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Setembro: angústias e preocupações (Parte 4) – por José Renato Ferraz da Silveira

E a “dinâmica (...) paradoxal de subir e descer, levantar e cair, ganhar e perder”

Como tudo o mais na vida, a política envolve escolhas difíceis e a melhor coisa a fazer com uma escolha difícil é evitá-la. Um abracadabra semântico”. Kenneth Minogue

A política é um discurso sobre o mundo. Em política, as palavras ou, ao menos, parte delas têm sentido”. Demétrio Magnoli

Caro leitor, qual o lugar do Brasil no mundo? Temos algum peso no mundo? Podemos sonhar com maior participação nas mesas dos poderosos mundiais? Podemos influir com realismo na ordem internacional?

O ex-presidente da República e sociólogo Fernando Henrique Cardoso afirma – categoricamente – que “um país como o Brasil, com 210 milhões de habitantes, tem peso no mundo” (CARDOSO, 2018, p. 175).

Atualizando, hoje temos 212,6 milhões de habitantes (de acordo com IBGE-censo 2022). Ocupamos a sétima posição no ranking dos países mais populosos do mundo, segundo projeções da Organização das Nações Unidas (ONU) para 2024.

Pois bem, o que é o mundo de hoje e qual o lugar do Brasil nele, quais são as nossas dificuldades, desafios, possibilidades e projeções futuras?

O mundo de hoje

Com o fim da Guerra Fria (1991), o poder dos Estados Unidos parecia incontestável aos olhos do mundo. Boa parte da produção teórica de Relações Internacionais corroborava essa hipótese (Francis Fukuyama, Samuel Huntington, John Lewis Gaddis, John Mearsheimer, Paul Kennedy, Henry Kissinger, Niall Ferguson, Stephen Walt, Joseph Nye, Fareed Zakaria e outros).

Era uma força inabalável (força militar extraordinária com armamentos convencionais de geração mais avançada em todas as Forças Armadas, influência política nos principais organismos internacionais, o dólar como principal moeda e o sedutor soft power americano). Parecia a era da hiperpotência em sua unipolaridade consolidada.

Desse modo, o capitalismo e a democracia liberal constituíam-se como as únicas e inexoráveis opções. As outras alternativas fracassaram e não tinham fôlego para competir.

Como disse o cientista político Francis Fukuyama, em sua obra “O fim da história e o último homem”, era o “fim da história” (alusão provocativa a Marx).

Será que foi o fim das opções?

Outro ponto, a história é imutável? Nada se repete? Tudo se transforma? Ou os erros se repetem? E os ciclos de ascensão e queda das grandes potências permanecem num fluxo como de Sísifo?

Três autores e três destinos

Em relação ao mito de Sísifo, o mundo das Relações Internacionais convive nessa dinâmica cíclica e paradoxal de subir e descer, levantar e cair, ganhar e perder.

O historiador britânico Paul Kennedy constata isso na sua obra, o best seller mundial “Ascensão e queda das grandes potências” que os erros se repetem e todos os impérios perecerão. Há ciclos de domínio e hegemonia que chegarão ao fim.

Na mesma linha, o portentoso autor e historiador francês Jean Baptiste Duroselle – no seu clássico “Todo império perecerá” – já havia escrito acerca dessa “repetição histórica” do desfecho crepuscular das grandes potências em declínio.

Por fim, o erudito George Steiner diz que a tragédia é uma narrativa de alguém poderoso que sofreu um declínio da fortuna num desenlace desastroso. Isso é tragédia na política!

Homens e Estados poderosos caem e já caíram como a areia na Ampola do Tempo.

China e Estados Unidos: o dilema de Tucídides

A passagem do século XX para o século XXI reforçou o peso cada vez maior da China na economia global.

A China seguiu uma linha de ascensão pacífica sem contestar a ordem internacional (status quo). O professor, da Fundação Getúlo Vargas, Evandro Menezes de Carvalho (高文勇) afirma que “a China aprendeu bem as regras e jogou com as mesmas (o atento aluno que sabe – com paciência – das suas potencialidades e dos empecilhos do “sistema” aproveitar o momento certo)”.

