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Conhecendo as Relações Internacionais – por José Renato Ferraz da Silveira e Gabriela Martins de Oliveira

Cresce (e isso é fundamental) a discussão em torno dos temas dessa área

Observação: O presente texto é uma apresentação introdutória e didática da área de Relações Internacionais (“ainda desconhecida para muitos e muito falada por poucos”).

 “O Curso de Relações Internacionais da UFSM tem por objetivo central oferecer uma formação humanista, partindo da compreensão da condição dos países latino-americanos nas relações internacionais. Nesse sentido, visa formar e qualificar profissionais dotados de discernimento político, social e econômico, que lhes permita analisar as questões internacionais, sob pensamento crítico e emancipatório, para atuar em múltiplas áreas na busca pelo desenvolvimento integral dos povos”.

RI-UFSM

“Adquirir repertório de conceitos, métodos e técnicas para dar assessoria, fazer análises qualificadas da conjuntura política e econômica, gerir projetos, elaborar pedidos de financiamento, escrever artigos de opinião para a grande imprensa, produzir e gerenciar grandes bases de dados, interpretar estatísticas e desenhar estratégias de negociação é que os egressos estarão qualificados para realizar essas tarefas com proficiência em ambientes multiculturais e multilinguísticos”.

RI-FGV

RI e o espaço midiático

Nos últimos anos, a área de Relações Internacionais ganhou mais espaço midiático. Muito em virtude dos conflitos bélicos (180 ativos em 2023), confrontos geopolíticos e geoeconômicos entre as Grandes Potências e os debates das questões climáticas, além de outros temas globais pertinentes (Comércio Mundial, Migrações Internacionais, avanços tecnológicos e crises políticas, novos regimes de instabilidade institucional na América Latina: do lawfare ao juízo político). 

Walt: a referência atual

O professor de Relações Internacionais, Stephen Walt – Universidade de Harvard – é uma referência atual, distinta e relevante para pensar temas emergentes de política internacional e, principalmente, de projeções de cenários.

Stephen Walt e a soberania

“A data hipotética é 5 de agosto de 2025. O Brasil continua a ter um governo que defende ampliar as atividades econômicas na Amazônia e que questiona a utilidade da proteção ambiental. E, por isso, está prestes a ser atacado pelos Estados Unidos, que já não são mais governados por Donald Trump.

O presidente americano dá um ultimato ao nosso país: se não cessar o “desmatamento destrutivo” em uma semana, os EUA iniciarão um bloqueio naval ao Brasil e lançarão ataques aéreos para destruir infraestrutura estratégica brasileira.

Curiosamente, a China, que se tornou alvo de críticas e desconfiança por parte de integrantes do governo Bolsonaro, é a maior potência a intervir a favor do Brasil. O gigante asiático e maior parceiro comercial do Brasil diz que vetará qualquer proposta de intervenção armada aprovada pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas. Mas isso não detém os EUA, que dizem já contar com uma ampla “coalizão de nações preocupadas”, preparada para dar suporte às ações lideradas pelo governo americano. Claro que esse é um cenário inventado – e polêmico. Mas seria verossímil?

Ele foi criado pelo professor de Relações Internacionais da Universidade de Harvard Stephen M. Walt, num artigo publicado n segunda-feira (5) na revista online Foreign Policy.

Walt, autor de livros sobre a política externa americana, a força do lobby israelense nos EUA e as ligações entre revoluções e guerras, e formulador da “teoria do equilíbrio da ameaça”, reconhece que se trata de um cenário exagerado. Mas o objetivo central do artigo é questionar se é ou não possível justificar com regras do Direito Internacional ataques e sanções ao Brasil com base no argumento de que a destruição da Amazônia é um problema de todos.

A pergunta que Walt faz é a seguinte: “Os países têm o direito – ou até a obrigação – de intervir numa nação estrangeira para preveni-la de causar dano irreversível e potencialmente catastrófico ao meio ambiente?”

BBC Brasil

O já citado teórico estadunidense Stephen Walt – no trecho destacado acima – trata a respeito da soberania dos países que é um elemento crítico do atual sistema internacional.

Walt “reconhece que, com algumas exceções, os governos são livres para fazer o que quiserem dentro das suas fronteiras”.

Entre as exceções, estão os casos em que o Conselho de Segurança da ONU autoriza intervenção militar e em que um ataque é necessário para a “autodefesa” de uma nação.

