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A imprensa e as leis que protegem a democracia brasileira e a americana – por Carlos Wagner

O articulista e a comparação entre o que acontece por aqui e no país do norte

Um dos objetivos da Constituição do Brasil, promulgada em 1988, é impedir que se repita o golpe de 1964 (Foto EBC)

Não é preciso procurar muito nas notícias que publicamos para encontrar, lá meio dos textos, a percepção de que a Justiça brasileira está mais preparada para enfrentar o ataque de líderes populistas do que a dos Estados Unidos, que vem sendo encurralada pelo presidente Donald Trump (republicano), 78 anos, e os seus secretários (ministros). Uma turma escolhida a dedo entre os mais fiéis seguidores do trumpismo. O mais barulhento deles é o bilionário Elon Musk, 53 anos, dono do X e de várias indústrias de alta tecnologia.

Fiz essa introdução por conta de uma ligação que recebi na semana passada de um colega americano que atualmente vive e trabalha em agências de notícias na Europa. Ele queria saber da história da Justiça brasileira estar mais preparada para lidar com os ataques dos políticos populistas do que a americana. Por experiência própria, sei que conversar com repórter não é fácil. Se não conseguir resumir a história em meia dúzia de frases, a conversa entra por uma orelha e sai pela outra.

Então comecei a nossa conversa lembrando ao colega que nós nos conhecemos nos anos 80, fazendo cobertura dos conflitos agrários que brotavam pelos sertões brasileiros como consequência da redemocratização do país. Na época, a imprensa, especialmente a estrangeira, estava interessada em saber no que ia dar as lutas agrárias no Brasil. E se os militares aproveitariam a confusão para tentar voltar ao poder.

Disse que a Constituição de 1988 e as outras leis que vieram depois têm como propósito impedir que se repita o golpe dado pelas Forças Armadas em 1964, que colocou o Brasil sob a tutela dos militares até 1985. Acrescentei à conversa que as Forças Armadas dos Estados Unidos nunca se envolveram em um golpe de estado. Não se tem notícia de americanos terem sidos presos ilegalmente e levados para unidades militares para serem torturados e mortos.

No Brasil, aconteceram muitos casos, um deles lembrado no filme Ainda Estou Aqui, ganhador do Oscar de melhor filme internacional de 2025, que conta a história do deputado Rubens Paiva (1929–1971) cassado, preso, torturado e morto, cujo corpo nunca foi encontrado. Assim resumi a história para o meu amigo. Depois, a nossa conversa enveredou para bobagens, coisas de repórter.

Se a conversa seguisse nessa linha, eu simplesmente não teria condições de dizer alguma coisa que fizesse sentido, porque não conheço em detalhes as leis dos dois países. Duvido que algum repórter na imprensa brasileira conheça essas leis. Essa falta de conhecimento pode ser vista nas reportagens que são publicadas. Vou citar um fato.

Em 2021, Trump estava no fim do seu primeiro mandato presidencial. Tinha concorrido à reeleição e perdido para Joe Biden (democrata), 82 anos. Em 6 de janeiro de 2021, ele incentivou seus seguidores a invadirem o Capitólio (Congresso) para impedir a ratificação da vitória de Biden. Na ocasião, cinco pessoas morreram e cerca de 1,5 mil foram condenadas pela participação na invasão. Em 2024, Trump foi eleito para o seu segundo mandato. Assumiu em 20 de janeiro de 2025 e poucos dias depois anistiou todos os condenados.

Em 2023, houve uma situação semelhante no Brasil. Em outubro de 2022, o então presidente da República Jair Bolsonaro (PL), 70 anos, perdeu a reeleição para Luiz Inácio Lula da Silva (PT), 79 anos. Nas semanas seguintes, ele e mais 33 pessoas do seu círculo pessoal se envolveram em uma tentativa de golpe de estado, que consistiu na realização de várias ações com o objetivo espalhar o pânico e criar as condições para que o presidente eleito não assumisse o cargo.