Para Carvalho, “a China procurou ou soube escapar das ciladas, dos truques e das armadilhas de Tucídides” (a armadilha do historiador grego Tucídides refere-se à uma nova potência em ascensão tentar deslocar a potência dominante).

Vale ressaltar que no Departamento de Estado norte-americano, a armadilha de Tucídides é uma premissa básica e relevante para os advisers e policy markers em relação à China.  Há uma série de documentos que atestam essa afirmativa (uma breve pesquisa no Google (e mesmo em língua portuguesa) demonstrará isso – https://br.usembassy.gov/pt/a-ameaca-do-governo-e-do-partido-comunista-chines-a-seguranca-economica-e-nacional-dos-eua/).

Será que haverá uma Guerra? Quem sabe? As peças do jogo político são movidas em contínua competição de forças. Parece não provável. Dilemas e impasses!

Imprevisibilidade

Não podemos ignorar que a imprevisibilidade é indissociável ao reino da política. Não descartemos tal cenário das “Guerras das Guerras” ou o “Mundo para acabar com o Mundo”.

Por fim, em relação a China e Estados Unidos, eles são exemplos de relações de interdependência financeiras e econômicas. Vivem de um mutualismo positivo e negativo.

De forma resumida ou o “resumo da ópera”, China e Estados Unidos vivem numa relação de aproximações e distanciamentos que ditam o “modus operandi” das relações internacionais” no nosso dia a dia. 

A guerra comercial entre as duas grandes potências (ou melhor, superpotências) seguirá neste ritmo descontrolado, frenético e de indefinições.

E o Brasil?

Ficará para a parte final – acompanhem e leiam todas as partes desse intricado jogo de história, política e relações internacionais – no começo de outubro.

O que dizer deste gigante, plácido, vigoroso, imaturo e contraditório Brasil?

Referências

AMORIM, Celso. Breves narrativas diplomáticas. São Paulo: Benvirá, 2013.

CARDOSO, Fernando Henrique. Crise e reinvenção da política no Brasil. 1 ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2018.

LILLA, Mark. A mente naufragada sobre o espírito reacionário. Tradução de Clóvis Marques. 1 ed. Rio de Janeiro: Record, 2018.

MAGNOLI, Demétrio. O grande jogo: política, cultura e ideias em tempos de barbárie. São Paulo: Ediouro, 2006.

MINOGUE, Kenneth R. Política: uma brevíssima introdução. Tradução Marcus Penchel. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed, 1998.

STEINER, George. A morte da tragédia. São Paulo: Perspectiva, 2006.

(*) José Renato Ferraz da Silveira, que escreve às terças-feiras no site, é professor Associado IV da Universidade Federal de Santa Maria, lotado no Departamento de Economia e Relações Internacionais. É Graduado em Relações Internacionais pela PUC-SP e em História pela Ulbra. Mestre e Doutor em Ciências Sociais pela PUC-SP.

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18 Comentários

  1. Resumo da opera. Tudo indica que estamos em pleno voo de galinha economico. Uma hora a conta chega. Internacional é terceiro plano. Não conseguimos acertar aqui dentro, vamos querer mudar o mundo?

  2. Bibliografia. Muito a esquerda. Celso Amorim está ultrapassado. Enrascadas diplomaticas do pais são em parte responsabilidade dele. Para o resto do mundo Brasil está alinhado com Russia e China. Apoia ditaduras nas Americas. Isto contraria interesses ianques. Podem fazer nada. Ou podem atuar. Não importa quem seja eleito na Ianquelandia, atras de Kamala tem Obama e Hilary.

  3. China é diferente. Livro do Kissinger. Ja engoliram Hong Kong sem dar um tiro. Chute? Vão tentar o mesmo com Taiwan (onde ja tem maioria no parlamento). Mas vão fazer os ianques ‘se gastar’. Alas, vide filme ‘Herói’ de 2002 dirigido por Yimou Zhang.

