Transição energética para enfrentamento das mudanças climáticas – por Marta Tocchetto
“Não haverá justiça climática sem reduzir o uso dos combustíveis fósseis”
“Não haverá justiça climática sem reduzir o uso dos combustíveis fósseis – combustíveis que geram energia suja.”
As mudanças climáticas são resultado da desconexão do homem com a natureza. Daniel Munduruku em seu livro, Das coisas que aprendi, resume de forma muito precisa que é imprescindível nos enxergarmos como parte desse sistema vivo. “Viver é seguir o fluxo contínuo da natureza, ser parte dela. Pertencendo a ela, como o peixe pertence ao rio, como a folha pertence à árvore, como o sol pertence ao céu”. A mudança requer novas atitudes, nova compreensão.
Nosso modelo de desenvolvimento
Mudar nossa compreensão de desenvolvimento é urgente. Não pode haver crescimento sustentável, tampouco avanço, às custas do esgotamento, da destruição da natureza e de seus bens. O atual modelo é absolutamente insustentável. Está em total desarmonia com a natureza. Nosso desenvolvimento se fundamenta no crescimento sem limites. Para sustentá-lo, admite-se a exploração, a extração sem controle, desmedida.
Se pensarmos no conceito e na pirâmide da sustentabilidade temos que considerar a harmonia entre três pilares básicos, os aspectos econômico, social e ambiental.
As três dimensões, teoricamente, têm (e deveriam ter) o mesmo grau de importância. Ocorre que na realidade, na prática, o aspecto econômico tem prevalência sobre os demais. É por essa razão, que quando pensamos em desenvolvimento sustentável não é difícil diagnosticar que, ao priorizarmos o aspecto econômico, escolhemos um formato de desenvolvimento absolutamente predatório, devastador, no qual o que mais importa é o lucro. É nessa lógica que estão posicionados, principalmente, o carvão e o petróleo. É preciso partir, o quanto antes, para uma transição energética justa e energias alternativas limpas em substituição aos combustíveis fósseis.
Combustíveis fósseis
O carvão e petróleo são os principais emissores de gases de efeito estufa: monóxido de carbono, gás carbônico, metano, óxidos de nitrogênio, de flúor e de enxofre, dentre outros. O controle da temperatura do planeta só se fará com a redução e a substituição dos combustíveis fósseis.
A mudança é, sobretudo, uma decisão política. Os aspectos ideológicos e econômicos têm se sobreposto aos fatores ambientais e sociais. Não haverá transição justa sem considerar todas as dimensões do problema. É só observarmos o posicionamento do governo Lula que, mesmo reafirmando ao mundo a sua preocupação com a crise climática e buscando endurecer a legislação flexionada nos tempos de Bolsonaro, insiste em explorar petróleo na foz do Amazonas e, também em outras regiões do país.
Um levantamento do Instituto de Estudos Socioeconômicos (INESC) mostra que o Projeto de Lei Orçamentária (PLOA) para 2025, prevê um corte de quase 18% aos recursos destinados à transição energética. A proposta reduz o orçamento da área de 4,44 bilhões de reais, em 2024, para 3,64 bilhões reais. Esses dados foram publicados por diversos jornais e revistas, dentre ele, Folha de São Paulo e Carta Capital. As cifras para eliminar o petróleo, o carvão, o gás fóssil bem como, para avançar nas fontes renováveis têm sofrido redução por parte do governo brasileiro, apesar da cobrança internacional aos demais países para que eles aumentem as cotas de investimento e para que acelerem a transição.
No dia 24 de setembro de 2024, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva abriu a Assembleia Geral das Nações Unidas. Na ocasião, fez duras cobranças aos países desenvolvidos pelas dificuldades no combate às mudanças climáticas, em especial, à questão financeira e defendeu a revitalização do multilateralismo e da governança global. “É hora de enfrentar o debate sobre o ritmo lento da descarbonização do planeta e trabalhar por uma economia menos dependente de combustíveis fósseis”, discursou Lula. Foi a legítima pregação de moral de cuecas.
Fica evidente a ambiguidade entre a fala e a prática, pois o governo segue dividido quanto à exploração do petróleo. Enquanto Lula cobra os chefes de estado, a Petrobrás, na qual o governo é acionista majoritário, planeja ampliar a produção diária de petróleo até chegar a 5,3 milhões de barris em 2030. Atualmente, a produção é de 2,78 milhões de barris/dia. O projeto prevê, praticamente, dobrar o processamento.
Alternativas limpas
Não haverá justiça climática sem reduzir o uso dos combustíveis fósseis – combustíveis que geram energia suja e que são os principais responsáveis pelos eventos climáticos extremos. A transição passa pela substituição deste tipo de energia por fontes renováveis: chuva, sol, vento, maré, biomassa, dentre as principais. Eliminar o petróleo e outros matérias primas fósseis é mais do que uma questão de sustentabilidade. É questão de sobrevivência da espécie humana e da biodiversidade!
A energia de biomassa é uma solução importante quando consideramos, em especial, os resíduos urbanos, em que quase a metade da composição, são orgânicos. Esses, ao se decompor geram gases de efeito estufa, portanto contribuem para o aquecimento do planeta e para as mudanças climáticas.
O aproveitamento energético do biogás é uma alternativa, particularmente, importante quando pensamos na substituição do gás de cozinha que é derivado do petróleo. Recentemente, o governo federal lançou uma ação piloto – Cozinha Solidária Sustentável – para a instalação de biodigestores em algumas cozinhas comunitárias selecionadas. A ação vai ao encontro da urgência do combate à pobreza energética. Pesquisa da Agência Internacional de Energia (IEA) realizada em 2022, identificou que 2,3 milhões de pessoas no mundo não acessam fontes de energias limpas. O número equivale a 28,7% da população mundial.
A cozinha solidária sustentável visa promover o processamento limpo e tem o propósito do acesso universal às fontes limpas para o cozimento de alimentos. Essa é apenas uma alternativa de aproveitamento que os governos municipais podem e devem ampliar, tendo em vista, a complexidade do gerenciamento dos resíduos urbanos, em particular, à fração orgânica que é maior em relação às demais. Nunca é demais lembrar que resíduo orgânico não é lixo. Destiná-lo aos aterros urbanos não é a melhor alternativa, nem a forma mais correta de gerenciamento. Essa opção onera muito as prefeituras e os custos da gestão ambiental, muitas vezes inviabilizando recursos a outras áreas importantes para o cidadão, como saúde, educação, infraestrutura, dentre as principais.
Transição energética
Os combustíveis fósseis são os principais causadores das mudanças climáticas. Buscar alternativas renováveis e mais limpas é uma das saídas para reduzir a ocorrência e os efeitos dos eventos climáticos cada vez mais frequentes e intensos. É preciso salvar o Acordo de Paris, a transição energética irá garantir a nossa sobrevivência, para tanto é preciso pressionar os governos federais, estaduais e municipais e os empresários para que virem a chave das mudanças climáticas. Não podemos esquecer que na natureza tudo está interligado, conectado. Não há um planeta alternativo. Não há planeta B! Os eventos que têm ocorrido no Brasil, as enchentes no Rio Grande do Sul, a seca na Amazônia e os incêndios no Pantanal não são isolados. Todos guardam relação entre si. A nossa inércia tem custado vidas, sonhos, histórias.
(*) Marta Tocchetto é Doutora em Engenharia e professora aposentada do Departamento de Química da UFSM. O artigo acima foi publicado originalmente no site da Seção Sindical dos Docentes da UFSM (AQUI) e reproduzido com a autorização da autora.
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