+02+Gestao+robusta+2308-aprovado.pdf. Acesso em 26/10/2024.
PICUSSA, Roberta; CODATO, Adriano. Outsiders na política: uma visão geral. file:///D:/Usu%C3%A1rios/OS2786/Downloads/manuscript.pdf. Acesso em 26/10/2024.
SANTOS, Mateus Cunha dos; FOSSÁ, Maria Ivete Trevisan. Quando a inexperiência é um trunfo: o fenômeno da ascensão de outsiders na política. Revista Contracampo. Niterói, v. 42 n. 1, p. 01-15, jan./abr. 2023.
(*) José Renato Ferraz da Silveira, que escreve às terças-feiras no site, é professor Associado IV da Universidade Federal de Santa Maria, lotado no Departamento de Economia e Relações Internacionais. É Graduado em Relações Internacionais pela PUC-SP e em História pela Ulbra. Mestre e Doutor em Ciências Sociais pela PUC-SP.
Resumo da opera. Conclui-se que existe a ‘democracia’ e a ‘democracia piorra’. Vai para lá, vai para cá, quase cai e se equilibra precariamente. Existe alguma chance do establishment deixar o sistema se autocorrigir? Duvido muito. Negocio é citar teorias e fingier que tudo esta bem, tudo ‘funciona’. Vida que segue. Se o voto não muda nada, para que votar?
‘[…] não há dúvida que a democracia é uma andança sem fim e sem destino certo. É um projeto inacabado e em construção.’ ‘“no hay camino. Se hace caminho al andar”. Menos na Suiça, la funciona. Sem entrar em detalhes teoricos (democracia governo da maioria, estado de direito, direitos das minorias).
‘[…] é inimigo do planejamento, do critério, da ponderação.’ Escapou esta. Planejamento é geralmente invocado por alguém que nunca planejou nada na vida. Vide planejamento estrategico de SM. Reuniram as patotinhas, lobbies e badalhocas. Produziram uma lista de desejos. Daqui 100 anos SM se tornaria o Vale do Silicio e Polo Turistico, dentre outras centenas de coisas.
‘[…] como diria Winston Churchill: “a democracia é a pior forma de governo, exceto todas as outras que têm sido tentadas de tempos em tempos”.’ De novo, um chavão. Faltou algo inteligente para dizer. Quando o unico argumento é um chavão não existe argumento.
‘[…] como Alberto Fujimori no Peru e Hugo Chávez na Venezuela, atualmente é possível observar esse fenômeno também na Europa e nos EUA.’ Porque não está funcionando. Chavez num pais onde não existia classe media praticamenet. Fujimori herdou hiperinflação. Confundem sintomas com doença. Congresso não foi mais o mesmo depois de Severino Cavalcanti. Cavalão se elegeu na esteira das Jornadas de 2013.
‘O sucesso político de lideranças que constroem suas carreiras fora dos partidos estabelecidos não é novo, […]’. Não que não exista uma especie de politica dentro das empresas. Na iniciativa privada sobe na hierarquia quem apresenta resultados. Sem estes as empresas ‘quebram’, algo que não acontece nos governos a curto e medio prazo. Argentina e Venezuela levaram decadas. Obviamente existe um principio pelo qual todo mundo é promovido até seu nivel de incompetencia. Encarregado desempenha bem. E promovido a chefe, se desempenhar bem, vai a gerente, senão fica chefe até o fim da vida. Na politica não existe isto, com os contatos certos se vai longe.
‘[…] carreiras consolidadas em áreas como entretenimento, educação e empreendedorismo têm ingressado na política e assumido cargos políticos significativos em diversos países […]’. Afirmação generica, sem dados para suportar. Partidos politicos no Brasil viraram feudos, existe o problema dos pes de eucalipto ainda por cima. Alas, ja foi falado publicamente para Marçal que ele estaria ‘com pressa demais’, ‘queimando etapas’. No caso do governador de SP, Tarcisio, falaram que ‘presidencia do pais ainda não, muito cedo, tem que pegar mais experiencia’. Pergunta, o deficit democratico na escolha dos/das candidatos(as) tem alguma influencia? Alguém pode mencionar as primarias ianques, mas aquilo lá é um circo de cartas marcadas, bastante evidente ainda por cima.
‘homens providenciais, os possuidores da poção mágica/a varinha de condão para resolver todos os males da sociedade’. De novo, não estão ‘entregando’. Sem falar na sensação de ‘esculhambação’ institucional.
