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UFSM. Feminismo pode auxiliar a ressignificar o amor e também combater a violência contra as mulheres

Pesquisadora e a importância da autoestima e do apoio coletivo entre mulheres

Por Jessica Mocellin (com Ilustração de Maria Eduarda Corrêa) / Da Agência de Notícias da UFSM

O amor, em suas diversas formas, deveria ser sempre seguro. No entanto, essa não é a realidade para muitas mulheres que enfrentam violência em relacionamentos afetivos, amorosos e sexuais. Diante disso, surge uma pergunta: é indispensável o amor romântico para que as mulheres se sintam amadas?

Essa e outras questões são respondidas no artigo “Amorosas Reflexões: autoestima feminista como recurso para disputas narrativas sobre o amor romântico”, escrito pela professora Vera Martins, do Departamento de Ciências da Comunicação do campus da UFSM de Frederico Westphalen. Com o texto, a autora apresenta a importância das redes sociais para mulheres brasileiras e moçambicanas que compartilham experiências de violência dentro de relacionamentos amorosos. Como descreve no artigo, a pesquisadora estuda “o encontro com a violência nos lugares onde as mulheres foram buscar o amor”.  

Graduada em Relações Públicas, Vera Martins aplica o feminismo em todas as áreas de sua vida. “Eu comecei a ter atitudes feministas muito cedo, por reconhecer o incômodo com a desigualdade. Foi o feminismo que deu nome para as coisas que eu sentia”. Quando participou da ONG ASPA: apoio, solidariedade e prevenção à AIDS, no Vale dos Sinos, teve contato com mulheres teólogas feministas, o que a levou a explorar leituras e conhecer diversas autoras sobre o tema: “Isso me deu um alívio tão grande!”, conta. 

Em sua vida acadêmica, Vera Martins usa ideais feministas. Desde sua graduação até seu doutorado, voltou-se para a comunicação e o feminismo. A docente coordena o projeto “Justiça de Gênero na UFSM”, no qual fazem pesquisas, promovem palestras, capacitações e rodas de conversa sobre as experiências das mulheres no campus de Frederico Westphalen. Além disso, Vera apresenta o programa “Mulheres Primeiro” nas rádios da UFSM, trazendo mulheres da Universidade, sejam elas estudantes, docentes ou técnicas, para compartilhar experiências. 

A Agência de Notícias da UFSM conversou com Vera Martins para compreender como o amor, a dor e a autoestima feminista podem estar relacionados à superação das violências contra a mulher. Confira a entrevista: 

O que te motivou a escrever um artigo sobre essa temática? 

Ao observar as vidas das mulheres que são objetos da luta social, a gente se dá conta que o campo dos relacionamentos afetivos não está na pauta das nossas reivindicações. Algo que é tão fundamental e tão organizador do ponto de vista das nossas emoções, tão central no modo como a sociedade nos socializa. Nós somos socializadas para ser para o outro, para termos relacionamentos afetivos no centro da nossa vida. Como você vê no artigo, nós temos teóricas produzindo sobre isso. Mas, eu penso que, do ponto de vista da organização das mulheres, nós nos articulamos pouco para colocar isso no centro de uma reivindicação. Porque a Marcela Lagarde, autora mexicana de quem eu gosto muito, diz que “ter uma vida amorosa justa, sem violência, é um direito” e nós precisamos reivindicar isso. 

A nossa vivência amorosa está diretamente ligada com um conjunto de violências. Nós conseguimos, como mulheres, ocupar cargos de liderança, ser presidenta, CEO de grandes empresas e nós continuamos sofrendo violência dentro de casa. Isso significa que a temática é central na nossa vida e ainda não recebeu o olhar suficiente para a gente começar a pensar como vamos resolver isso.

Como a autoestima se relaciona com o amor e a dor?