Outra exceção controversa (possibilidade) é a chamada doutrina da “responsabilidade de proteger”, que legitima uma intervenção humanitária quando um governo é incapaz ou se nega a proteger a própria população. Esse e outros temas perfazem as discussões e problemáticas da área de Relações Internacionais. São temáticas complexas e multifacetadas!

10 livros de Stephen Walt para o internacionalista e interessados

Para uma boa formação é necessário ler os clássicos e obras que expandam os horizontes (spread one´s wings). O já citado professor de Relações Internacionais da Universidade de Harvard, Stephen Walt, listou 10 livros que todo estudante (e os interessados) da área devem ler, com seus títulos favoritos sobre política internacional e política externa.

1) O Homem, o Estado e a Guerra – uma análise teórica (Kenneth Waltz);

2) Armas, germes e aço – os destinos das sociedades humanas (Jared Diamond);

3) Arms and influence (Thomaz Schelling);

4) Seeing like a State: how certain schemes to improve the human condition have failed (James Scott);

5) The Best and the Brighest (David Halberstam);

6) Perception and misperception in international politics (Robert Jervis);

7) A tragédia da política das Grandes Potências (John J. Mearsheimer);

8) Nações e Nacionalismos (Ernst Gellner);

9) White House Years & Years of Upheaval (Henry Kissinger);

10) A Grande Transformação (Karl Polanyi).

Essas dez obras, diz o professor, “tiveram grande influência no meu pensamento, foram um prazer de leitura ou têm valor para quem tenta buscar um sentido para a política mundial contemporânea”.

Buscar um sentido para a política mundial contemporânea ou compreender o “espírito da época” (zeitgeist) deve ser uma obsessão do analista de Relações Internacionais. Quem repetia, incansavelmente, esse “mantra de conhecer o espírito da época” era o saudoso professor da PUC-SP, cientista social e jornalista Oliveiros Ferreira (1929-2017).

Outra lição relevante de Oliveiros Ferreira

Recordamos de uma estranha manchete do G1 (bem no início da guerra entre Rússia e Ucrânia) os seguintes dizeres:

“Como a guerra na Ucrânia pode acabar? Especialistas analisam o conflito. Especialistas ouvidos pelo G1 são unânimes: não há resposta exata, e todos os cenários envolvem incertezas. Ainda assim, há um consenso: tudo passa pelas negociações entre Ucrânia e Rússia”.

Se Oliveiros Ferreira estivesse vivo e tivesse lido essa patacoada, sua rouca gargalhada espalharia pela Rua Monte Alegre em São Paulo. Patética manchete!

Pois bem, Ferreira nos ensinou que não podemos ser prisioneiros de modas e consensos fáceis e que todo e qualquer avaliação dos fenômenos das Relações Internacionais exigem do analista internacional a capacidade analítica de identificar:

a) quais são os principais atores envolvidos (Estados, Organizações Intergovernamentais e Forças Transnacionais);

b) os líderes;

c) as principais motivações;

d) reconhecer e distinguir o discurso oficial e oficioso;

e) os principais paradoxos, os impasses e as situações históricas semelhantes.

A Necessidade de uma Análise Crítica nas Relações Internacionais

Enquanto campo de estudo e prática as RI, os analistas internacionais possuem um papel central na interpretação e gestão das dinâmicas globais, que incluem conflitos, cooperação, comércio e sustentabilidade. Ademais, compreender essas dinâmicas exigem mais do que a análise superficial de eventos e interesses imediatos.

A adoção de uma abordagem crítica e uma sensibilidade em frente à narrativa, tornam-se imprescindíveis para revelar as camadas ocultas das relações de poder e questionar narrativas predominantes.

Dessa maneira, um ponto fundamental para essa análise crítica é a habilidade de ir além das “modas e consensos fáceis”, como enfatizava o professor Oliveiros Ferreira.

Ao contrário das leituras reducionistas que muitas vezes dominam a mídia e o debate público, a análise crítica em RI desafia o analista a observar os fenômenos globais por meio de múltiplas categorias, considerando variáveis históricas, sociais e econômicas.

Como já foi dito, é necessário identificar os principais atores envolvidos – Estados, organizações intergovernamentais, forças transnacionais – e compreender suas motivações, discursos oficiais e oficiosos, além de desvendar paradoxos e impasses que moldam o cenário global.