‘ o constante questionamento da democracia representativa’. Porque não esta ‘entregando’. Simples. Porque os candidatos apresentados, problema dos partidos, não convencem. Obvio que teria que ser feita uma pesquisa sobre e com quem não apareceu. Não ficar ‘adivinhando’.
‘Muitas vezes, os planos sugeridos em campanha são superficiais, irrealizáveis e inexequíveis.’ Não são ‘planos’. Se fossem teriam orçamento e cronograma. Marçal, o Doria, prometeu predio com 1 Km de altura em SP e teleféricos. Sem pé nem cabeça. Midia colabora, fica perguntando de outras coisas. Parece as coletivas do Renato no Gremio, não fala do jogo porque não perguntam. Jornalistas egos inchados querem ficar ‘brigando’.
‘É óbvio que os políticos – normalmente demagogos – criam expectativas que não podem atender […]’. Algo que se viu inclusive na aldeia. População não é tão burra e nem tão boba. Quanto mais o barco afundava para uma candidatura mais absurdas as promessas.
‘[…] demonstram essa “pressa” nos primeiros noventa dias de gestão municipal.’ Outro chavão, os 100 dias de Napoleão e os 100 dias de ‘tregua da oposição’.
De novo a comparação forçada, No Japão sai rapido. Aqui, se demora, o negocio é começar antes. Padrão tupiniquim? Dois primeiros anos do mandato é para levar em banho maria. Nos dois seguintes é obra atras de obra por causa da eleição. Não porque os problema tem que ser resolvidos.
‘Lembrando que o imediatismo deve ser considerado como uma atitude caracterizada pela pressa habitual de querer ver os problemas resolvidos […]’. Padrão é ‘se não bate na mesa do politico não é problema’. Padrão é ‘se não bate nas urnas não é problema’. Depois da Kiss resolveram melhorar fiscalização (alás, como está?) e legislação. Depois da chuvarada descobriram que havia areas de risco em SM. Depois da enchente as obras contra as mesma em POA, e que podiam ser demolidas segundo alguns, tinham que receber manutenção e atualização.
‘[…] o descrédito vai para a conta de uma parcela da população costumeiramente “esquecida”.’ Só não é na hora de votar. Gestão é na base do ‘atirar lavagem para os porcos’, importante é o proximo pleito.
Comparação forçada. ‘É evidente que os governos demoram (quando conseguem) a dar respostas […]’. No Japão não demora. Logo é possivel. ‘Mas a legislação…’. Mude-se a legislação. Mande-se os corruptos para a cadeia, não fiquem processando por 10 anos para virar pizza.
‘Todas estas condições nem sempre estão disponíveis ou são fáceis de obter’. Setor publico, em qualquer lugar do mundo, compete no mercado de trabalho com a iniciativa privada. Pessoal mais capacitado, não importa a estabilidade, não vai deixar de ganhar mais para ficar pendurado no serviço publico. Rarissimas exceções. Alas, concursos viraram uma industria no pais. Criatura passa, termina o estagio probatorio e ‘se aposenta’. Muitos ainda continuam estudando para uma vaga com salario maior. E na iniciativa privada? Cada dois anos, ou cada crise, acontece um passaralho. Rarissimos estão imunes. O ritmo do trabalho é na base do Aquiles e a tartaruga, real não filosofico.
Alas, ‘educação’ virou uma panaceia para todos os males e se resume a distribuir diplomas para o maior numero de pessoas possivel. Melhorar qualidade é coisa da Globo.
‘Lembrando que a política é o eterno e indissolúvel conflito entre o desejável e o possível.’ Chavão. Algo que se usa quando algo inteligente para dizer não esta disponivel. ‘Desejavel’ para quem? Alguém pediu ‘distrito empulhativo’ aqui em SM? Na base do ‘vamos deixar as ruas esburacadas, mas vamos fazer uma revitalização’ porque as duas não é ‘possivel’. Simplesmente porque é mais facil de marketar e angariar votos? Alas, mentalidade da aldeia. ‘Vamos investir nos proximos 50 anos e chegaremos no Nirvana’. Empulhação. E a zeladoria da cidade as moscas. Sem falar em saúde e educação.
Citações centenarias. O que se ve por aí é idealismo, romantismo, marxismo (e seus badalhocas). Idéias ultrapassadas, politicas que já não deram certo, busca de culpados no passado. Isto é Terra Brasilis. Alas, um dos grandes especialistas em Kierkegaard era Niels Bohr, o da mecanica quantica. Einstein era mais Espinoza. Epoca diferente, mas prova de que é possivel produzir algo util além da filosofia.