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40 anos do Colégio Eleitoral – por Leonardo da Rocha Botega

A volta (necessária) a episódio central da retomada da democracia no Brasil

“Não há Pátria onde falta democracia”. Com estas palavras, proferidas após a proclamação do resultado do Colégio Eleitoral em 15 de janeiro de 1985, Tancredo Neves buscou sintetizar o sentimento que permeava a sua escolha (indireta) como primeiro presidente civil após a “longa noite de vinte e um anos” que representou a Ditadura Civil-Militar, instaurada no país depois do Golpe que depôs o presidente João Goulart, em 01 de abril de 1964.

O Colégio Eleitoral não fora, em princípio, a forma de escolha defendida pelos setores que lutavam pela redemocratização. Entre maio de 1983 e abril de 1984, o amplo campo político que compunha a luta pelo fim da ditadura esteve mobilizado na Campanha pelas Diretas Já. Em 25 de abril de 1984, através de uma manobra de esvaziamento da sessão na Câmara dos Deputados por parte do PDS (partido do governo), a Emenda Dante de Oliveira acabou não conseguindo os votos necessários para seguir adiante.

Após a derrota do Movimento pela eleição direta, o campo político pró-democracia acabou se dividindo. O Partido dos Trabalhadores, a partir da compreensão de que a eleição presidencial indireta era “ilegítima”, decidiu por não comparecer ao Colégio Eleitoral. A posição foi mantida por cinco de seus oito deputados. A deputada Bete Mendes e os deputados José Eudes e Airton Soares não seguiram a orientação partidária e compareceram para votar em Tancredo Neves. Acabariam expulsos do partido.

A candidatura de Tancredo Neves se constituiu a partir de uma grande articulação política que resultou na chamada Aliança Democrática. A Aliança Democrática foi composta pelo PMDB e por um grupo de “antigas raposas” arenistas que romperam com o PDS, formando a Frente Liberal. Entre estes estavam o vice-presidente da República, Aureliano Chaves, e os senadores Marco Maciel e José Sarney. A Frente Liberal se transformaria no PFL em 24 de janeiro de 1985, nove dias depois do Colégio Eleitoral.

A ruptura das “antigas raposas” arenistas ocorreu após a Convenção do partido herdeiro da Arena, o PDS, ter escolhido o então deputado federal Paulo Maluf como seu candidato à presidência da República. Entre os postulantes à candidatura do partido governista estavam Mario Andreazza, Marco Maciel e o próprio Aureliano Chaves. Andreazza e Maciel chegaram a propor a retirada de suas candidaturas, e da de Maluf, em prol da unidade partidária em torno da candidatura do vice-presidente.

O ex-governador de São Paulo não era muito bem quisto no grupo que girava em torno do ditador-presidente João Batista Figueiredo. O governo via como remotas as possibilidades de vitória de Paulo Maluf no Colégio Eleitoral. Alguns militares chegaram a propor ao presidente a extensão de seu mandato até 1988, quando, aí sim, se realizaria uma eleição direta. A proposta não encontrou respaldo nem no último dos ditadores militares, nem no centro político de seu cambaleante governo.

A Frente Liberal acabou indicando José Sarney para o cargo de vice-presidente na chapa de Tancredo Neves. Mesmo não se constituindo ainda como partido, o agrupamento se viu representado no Colégio Eleitoral por sessenta e três deputados, dez senadores e quarenta delegados estaduais. A Aliança Democrática (MDB-Frente Liberal) ainda receberia o apoio do PTB, de Ivete Vargas, e do PDT, de Leonel Brizola. Além destes partidos, cinquenta e cinco votantes ligados ao PDS não votaram em Maluf.

Tancredo Neves acabou recebendo quatrocentos e oitenta votos contra cento e oitenta de Paulo Maluf. O ex-ministro de Getúlio Vargas, quando de seu suicídio, o político responsável pelo acordo do parlamentarismo que garantiu, junto com a Campanha de Legalidade, a posse do presidente João Goulart no fatídico agosto de 1961, o deputado que chamou de “canalhas” os golpistas em 1964, estava eleito (indiretamente) presidente da Nova República.

Alguns dias após a reunião do Colégio Eleitoral, o economista Celso Furtado escreveria em seu diário que o país inteiro havia “explodido de alegria” após a confirmação da eleição de Tancredo Neves. Nem mesmo o acordo com as “velhas raposas” tirou o entusiasmo de um povo que não aguentava mais o sufoco ditatorial. A democracia havia vencido. A esperança por um Novo Brasil ganharia novos contornos, pelo menos por alguns meses.             

(*) Leonardo da Rocha Botega, que escreve regularmente no site, é formado em História e mestre em Integração Latino-Americana pela UFSM, Doutor em História pela UFRGS e Professor do Colégio Politécnico da UFSM. É também autor do livro “Quando a independência faz a união: Brasil, Argentina e a Questão Cubana (1959-1964).

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