Dartagnan: uma vida militante – por Leonardo da Rocha Botega
“No auge de oito décadas de vida, sempre guardou sonhos e segue guardando”
Atribui-se ao filósofo grego Sócrates a seguinte frase: “A vida não examinada não vale a pena ser vivida pelo homem”. A frase teria sido pronunciada durante a sua defesa no julgamento da acusação de ser alguém que corrompia a juventude. Examinar a vida não é uma tarefa simples. Examinar a própria vida então, é uma tarefa que poucos se propõem. Dartagnan Luiz Agostini é um destes.
Na última Feira do Livro de Santa Maria, realizada no mês de setembro, o professor e engenheiro lançou seus “Relatos de um militante”. Com o senso prático do narrador nato proposto por Walter Benjamin, em seu texto clássico “O narrador”, Dartagnan apresenta o testemunho de quem viveu (e vivenciou) intensamente as décadas do pós-Segunda Grande Guerra no Brasil.
Nascido em 30 de março de 1943, filho de um contabilista e de uma professora da rede pública estadual e poetisa, getulistas conservadores (conforme sua própria descrição), Dartagnan foi um adolescente que formou sua consciência social nos bancos escolares da educação pública brasileira, em um tempo onde o Brasil ousava sonhar com a superação das amarras do subdesenvolvimento. Esta consciência social o levará para a práxis militante.
Em um período marcado pelo protagonismo da cidadania e, particularmente, do movimento estudantil, que reinventava a juventude brasileira, Dartagnan viu esta efervescência sofrer uma dura derrota com o Golpe Civil-Militar que sufocou a sociedade brasileira ao longo de 21 anos. Resistente, planejou com seus companheiros uma reação que não veio. A repressão havia desmantelado os sindicatos, intervindo e prendendo as principais lideranças do campo democrático-popular.
No ano seguinte ao Golpe, já como estudante da Faculdade de Engenharia da UFSM, Dartagnan se somou as fileiras do movimento estudantil universitário. Filiou-se, em maio de 1965, ao Partido Comunista do Brasil, o PC do B. Provavelmente, Dartagnan seja o filiado mais antigo do partido, segundo nos confessou, em 2017, o falecido historiador Augusto Bounicore.
Como muitos jovens que ousaram romper o silêncio da opressão ditatorial, foi preso e na prisão, no DOI-CODI de São Paulo, reviu um rosto conhecido, o Coronel Castro Brilhante Ustra, seu ex-vizinho e irmão de um ex-membro de sua equipe de futebol no terreno baldio da casa dos pais do temido agente da tortura. Transferido para Porto Alegre, Dartagnan foi julgado e absolvido, destino que muitos de seus companheiros não tiveram.
Mesmo tendo conseguido sobreviver a prisão e a tortura, voltar a uma “vida normal” não se impunha como opção. A perseguição ditatorial não se resumia a luta política. Seu sonho de ser engenheiro da Petrobrás foi barrado e o desemprego, por conta das suas posições políticas, se impôs. A ditadura quando não matava, procurava humilhar o “inimigo” em todas as esferas de sua vida.
Dartagnan venceu até mesmo essas tentativas de humilhação. Resistente, viu o Brasil retomar a democracia. Os novos ventos pós-autoritarismo o levaram a novas frentes de luta social. O movimento comunitário e o movimento sindical, primeiramente dos Engenheiros, depois dos professores da Rede Estadual do Rio Grande do Sul (sua nova profissão), o levaram para novas pautas e novas lutas que o acompanham ainda hoje.
Caetano Veloso cantou, em homenagem à Carlos Marighela, que “os comunistas guardavam sonhos”. Dartagnan, no auge de suas oito décadas de vida, sempre guardou sonhos e segue guardando. Os altos e baixos da nada romântica luta política e social nunca abalaram as suas esperanças na construção de um Brasil justo e soberano. Em uma humanidade melhor. Em um futuro onde possamos realizar nossos sonhos livres das amarras do capital e da covardia dos opressores. Esta é a grande lição de seus “Relatos de um militante”.
(*) Leonardo da Rocha Botega, que escreve regularmente no site, é formado em História e mestre em Integração Latino-Americana pela UFSM, Doutor em História pela UFRGS e Professor do Colégio Politécnico da UFSM. É também autor do livro “Quando a independência faz a união: Brasil, Argentina e a Questão Cubana (1959-1964).
Nota do Editor: a foto de Dartagnan Luiz Agostini, que ilustra este artigo, é uma reprodução obtida no Facebook.
‘[…] na construção de um Brasil justo e soberano. Em uma humanidade melhor. Em um futuro onde possamos realizar nossos sonhos livres das amarras do capital e da covardia dos opressores.’ Kuakuakuakuakuakua!
Detalhe: objeto da cronica é formado em história onde teve carreira.
Não se pode acusar o autor de originalidade. Fernando Peregrino, outro ilustre desconhecido, escreveu livro com o mesmo titulo.
‘[…] procurava humilhar o “inimigo” em todas as esferas de sua vida.’ Prova de que o ‘cancelamento’ não é de hoje. Contratar comunista para trabalhar numa empresa é esculhambar com a empresa. Arranjar sarna para se coçar.
‘ Provavelmente, Dartagnan seja o filiado mais antigo do partido, […]’. Se perguntarem a alguém que conheça historia descobrirão que o partido foi fundado em 22. Rachou do Partidão em 62.
‘[…] principais lideranças do campo democrático-popular.’ Que desejavam implantar o comunismo no Brasil. ‘Democracia’ não significa a mesma coisa para todas as pessoas. Por isto é necessario cuidado com o que se ‘defende’.