O episódio mais conhecido foi a tentativa de golpe de 8 de janeiro de 2023, quando centenas de bolsonaristas que estavam acampados na frente dos quartéis das Forças Armadas atacaram e destruíram tudo que encontraram pela frente no Palácio do Planalto, no Congresso e no Supremo Tribunal Federal (STF), em Brasília (DF). Mais de 2 mil pessoas foram presas, sendo que 371 já foram julgadas e condenadas, 527 fizeram acordo com a Justiça e o restante está respondendo a processos.

Atualmente, está tramitando no Congresso um projeto de anistia para os golpistas do 8 de janeiro. É opinião da maioria dos especialistas em direito que, caso o projeto seja aprovado, ele será derrubado pelos ministros do STF por ser inconstitucional. Mais ainda: se o próximo presidente da República, que será eleito em 2026, perdoar os golpistas, o STF também poderá derrubar a anistia, por ser inconstitucional.

Esmiuçar as diferenças entre estes dois casos é uma reportagem de grande interesse para o leitor. Tenho lido colunistas “tocarem no assunto” sem aprofundar o caso. Aproveito a oportunidade para chamar a atenção dos colegas repórteres que, devido à velocidade com que as coisas estão acontecendo nos dias atuais, em especial na administração do presidente Trump, estamos enfiando garganta abaixo dos leitores muitos assuntos sem dar maiores explicações, partindo do princípio que o leitor sabe do que estamos falando.

Contrariando o manual do bom jornalismo, que alerta que, ao abordamos um assunto, devemos considerar que estamos tratando de uma novidade que, portanto, requer uma explicação. Lógico que a explicação não significa anexar uma tese acadêmica à matéria. Mas inserir pelo menos uma palavra que resuma a história. Encontrar essa palavra exige de nós um conhecimento muito profundo sobre o assunto que estamos escrevendo.

Conheço as dificuldades enfrentadas pelos colegas nas redações nos dias atuais. Como sempre lembro, sou um velho repórter estradeiro de 75 anos, sendo uns 30 e poucos vividos em redações. Sei que o ambiente é tumultuado desde os tempos que se escrevia as notícias molhando a ponta de uma pena em um tinteiro. E hoje é ainda mais tumultuado. Especialmente porque o número de repórteres foi drasticamente reduzindo, enquanto o volume de trabalho cresceu.

Atualmente, além de escrever o texto, o repórter faz vídeo, fotos e áudio para abastecer todas as plataformas da empresa de comunicação. Não é pouca coisa. Então, como resolver o problema da falta de tempo para esmiuçar os assuntos? Temos vários caminhos que podemos percorrer. O primeiro é começar a discutir o assunto entre nós.

Essa dificuldade que temos já foi detectada e transformou-se em um negócio por muitos empreendedores, que montaram empresas que representam vários especialistas nos mais variados temas. Ligam para as redações oferecendo os seus especialistas para serem entrevistados. Lembro que nos primeiros dias após assumir o seu atual mandato, o presidente Trump declarou que iria “afogar os jornalistas com notícias”. Está cumprido a promessa.

PARA LER NO ORIGINAL, CLIQUE AQUI.

(*) O texto acima, reproduzido com autorização do autor, foi publicado originalmente no blog “Histórias Mal Contadas”, do jornalista Carlos Wagner.

SOBRE O AUTOR:  Carlos Wagner é repórter, graduado em Comunicação Social – habilitação em Jornalismo, pela UFRGS. Trabalhou como repórter investigativo no jornal Zero Hora de 1983 a 2014. Recebeu 38 prêmios de Jornalismo, entre eles, sete Prêmios Esso regionais. Tem 17 livros publicados, como “País Bandido”. Aos 75 anos, foi homenageado no 12º encontro da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (ABRAJI), em 2017, SP.

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