Como também, a Teoria Crítica, como corrente de pensamento, contribui significativamente para a emancipação das análises em RI ao questionar as estruturas de poder existentes e as narrativas que beneficiam interesses específicos. Essa abordagem não se limita a descrever o funcionamento do sistema internacional, mas se dedica a identificar quem é favorecido pelas normas e instituições vigentes e quem é marginalizado ou excluído. Dessa forma, ela promove a inclusão de vozes diversas no debate global, reconhecendo que um sistema internacional justo não pode ser construído sem a representação plural de atores e perspectivas.

Um exemplo emblemático dessa necessidade de uma visão crítica é o debate sobre intervenções internacionais com base na proteção ambiental, como o cenário hipotético apresentado por Stephen Walt sobre uma possível invasão do Brasil pelos Estados Unidos para conter o desmatamento na Amazônia.

Embora fictício, o exemplo expõe questões complexas envolvendo soberania, responsabilidade global e justiça ambiental.

Sob a ótica de uma análise tradicional, a justificativa poderia parecer clara: proteger a Amazônia é um bem para toda a humanidade. Contudo, uma análise crítica questiona quem define essas prioridades globais, quais interesses estão em jogo e como essa narrativa pode servir de pretexto para justificar intervenções baseadas em interesses políticos e econômicos de potências hegemônicas.

O papel da análise crítica das RI

A abordagem crítica exige a capacidade de situar os fenômenos internacionais em seu contexto histórico e estrutural.

O papel da análise crítica nas RI é relevante em um mundo marcado por desigualdades profundas, tensões geopolíticas, geoeconômicas e desafios transnacionais.

A análise crítica oferece as ferramentas necessárias para enxergar além das narrativas superficiais.

O que acham, leitores?

Concordam?

Referências

BBC NEWS BRASIL. Professor de Harvard considera cenário polêmico: ‘Quem vai invadir o Brasil para salvar a Amazônia?’. https://www.bbc.com/portuguese/geral-49253621. Acesso em 23/01/2025.

MARCO AURÈLIO NOGUEIRA. Oliveiros S. Ferreira (1929-2017), um professor que fez a diferença. https://marcoanogueira.pro/oliveiros-s-ferreira-1929-2017-um-professor-que-fez-diferenca/. Acesso em 23/01/2025.

GLOBAL ATTITUDE. 10 livros que todo estudante de Relações Internacionais deve ler, segundo professor de Harvard. https://globalattitude.org.br/10-livros-que-todo-estudante-de-relacoes-internacionais-deve-ler-segundo-professor-de-harvard/. Acesso em 23/01/2025.

(*) José Renato Ferraz da Silveira, que escreve às terças-feiras no site, é professor Associado IV da Universidade Federal de Santa Maria, lotado no Departamento de Economia e Relações Internacionais. É Graduado em Relações Internacionais pela PUC-SP e em História pela Ulbra. Mestre e Doutor em Ciências Sociais pela PUC-SP. Colunista do Diário de Santa Maria. Participou por cinco anos do Programa Sala de Debate, da rádio CDN, do Diário de Santa Maria. Contribuições ao jornal O Globo, Sputnik Brasil, Rádio Aparecida, Jornal da Cidade, RTP Portugal. Editor chefe da Revista InterAção – Revista de Relações Internacionais da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) (ISSN 2357- 7975) Qualis A-2. Editor Associado da Scientific Journal Index. Também é líder do Grupo de Teoria, Arte e Política (GTAP).

Gabriela Martins de Oliveira é graduanda em Relações Internacionais pela Universidade Federal de Santa Maria e membro do Grupo de Teoria, Arte e Política (GTAP), integra como extensionista o GIDH – Gênero, Interseccionalidade e Direitos Humanos, e atua como co-coordenadora do Coletivo Manas-RI, voltado para debates sobre os papéis de gênero nas Relações Internacionais da UFSM).

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14 Comentários

  1. Resumo da opera. Algo muito repetido. De BSB mal e porcamente se fica sabendo 1% do que acontece. Nos outros paises é bem menos do que isto. Pessoal da Torre de Marfim se informa, pelo menos a grande maioria, pela imprensa legada ou nova, e pelas publicações ‘especializadas’. Não existe análise sem informação confiável e o mais ampla possivel. Existe muito chute e muito ‘conhecimento’ fingido. Os tomadores de decisão tem acesso a um cabedal de informações muito maior, produzidas por gente especializada no assunto (mata ‘as principais motivações’). Têm uma visão do tabuleiro diferente da patuléia. Ou seja, tudo muito ‘cheiroso’ e ‘bonito’, #soquenão.

