Imprensa precisa “virar a chave” na cobertura do dia a dia das Forças Armadas – por Carlos Wagner
”É necessário que a imprensa foque na fiscalização da formação e treinamento”
Tenho lido todos os textos, escutado as notícias no rádio e assistido às entrevistas aos noticiários das TVs do criminalista José Luiz de Oliveira Lima, advogado de defesa do general de quatro estrelas da reserva Walter Braga Netto, 67 anos. O general foi preso preventivamente pela Polícia Federal (PF) no sábado, dia 14 de dezembro, por estar atrapalhando as investigações sobre uma série de episódios de cunho golpista que foram desencadeados com a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), 79 anos, nas eleições presidenciais de 2022.
Braga Netto concorreu a vice na chapa encabeçada pelo então presidente Jair Bolsonaro (PL), 69 anos, que buscava a reeleição. Um desses episódios, que foi chamado de Operação Punhal Verde Amarelo, planejava os assassinatos de Lula, do vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB), 72 anos, e do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes, 56 anos. Mas o episódio mais conhecido aconteceu em 8 de janeiro de 2023, quando bolsonaristas insuflados pelos golpistas invadiram e quebraram tudo que encontraram pela frente no Palácio do Planalto, no Congresso e no STF, localizados na Praça dos Três Poderes, em Brasília (DF). As imagens do 8 de janeiro circularam o mundo.
Os noticiários diários estão acompanhando passo a passo as estratégias do advogado de Braga Netto. Mas há um detalhe no argumento da defesa que merece destaque. Lá no meio da conversa com os jornalistas, o criminalista lembra que Braga Netto teve uma vida profissional no Exército ilibada, íntegra, que o conduziu à quarta estrela do generalato. O relatório de 887 páginas da PF que indicia 37 pessoas por tentativa de golpe, entre elas Bolsonaro e o seu colega de chapa, mostra outra história da carreira do general no Exército. Braga Netto foi indiciado por pertencer a uma organização criminosa formada por militares de várias patentes e civis que atentou contra a democracia brasileira.
A rigor, as Forças Armadas são vítimas nesta história. Aqui há um detalhe sobre o qual a imprensa precisa refletir. Vamos pegar o ano de 1964, quando as Forças Armadas, apoiadas pelo governo dos Estados Unidos e a extrema direita brasileira, deram um golpe de estado, permanecendo no poder até 1985. Naquela época, eu me lembro, nas redações a cobertura política tinha como foco as alianças e os conchavos feitos nas “conversas de caserna”, ou seja, dentro dos quartéis, entre os oficiais que disputavam a Presidência da República.
Com a redemocratização do país, que se iniciou em 1985 com a substituição no poder dos militares pelos civis, a imprensa seguiu por um longo tempo concedendo generosos espaços para as “conversas de caserna”. O espaço foi diminuindo à medida que os partidos políticos se consolidaram no cenário nacional. Mas as “conversa de caserna” voltaram com muita força aos noticiários em 2018, quando Jair Bolsonaro, um capitão reformado do Exército, foi eleito presidente da República. Bolsonaro começou a tramar um golpe de estado um segundo depois de iniciar o seu mandato, em janeiro de 2019 – há farto material na internet. O golpe do ex-presidente não deu certo porque a maioria dos oficiais das Forças Armadas é legalista. E a imprensa só foi descobrir esse fato quando os golpistas começaram a ser presos.
A imprensa precisa virar a chave e começar a tratar as Forças Armadas como um contingente de profissionais que têm como missão proteger as nossas fronteiras. Em vez de abrirmos generosos espaços nos noticiários para os “entulhos autoritários”, como eram descritos os saudosistas do golpe de 64 nas redações no tempo das máquinas de escrever, precisamos começar a olhar como estão sendo cumpridos os planos de formação dos recrutas. Fui recruta da infantaria em 1969 e lembro-me que mais da metade do treinamento não foi cumprida por falta de recursos financeiros. Como está a situação nos dias atuais? Não me lembro de ter encontrado uma matéria decente nos jornais sobre o assunto. E as escolas militares que formam graduados, sargentos e oficiais? Mais ainda: como estão sendo feitos os treinamentos destes contingentes?
Antes de escrever este texto conversei com pessoas das Forças Armadas. O ideal é que nunca seja necessário a atuação dos militares para defender o território brasileiro. Mas, se for, é fundamental que eles estejam preparados para a missão. E saber se essa preparação está sendo feita é obrigação da imprensa. Vez ou outra se acha uma matéria em um pé de página sobre aviões de traficantes abatidos por caças da Força Aérea Brasileira (FAB). Sabemos que o território nacional se tornou corredor de passagem para grandes quantidades de cocaína que são enviadas para os mercados consumidores dos Estados Unidos e da Europa.
