Interestelar: o filme-catástrofe visionário – por Amarildo Luiz Trevisan
“Épico de Nolan transcende os clichês que habitualmente moldam o gênero”
O filme Interestelar, de 2014, dirigido pelo renomado Christopher Nolan, retorna às telonas em comemoração aos 10 anos de seu lançamento, permanecendo em cartaz até o dia 15 de janeiro. A narrativa nos transporta para um planeta à beira do colapso, onde a poeira cobre os campos, pragas devastam as plantações e o ar denso anuncia um futuro sombrio.
É nesse cenário de desolação que Interestelar nos conduz, não apenas rumo às estrelas, mas também para dentro das complexas contradições da existência humana. Diferente de tantos filmes-catástrofe, o épico de Nolan transcende os clichês que habitualmente moldam o gênero, entregando uma história única, onde os heróis não agem movidos por um altruísmo simplista ou pela busca de glória, mas por impulsos profundamente humanos e imperfeitos.
Cooper, o protagonista, desafia os arquétipos tradicionais do herói. Ele não é um salvador relutante que aceita a missão por um senso de dever moral; tampouco é o herói que retorna triunfante para sua família, recompensado por seu sacrifício. Ele é um fazendeiro pragmático que aceita liderar uma missão intergaláctica não por amor à humanidade, mas pelo amor aos filhos — ou, ao menos, pela esperança de construir um futuro para eles. Paradoxalmente, o amor que o impulsiona também o condena: sua filha, Murph, envelhece e constrói uma vida sem ele, enquanto Cooper flutua por um tempo que desafia a lógica humana. Quando retorna, ele não encontra acolhimento nem celebração, mas uma humanidade que já se resignou ao seu novo lar entre as estrelas.
Essa ruptura com os clichês não é apenas narrativa, mas filosófica. Cooper não é um herói no sentido clássico, pois não busca redenção ou a realização de um grande destino. Ele é uma figura desconstrutiva, confrontando e desafiando verdades absolutas. Ao descobrir que o plano original da missão era uma mentira — que a humanidade na Terra nunca seria salva —, ele persiste, não por ideologia, mas por um impulso humano quase instintivo de criar um caminho, mesmo diante do impossível. Não é o destino que o guia, mas a teimosia de tentar.
A maestria de Nolan está em como ele amarra essas contradições em uma narrativa que, apesar de complexa, jamais perde sua essência humana. No centro disso tudo, estão as grandes questões existenciais: Qual é o nosso lugar no universo? O que nos define como espécie? A tese de Interestelar não é apenas que nascemos na Terra, mas que talvez estejamos destinados a transcendê-la. Essa ideia, carregada de ciência e especulação, se apoia na grandiosidade do cosmos e na fragilidade do ser humano.
Entre buracos negros e buracos de minhoca, o filme nos conduz pelas fronteiras do conhecimento científico. A relatividade do tempo — magistralmente exemplificada pelo planeta em órbita de Gargantua, onde uma hora equivale a sete anos na Terra — força o espectador a confrontar a linearidade confortável de sua existência. A singularidade de Gargantua e o Tesseract, onde Cooper consegue se comunicar com Murph através de anomalias gravitacionais, são metáforas visuais para os mistérios que a ciência ainda não desvendou, mas que já nos desafiam a repensar o espaço, o tempo e a própria consciência.
No final, Interestelar não oferece respostas fáceis. O filme rejeita os finais felizes convencionais, onde o herói retorna para um lar intacto ou encontra um sentido glorioso em sua jornada. Cooper, em vez disso, permanece em trânsito, uma figura de movimento constante, buscando novamente o desconhecido, como se a essência da humanidade fosse esse eterno descontentamento, essa necessidade de explorar e entender.
Assim, Interestelar se coloca como um marco visionário, não apenas por sua abordagem científica ou estética, mas pela coragem de contrariar expectativas. Ele nos lembra que, mesmo quando a poeira parece ter vencido, há sempre um horizonte, um buraco negro, uma possibilidade que desafia a lógica. E, talvez, o que nos define como heróis não seja a glória, mas a insistência em tentar.
(*) Amarildo Luiz Trevisan é professor do curso de Ciências da Religião e do PPGE/UFSM.
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