Educação especial contra a retórica coaching (ou para que serve a fórmula de Bhaskara) – por Demetrio Cherobini
Conhecimento seguirá ajudando a aprimorar relações solidárias da humanidade
A pergunta sobre para que serve a fórmula de Bhaskara é, em geral, feita por sujeitos de mentalidade obtusa, que buscam fazer uma pretensa crítica da instituição escolar com ares de falsa sabedoria, querendo dizer que os conhecimentos aí veiculados não servem para nada.
É com esse objetivo mal-intencionado que recorrem à velha questão-clichê, presente no senso comum desde tempos remotos. Para que serve a fórmula de Bhaskara? – dizem, com pose e retórica cínica.
Tal pergunta foi apropriada pelos “coaches” de plantão para tentar vender seus cursos milagrosos e receitas de sucesso supostamente infalíveis. Um deles é o falastrão midiático Pablo Marçal, que em entrevista recente, na intenção de afirmar que os conhecimentos escolares não possuem qualquer utilidade, saiu-se com o famoso (e intragável) bordão: para que serve a fórmula de Bhaskara?
Imediatamente, a pergunta foi replicada por inúmeros outros coaches e seguidores de Marçal nas redes, tanto ou mais pateticamente desinformados que ele – inclusive por “mini coaches”, figuras bizarras do submundo da internet, adolescentes riquinhos (os ditos “filhinhos de papai”) que usam as mídias para “ensinar” outros adolescentes a “faturar” vendendo no mercado digital toda sorte de bugigangas fúteis.
Daí surgiu um coro de simplórios repetindo, sem a mínima vergonha na cara, que a escola é inútil e perguntando, também eles, para que serve a fórmula de Bhaskara. Um desses seres cavernosos foi ainda mais longe e questionou com insolência “para que serve Aristóteles?”, referindo-se ao célebre pensador grego, amplamente considerado um dos fundadores da lógica e do método científico. De fato, quem tem o pensamento aquém ou fora da ciência não vê sentido em conhecer as suas bases e conteúdos.
A fórmula de Bhaskara tem inúmeras serventias em diversas áreas do saber: física, química, geometria, estatística, engenharia, economia, entre outras. Quem não tiver preguiça, pesquise e constate o seu variado uso nesses campos. Além disso, a fórmula de Bhaskara tem uma utilidade mais geral na escola: ajuda a desenvolver a capacidade de abstração, sem a qual não se pode conhecer cientificamente o mundo em que se vive.
É isso, justamente, o que nos torna humanos. Um papagaio, ao contrário, não consegue formar abstrações. Ele apenas faz seu ninho e repete sons, sem compreender nenhum significado. Por isso, não tem consciência sobre o que “fala” ou como usar as palavras. É um ser que somente come, dorme, excreta, se agita e se reproduz parcamente.
A ideologia dos coaches está, pois, criando papagaios que repetem sem cessar a patifaria de que “o conhecimento é inútil” ou “para que serve a fórmula de Bhaskara?” Isso porque o “coach”, lamentavelmente, tem uma noção acanhada de “serventia”.
Na superficialidade de suas crenças e convicções, o dinheiro é a única coisa que importa. Este é o seu deus e objeto supremo de desejo, a entidade absoluta a quem busca servir, cultuar, louvar e se submeter totalmente. Só “serve” ao “coach”, portanto, aquilo que o ajuda a encher os bolsos – custe o que custar e doa a quem doer.
O que a educação especial deve propor é exatamente o contrário: que seus alunos amem, acima e antes de tudo, o conhecimento, a arte, a cultura e a boas relações humanas. E que saibam usar, se possível, a fórmula de Bhaskara, a fim de desenvolver a ciência e ajudar com suas ações a livrar a humanidade da infâmia e da burrice hoje reinantes.
A humanidade desceu das árvores não porque começou a vender bananas uns para os outros, mas porque aprendeu, coletiva e solidariamente, a dominar ferramentas para se emancipar das forças cegas da natureza. O conhecimento ajudou e seguirá ajudando a aprimorar as relações solidárias da humanidade.
(*) Demetrio Cherobini, professor da rede municipal de Santa Maria, é licenciado em Educação Especial e bacharel e Ciências Sociais pela UFSM, mestre e doutor em Educação pela UFSM e pós-doutor em Sociologia pela Unicamp.
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