A autoestima e o autocuidado estão muito na moda. E isso é um movimento que a Bell Hooks, uma autora importante no feminismo, coloca como “feminismo no estilo de vida”. São pautas dos movimentos feministas que foram apropriadas pelo capitalismo e pelo patriarcado e se esvaziam do potencial transformador. É muito fácil a gente se engajar nisso, e as redes sociais cumprem um papel importante para isso. Por exemplo, eu decido que preciso ter autoestima, preciso cuidar de mim, do meu corpo, minha pele e isso vira uma centralidade. 

Mas, a pergunta difícil é: no que isso transforma as relações que eu vivo? Porque, se a gente não tomar cuidado, vamos performar nessas pautas para dar respostas para o outro. “Eu vou cuidar da minha pele para eu ser mais bonita e ser escolhida em um relacionamento”. Então quando a gente fala sobre a autoestima do ponto de vista feminista, estamos falando sobre algo mais profundo, que busca dar respostas para nós entre mulheres, para que nos fortaleça e que fiquemos menos dependentes do olhar do patriarcado sobre nós. 

A autoestima feminista é diferente da autoesima que é um estilo de vida, usada para a estética. Ela é pensada para fazer com que as mulheres compreendam os processos e percebam que não é individual. Porque eu posso estar com uma pele maravilhosa, mas o modo como a sociedade continua me olhando ainda é de desprezo e de descuido.

Então, quando eu chamo a atenção para autoestima, quero dizer que no campo do feminismo nós temos recursos que nos dão condições de olhar essa narrativa que foi imposta sobre o amor, disputar e dizer: “eu quero uma relação amorosa. Eu quero um namorado, uma namorada. Mas eu quero isso dentro de uma condição de saúde integral da minha vida, de alegria, de liberdade. Não quero que isso esteja atrelado à dor e ao sofrimento”. 

A dor e o sofrimento são normalizados. Se você ouvir músicas românticas, do MPB ao sertanejo, vai ver uma glamourização do sofrimento por amor. E é isso que nós, mulheres, precisamos desmontar. Não é fácil. Eu escrevi o artigo pensando no quanto o feminismo tem repertório para nos ajudar a fazer esse questionamento. 

Existe a construção de que precisamos do amor e estar em um relacionamento para sermos aceitas pela sociedade. Você pensa que isso ainda é muito presente? 

Ainda é muito presente. As mulheres ainda sofrem muito por não estar em um relacionamento afetivo-sexual. Tem uma coisa importante que o feminismo nos diz: o amor é importante, uma vida amorosa é fundamental. Mas a sociedade ocidental e patriarcal hierarquiza a vida amorosa. 

Em primeiro lugar está a vida amorosa de casal, depois a família, depois os amigos. É muito comum vermos mulheres que começam um namoro e se afastam das amigas. Isso é essa hierarquização do amor e é contra isso que a gente precisa lutar.

Não quer dizer que não precisamos do amor. Nós precisamos colocar a ideia do amor de um jeito mais horizontal para enxergar, inclusive, que quem nos salva todos os dias da solidão e do desamparo são outras mulheres. São as nossas amigas, são as mulheres que cuidam dos nossos filhos e filhas quando precisamos trabalhar, é a pessoa que trabalha comigo que sabe o dia que estou com cólica menstrual e me traz um chazinho. 

Nós somos cercadas de amor e cuidado de outras mulheres, mas a gente não costuma enxergar isso como uma vida amorosa. É isso, a partir do feminismo, que quero propor com o artigo: que a gente deixe de hierarquizar as expressões amorosas da nossa vida, que a gente coloque em uma visão mais horizontal, para que não fiquemos dependente de uma dessas expressões amorosas, que é o amor romântico. É importante aprender a olhar para o amor de uma perspectiva mais ampla e reconhecer que recebemos o amor de diversos lugares. O amor romântico é importante, faz muito bem na nossa vida, mas se não temos vivido boas experiências amorosas, a gente precisa reivindicá-las…” 

PARA LER A ÍNTEGRA, conferir o restante da entrevista e ver outra arte, CLIQUE AQUI.

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