  4. Faltam alguns detalhes. Pessoal de RI falando de conflitos quando seria melhor ouvir militares (que para variar estão fora do debate). Conceito de ‘guerra hibrida’.

  5. Armadilha de Tucidides é invenção de um cara chamado Graham Allison. Uma potencia estabelecida e outra em ascenção o que levaria inexoravelmente ao conflito. ‘Teoria’ que tem seus criticos, não é incomum ficarem de fora. Mainstream abraçam uma ‘tese’ que vira ‘verdade’. Dialetica é coisa da Globo. Olhando de fora existe uma série de problemas. China é diferente. Historia da Guerra do Poloponeso tem mais missões diplomaticas do que combates. Atenas estava ‘exportando’ democracia a um preço modico (tentou invadir a Sicilia). Esparta era isolacionista. Existia um componente tribal (jonios vs dorios). Logo não é tão simples e trata-se de uma simplificação.

  6. Segunda Lei da Termodinamica aplicada a Civilizações. Autores citados, bom observar, mostram uma visão ‘ocidental’ do problema. Não temos acesso a visões orientais. Que podem concordar ou não.

  7. Da lista Fareed Zakaria tem um defeito muito grande. Análises na base do ‘o que eu gostaria que fosse, o que eu gostaria que acontecesse’. Baixa objetividade. Outro defeito: como muitos por ai, para parecer ‘isentão’, faz uma média e passa pano para absurdos.

  8. Depois da Guerra Fria. Fukuyama escreveu uma resposta a Samuel Huntington. Que acertou no geral e errou no particular. Choque de Civilizações.

  9. Argumento da população é uma asneira, propaganda interna. India tem 1,4 bilhão de habitantes e perto de duas centenas de armas nucleares. Alguém ja viu noticia ‘vão consultar a India’ a respeito de algum assunto?

  10. ‘ Podemos sonhar com maior participação nas mesas dos poderosos mundiais? Podemos influir com realismo na ordem internacional?’ Não e não. O marketing interno não influencia os que estão lá fora que enxergam o pais basicamente como ele é. Subdesenvolvimento, corrupção, divida interna, commodities, instituições mais ou menos funcionando como deveriam. Para participar numa mesa de negociação é necessario ter algo para colocar nela. Brasil só tem discurso.

  11. O que levou ao Mercosur. Copiaram a Comunidade Europeia de maneira artificial inventando ‘vantagens’ que não se materializaram porque foram imaginadas no ar condicionado. CE surgiu da necessidade de integração para evitar novas guerras basicamente. Dai o horror da Ucrania, ‘vamos integrar nem que seja na marra’. Atenas ‘exportando’ democracia e a Guerra do Peloponeso.

  12. ‘Caro leitor, qual o lugar do Brasil no mundo?’ Brasil poderia ter algum peso na America Latina. Não acredito ser mais possivel. Caminhos errados. Outro aspecto é que ninguem fala nos obstaculos que existiam antes. Segundo visão dos ‘hermanos’ o Brasil seria um pais ‘rico’ e teria que ajudar os outros. Por questões diversas nosso pais não quis influir nos arredores por conta do que os vixinhos (ou parte deles) alegavam, tentativa de hegemonia regional, colonialismo, etc.

  13. Outro sintoma? O discurso descolado da realidade. Todo problema é ‘debatido’ em tese mesmo com dados disponiveis. O pepino não é o que se vê na rua, é o imaginado na sala com ar condicionado. A solução vinda de cima para baixo pode ou não ter algum efeito. Intermediando o processo uma burocracia que só ve o mundo atraves dos textos, de uma tela de computador ou de um ‘noticiario’ capenga.

  14. Tanto num caso como no outro ve-se alguns sintomas do problema. Politica deixou de ser a gestão da pólis e a Retorica (com ‘R’ maiusculo) deixou de ser uma ferramenta de convencimento e até dissimulação. Politica virou um teatro de má qualidade com atores/atrizes péssimas, a ‘retorica’ é de quinta série e gestão uma questão de publicidade e propaganda.

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