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Educação Especial e inclusão precarizada – por Demetrio Cherobini

“Jovens têm cada vez menos interesse pela profissão de professor”. Por quê?

É possível haver “inclusão escolar” com professores sobrecarregados? Como o professor vai dar a devida atenção para uma criança ou adolescente com necessidades especiais numa situação de sala de aula lotada, sem monitores, sem planejamento adequado, com muitos alunos “incluídos” por turma e falta de profissionais auxiliares?

A precarização do trabalho do professor dá uma boa medida da efetividade (ou falta de efetividade) da “inclusão”. Um exemplo: matéria recente do jornal do Sindicato dos Professores (Sinprosm) apontou que faltam nas escolas municipais mais de 300 monitores para os estudantes com necessidades especiais. Nessa situação, quem acaba cumprindo o trabalho dos monitores são os professores de sala regular. Com esse acúmulo de funções, que qualidade vai ter a “inclusão”? E como será a qualidade do ensino?

A tarefa do professor é ensinar. No entanto, colegas professoras já me relataram que, além de ensinar, também trocam fraldas e preparam mamadeiras para alunos. Essas são atribuições de professor? É evidente que não. Mas os educadores são pressionados a exercer funções de cuidadores, merendeiros, monitores, recreadores, “terapeutas” improvisados, entre outras, porque seu trabalho é precarizado.

“Precarizar” significa tornar algo inseguro, instável, debilitado, sem garantias ou em péssimas condições. Será que os alunos “incluídos” dessa maneira desfrutam a escola? Por que vemos tantos episódios de crises de estudantes “incluídos”? Por certo, a precarização do trabalho docente limita, rebaixa e torna a própria inclusão precarizada. E isso é regra, não exceção.

Feita em más condições, a “inclusão” gera mais estresse na criança com necessidades especiais do que bem-estar. Daí podem advir crises emocionais que se expressam através de choros, gritos, birra, má vontade, teimosia. O comportamento da criança é afetado negativamente pelo ambiente que deveria ser estimulante e acolhedor.

Uma das minhas mais estranhas experiências de trabalho foi ter que “conter” estudantes que, por causa dessas circunstâncias, se desregularam na escola e entraram em crises agudas de descontrole. Quando isso ocorre é difícil o professor passar ileso. Já saí da escola com braços arranhados, pernas chutadas e xingado por alunos que me mandaram calar a boca. Outros colegas meus também passaram por esse embaraço.

“Conter” alunos, ser xingado, levar cabeçadas, arranhões, pontapés e socos, não faz parte do trabalho do professor, mas é o que acontece quando o seu trabalho é precarizado. Muitas vezes me senti sem moral para defender “inclusão” sabendo que os professores trabalham nesse estado. Já ouvi de colegas: “Não acredito na inclusão”.  

Aliás, pesquisas apontam que os jovens têm cada vez menos interesse pela profissão de professor. Será que é devido aos baixos salários e à precarização do trabalho que só aumenta? É evidente que sim. Uma professora me contou que descobriu que ganha menos do que uma aluna sua adolescente, que trabalha como cuidadora de idosos e vendendo bolo de pote. Por certo, são trabalhos menos desgastantes que o de professor. Os jovens de hoje parecem ter boas razões em não querer seguir essa profissão.

Diga-se de passagem: as “políticas públicas” atuais para estimular o ingresso em cursos de licenciatura são risíveis. Some-se isso à perda de direitos trabalhistas em todas as esferas. As pessoas não vão (e nem devem) se interessar por um trabalho sem reconhecimento e que sofre grandes pressões de todos os lados. Não há o que romantizar aqui. Nada mais natural do que fugir de uma profissão como essa.

A precarização estrutural, o acúmulo de funções, a falta de profissionais, as turmas lotadas, a perda de direitos trabalhistas e a falta de valorização dos professores, vão contra a inclusão. Que solução nossa prefeitura tem? Uma reforma que retira mais direitos dos professores. Que inclusão quer quem planeja esse tipo de coisa? Inclusão para inglês ver.

(*) Demetrio Cherobini, professor da rede municipal de Santa Maria, é licenciado em Educação Especial e bacharel e Ciências Sociais pela UFSM, mestre e doutor em Educação pela UFSM e pós-doutor em Sociologia pela Unicamp.

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