No país da desigualdade, incluir (ainda) incomoda muita gente – por Valdeci Oliveira
“A bola da vez (das críticas da extrema-direita) é o Programa Pé-de-Meia”
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A História brasileira das últimas seis décadas nos mostra que nas disputas políticas envolvendo a postulação de transformação das estruturas sociais, sempre que há um derrotado este geralmente é o lado mais fraco, o povo, que deixará de ser diretamente beneficiado. E o interessante, mas não menos esperado, é que o acirramento das tensões, mesmo que o custo seja tirar de quem precisa ou evitar que se avance alguns metros no terreno da inclusão, invariavelmente é sempre cevada pela direita brasileira, seja sua versão clássica ou a ala mais radical, cujo flerte com ideologias extremistas são conhecidas.
Foi assim, por exemplo, com as Reformas de Base de João Goulart, cuja oposição das nossas elites militar e econômica impediram de serem colocadas em prática. A proposta de Jango tinha como objetivo reduzir as desigualdades sociais naquele Brasil dos anos 1960. Muitos dizem que ao barrarem a iniciativa com um golpe de estado, nossas classes dominantes atrasaram em décadas o nosso desenvolvimento. Mais de meio século atrás, o gaúcho de São Borja “ousou” desejar tornar o Brasil um país mais justo, com reformas administrativa, eleitoral, bancária, urbana, agrária, universitária e cambial.
Digo isso para, de forma muito resumida, mostrar que um dos flancos dessa disputa, para ver seu intento posto em prática, não se comove e não se importa se uma maioria pouco assistida deixará de experimentar “o lado bom da vida”. Na redemocratização, Fernando Henrique Cardoso até que avançou alguns centímetros na inclusão social com seus “vales e bolsas” gás, alimentação e escola.
Mas ficou nisso, e o custo foi uma privatização perversa que transferiu grandes nacos do estado nacional para as mãos da iniciativa privada, que em troca aceitou as “bondades” para parte da população mais carente, mostrando que aquilo era o máximo a ser aceito pelos donos do dinheiro e seus prepostos na política partidária e nos espaços de decisão.
Tanto é verdade que, com Lula, o Bolsa Família foi por muito tempo execrado, colocado como sinônimo de “vagabundagem” e “fábrica de filhos”. E tolerado apenas por conta da aprovação que o metalúrgico tinha junto à população.
O Mais Médicos foi outro que sofreu com enxurrada de desinformação, preconceito e tentativas para barrar sua implementação. Também foi vítima de críticas e fortes resistências de políticos de direita as bolsas de estudos concedidas ao público universitário de baixa renda (Prouni) e as cotas raciais nos concursos públicos e no ingresso nas universidades como forma de reparação à população negra pelos séculos de exploração e exclusão a que fora submetida.
Para essa turma não importa se o Bolsa Família segue sendo o maior programa de transferência de renda já visto por aqui, que extinguiu a pobreza extrema e retirou o Brasil do Mapa da Fome da ONU. E não importa que foi por conta do Mais Médicos que milhões de brasileiros e brasileiras tiveram acesso regular à saúde pública em nossas periferias e em rincões isolados e que milhares de filhos de trabalhadores pobres conseguiram cursar uma universidade.
A bola da vez é o Programa Pé-de-Meia. Lançado ano passado pelo governo federal como apoio financeiro à permanência dos jovens na escola, políticos bolsonaristas tentam impedir o pagamento do auxílio alegando não haver previsão orçamentária. Além do seu cancelamento, pleiteiam o impeachment do presidente Lula. No Tribunal de Contas das União, a matéria está com o ministro Augusto Nardes, expoente da Arena, partido de sustentação da Ditadura Militar, avalista da “pedalada” que justificou o golpe na presidenta Dilma e autor de um áudio que expôs parte da trama golpista iniciada a partir da vitória de Lula, no final de 2022.
Como se fizesse um favor, o dono do contracheque de mais de R$ 50 mil por mês liberou, de forma provisória, o pagamento. Mas não sem antes deixar espaço para num futuro não tão distante criar uma nova versão de pedalada fiscal que dê um verniz de legalidade a um possível ato não republicano.
O Pé-de-Meia já alcançou perto de 4 milhões de meninos e meninas carentes do ensino médio de escolas públicas e é considerado por especialistas como a maior política de combate à desigualdade social e ao enfrentamento da evasão escolar do país depois do Bolsa Família. Mas isso também não importa.
Para essa turma, que espalhou as mentiras sobre o PIX, votou contra a isenção de impostos da cesta básica, foi contrária à taxação sobre as grandes fortunas e já avisou que não apoiará a cobrança de imposto de quem ganha mais de R$ 50 mil mensais para isentar quem recebe até R$ 5 mil, o que importa é desacreditar e desumanizar o oponente e fazer política justamente para quem não precisa do estado brasileiro.
Não fosse o Brasil um dos países mais desiguais do mundo, até daria para suportar, mesmo com certo enjoo. O problema é que a oposição inconsequente da extrema direita, com os fins justificando os meios, recai, na prática, sobre os mais pobres e suas conquistas. E isso tem nome, chama-se covardia.
(*) Valdeci Oliveira, que escreve sempre as sextas-feiras, é deputado estadual pelo PT e foi vereador, deputado federal e prefeito de Santa Maria.
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