  2. ‘A análise crítica oferece as ferramentas necessárias para enxergar além das narrativas superficiais.’ Fonte inesgotavel de teorias da conspiração e propagação ideologica. O mundo ‘adivinhado’ numa sala com ar condicionado.

  3. O que ficou de fora? Crime organizado na Amazonia. Focos guerrilheiros mesozoicos na região. Ambipar, empresa privada, assinando em Davos acordo com o Ministerio dos Povos Indigenas para ‘ações de sustentabilidade’.

  4. ‘O papel da análise crítica nas RI é relevante em um mundo marcado por desigualdades profundas, tensões geopolíticas, geoeconômicas e desafios transnacionais.’ Qual finalidade? Amontoar papéis que ninguém vai ler em prateleiras? Ou arquivos em computadores para ser mais atual?

  5. ‘[…] narrativa pode servir de pretexto para justificar intervenções […]’. Armas quimicas no Iraque. Invasão ocorreu independentemente se a ‘justificativa’ colou ou não. Pessoal do escritório supervaloriza a propria importancia.

  6. ‘[…] proteger a Amazônia é um bem para toda a humanidade.’ Discurso de quem defende a ‘internacionalização’ da Amazonia. ‘Independencia dos povos indigenas’.

  7. ‘[…] responsabilidade global e justiça ambiental.’ Pautas das esquerda. Que gosta de uma guerrinha que não é fácil. Principalmente quando são os filhos dos outros que morrem.

  8. ‘[…] como o cenário hipotético apresentado por Stephen Walt sobre uma possível invasão do Brasil pelos Estados Unidos para conter o desmatamento na Amazônia.’ Algo que tem muito pouca chance de acontecer. Obviamente de um governo Democrata pode-se esperar tudo. Invasão da Amazonia é algo que preocupa os militares e não é de hoje (pessoal da academia tem ‘nojinho’ de militares e sai muita bobagem). Porém o boato é que não acontecerá. Seria outro Vietnã. Para ‘conter desmatamento’ é outra bobagem uma guerra iria aumentar. Mandar gente morrer para manter arvores em pé é algo que não se justifica politicamente. Tarifas talvez. Bloquear a foz do Rio Amazonas e bombardear duas ou tres subestações (que levaria ao colapso do sistema energético) bastaria. Simples assim.

  9. ‘Como também, a Teoria Crítica, como corrente de pensamento, […]’. Neomarxismo. Ou seja, mantem o cadaver de uma ideologia como ferramenta para analisar o mundo. Atraso. Como se o mundo, as relações de trabalho, os paises, etc. não tivessem mudado.

  10. Identificar as ‘principais motivações’? Ou montar uma narrativa? Até anteontem não era possivel ler pensamentos. É o tipo da coisa que só se pode ter uma idéia muito depois.

  11. ‘“Como a guerra na Ucrânia pode acabar? Especialistas analisam o conflito. Especialistas ouvidos pelo G1 são unânimes: não há resposta exata, e todos os cenários envolvem incertezas.’ Ou seja, os ‘especialistas’ confessam que não sabem. Qual o chavão? Guerra sabe-se como começa, não como termina.

  12. ’10 livros de Stephen Walt para o internacionalista e interessados’. Os livros não são ‘dele’, são indicados por ele. Alas, todos os autores tem seus criticos. Jared Diamond, por exemplo, levou um ‘pau’ do pessoal da antropologia.

  13. ‘O professor de Relações Internacionais, Stephen Walt – Universidade de Harvard – é […]’ o apelo a autoridade. Falacia. O cara que diz o que o autor quer fazer passar como ‘verdade’.

  14. Curso de Relações Internacionais forma mão de obra que dificilmente vai encontrar vaga de trabalho na área. Quase 200 cursos no Brasil entre presenciais e a distancia. Se as turmas forem todas de 40 alunos são 4 mil profissionais (mais ou menos) novos no mercado de trabalho todo ano. Ainda existem as superposições de área, os economistas na economia e os cientistas politicos na politica. ‘Formação humanista’ todo curso diz que tem. Chavão. Uma ou duas disciplinas a mais no curriculo que não reprovam ninguém.

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