Qual é o plano e os recursos que a FAB dispõe para manter o espaço aéreo brasileiro fechado para as aeronaves dos traficantes? E os batalhões de selva do Exército na Floresta Amazônica têm os meios necessários para manter pelotões patrulhando as fronteiras com os países vizinhos, grandes produtores de cocaína? Não é preciso ser especialista no assunto para chegar à conclusão que uma ação eficiente dos caças da FAB e dos pelotões da selva conseguiriam causar um imenso dano às linhas de abastecimento de drogas, armas e munições para os criminosos alojados nas grandes cidades do país, como o Rio de Janeiro.
Acredito que o episódio da tentativa de golpe de Bolsonaro e seus generais vai virar uma página na história do Brasil. Mas para que isso aconteça é necessário que a imprensa foque a sua cobertura na fiscalização da formação e treinamento das Forças Armadas para o cumprimento da sua missão de defender o território nacional. Há regiões na Floresta Amazônica onde, sem a proteção militar, os fiscais do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) não entram. Sem a montagem de um sistema eficiente de patrulhamento das fronteiras, a luta contra as grandes organizações criminosas, como o Primeiro Comando da Capital (PCC), de São Paulo, e o Comando Vermelho (CV), do Rio de Janeiro, se limita a enxugar gelo. As Forças Armadas brasileiras não têm uma guerra tradicional para lutar. Mas estão envolvidas em um novo tipo de conflito bem mais violento e sofisticado que as guerras tradicionais. Quem duvidar que olhe as estatísticas.
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(*) O texto acima, reproduzido com autorização do autor, foi publicado originalmente no blog “Histórias Mal Contadas”, do jornalista Carlos Wagner.
SOBRE O AUTOR: Carlos Wagner é repórter, graduado em Comunicação Social – habilitação em Jornalismo, pela UFRGS. Trabalhou como repórter investigativo no jornal Zero Hora de 1983 a 2014. Recebeu 38 prêmios de Jornalismo, entre eles, sete Prêmios Esso regionais. Tem 17 livros publicados, como “País Bandido”. Aos 74 anos, foi homenageado no 12º encontro da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (ABRAJI), em 2017, SP.
Resumo da opera. Uma coisa é a instituição espalhada pais afora. Outra são as confusões de BSB
Sistema de saúde dos militares está mais para SUS do que plano privado, ao menos no andar de baixo. Dizem as mas linguas que o hospital da Marinha onde morreu uma militar baleada noutro mes estava com filas para atendimento.
Questão de RH. Forças Armadas competem no mercado de trabalho como toda instituição e empresa. Imprensa fica batendo nos privilegios. Aumento de salario é a cada tres governos. Cavalão deu um mas pegou principalmente o andar de cima. Oficiais da Policia Militar ganham mais. Policia Militar ainda tem aquelas jornadas mais ‘elasticas’, trabalham 24 horas e folgam 48 (ou 72, não sei direito).
Em setembro do ano passado morreu um coronel em Goiania. Um dos ‘maleficos Kids Pretos’. Saltou de paraquedas e o principal não abriu direito. Tentou liberar o velame defeituoso. Não conseguiu. Abriu o reserva que embolou com o principal. Estatelou-se no chão. Quarenta e tantos anos. Muita gente não sabe, se um paraquedista ficam muito tempo sem saltar tem que fazer ‘reciclagem’.
Alas, do que se ficou sabendo pode-se citar a Operação Traira na epoca do Collor. FARC.
‘As Forças Armadas brasileiras não têm uma guerra tradicional para lutar.’ Não podem perder conhecimento e nem estar minimamente preparadas (na base do que a casa tem para oferecer) um unico dia. E se a Venezuela resolve invadir o Suriname atalhando pelo Brasil?
‘[…] sem a proteção militar, os fiscais do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) não entram […]’. Tem lugares do RJ onde a PM não entra com numero inferior a 200.
‘E os batalhões de selva do Exército na Floresta Amazônica […]’. O curso de guerra na selva do Brasil é famoso. São tres meses praticamente enfiados dentro do mato. Longe da familia inclusive.
‘[…] os recursos que a FAB dispõe […]’. Continua perdendo pilotos para a iniciativa privada. Setor está pela boa, mas ainda está melhor.
‘ E as escolas militares que formam graduados, sargentos e oficiais? ‘ Como está a evasão é bom perguntar. Alas, PM do RJ andou fazendo concurso e a fila estava praticamente toda de branco. Pessoal se inscrevendo. Melhor trocar tiro com traficantes do que ficar na Marinha.
‘[…] e lembro-me que mais da metade do treinamento não foi cumprida por falta de recursos financeiros.’ Se lembro bem no governo Efeaga liberavam o pessoal antes do almoço porque não tinha grana para a comida.
Forças Armadas tem canal no Youtube e canais nas redes sociais.
‘[…] a imprensa foque na fiscalização da formação e treinamento’. É bom lembrar o obvio, como a imprensa vai ‘fiscalizar’ algo que não entende? Perguntando para os professores de historia, os ‘especialistas’, da Torre de Marfim?