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O Parque Brasil e a gangorra da violência – por Amarildo Luiz Trevisan

A mídia e “até quando vamos permitir que nos segurem no alto do pânico”

Era uma vez um parque chamado Brasil. No centro dele, uma gangorra. Mas essa não era uma gangorra comum, dessas que apenas oscilam suavemente para divertir quem nela brinca. Nada disso. Essa era uma gangorra peculiar, construída com estatísticas, manchetes e uma dose generosa de “sensação de insegurança”.

De um lado, a realidade: os números mostram que a violência no Brasil tem diminuído nos últimos anos. Do outro, uma mídia, sempre disposta a dar aquele “balão”, mantendo a sociedade suspensa no alto, refém do pânico e da incerteza. Então, até quando vamos permitir que nos segurem no alto do pânico, enquanto a realidade já pede passagem para um novo caminho?

Vejamos os fatos. Em 2024, segundo o Monitor da Violência, o Brasil registrou uma redução de 5% nas mortes violentas. Parece pouco? Pois bem, em 2017, o país atingiu o alarmante número de 65.602 homicídios em um único ano. Em 2023, esse número caiu para 42.000 e, em 2024, para 38.722. Se isso fosse um índice econômico, a queda seria vista como um avanço significativo. Mas experimente ligar a TV. O que se vê? Especialistas alertando sobre o “aumento da sensação de insegurança”, programas policiais transformando tragédias em espetáculo e manchetes apocalípticas anunciando que “o Brasil vive uma onda de violência sem precedentes!”. Sem precedentes? E os anos 1990, quando a taxa de homicídios dobrou? E 2017, quando estávamos no ápice desse problema?

Isso não significa que devemos ignorar a violência. Ela continua alta, e esse é um fato inegável. A ONU considera aceitável uma taxa de até 5,8 homicídios por 100 mil habitantes. No Brasil, mesmo com as quedas recentes, esse número ainda está na casa dos 22 por 100 mil. Comparado a países como Noruega e Japão, onde a taxa é inferior a 1, ainda estamos distantes de um patamar aceitável. E enquanto a violência persiste, as perdas são muitas.

Aqui entra a lógica da gangorra. Os dados indicam uma redução no número de homicídios, mas parte da cobertura midiática segue na direção oposta, intensificando o tom alarmista e ampliando o espaço dedicado ao medo e à insegurança. Como explicar essa contradição entre menos crimes e mais notícias sobre violência? Mas por quê, enquanto a realidade desce gradativamente, o pânico precisa permanecer no alto?

Talvez porque, nesse jogo de percepções distorcidas, há quem lucre. A indústria da insegurança prospera com o medo. Condomínios fechados surgem por toda parte, protegidos por muros cada vez mais altos. A venda de armas cresce, acompanhada da popularização de cursos de tiro. Carros blindados se tornam símbolo de status para uma elite que se isola ainda mais. Para a maioria da população, resta a prisão domiciliar autoimposta. O entretenimento se resume à TV, entre novelas e partidas de futebol. O espaço público, antes lugar de encontro, agora é visto como um território hostil. Assim, o medo não só movimenta a economia da segurança, mas também enfraquece a vida coletiva. A segregação social se intensifica. O encontro com o outro se torna cada vez mais raro. E, paradoxalmente, é justamente esse encontro que poderia quebrar esse ciclo.

A grande questão, porém, vai além dos números. Quando foi que esquecemos que a verdadeira força está na não violência? Há cerca de 2.400 anos, os gregos já haviam compreendido essa verdade ao conceber o logos. Para eles, a razão e a palavra deveriam substituir a força bruta na resolução de conflitos, inaugurando uma nova forma de organização social baseada no diálogo e na argumentação. O logos está na palavra amorosa e amiga, na capacidade de dialogar, na construção de ideias na vida pública. Ele deu origem à filosofia, à política, à psicologia, à sociologia e a tantas áreas que buscam compreender a complexidade humana. Mas curiosamente, o logos parece encontrar barreiras justamente onde mais seria necessário: na cobertura da mídia, onde o espetáculo da violência se sobrepõe à análise crítica; e na mentalidade de quem ainda acredita que a brutalidade é o único e o melhor caminho.

O medo e a instabilidade afastam investimentos e impactam o turismo, já que poucos se arriscam a visitar um país onde os noticiários insistem em destacar o pior. Nas escolas, a violência não apenas coloca alunos e professores em risco, mas compromete o aprendizado e mina o ambiente educacional. A insegurança coletiva pesa sobre a saúde mental da população, gerando níveis elevados de ansiedade e estresse. Nas periferias, alimenta ciclos de pobreza e exclusão que se perpetuam. E tudo isso ocorre enquanto a sociedade continua aprisionada nessa gangorra, oscilando entre a realidade e o que se propaga como verdade absoluta.

Onde falta cultura, a violência se transforma em espetáculo. Quando o diálogo perde espaço, a sociedade se rende ao medo, ao pânico fabricado e à busca por respostas fáceis para problemas complexos. Seguimos presos à ilusão de que o medo nos protege, enquanto a informação distorcida e a insegurança moldam nossas percepções. Até quando aceitaremos ser reféns dessa gangorra, oscilando entre realidade e manipulação? O logos precisa retornar, e a palavra deve prevalecer antes que seja tarde.

Se não mudarmos a maneira de enxergar e enfrentar a violência, corremos o risco de recuar para tempos sombrios. O medo ditará as regras, o diálogo será silenciado e o espaço público continuará se esvaziando. Sem o logos, o que restará? A volta da brutalidade como norma? O domínio da força sobre a razão? Estamos preparados para viver sob essa lógica ou ainda há tempo para construir um caminho diferente?

(*) Amarildo Luiz Trevisan é Licenciado em Filosofia no Seminário Maior de Viamão, tem o curso de Teologia, é Mestre em Filosofia pela UFSM, Doutor em Educação pela UFRGS e Pós-doutor em Humanidades pela Universidade Carlos III de Madri. Desde 1998 é docente da UFSM. É professor de Ciências da Religião e vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE/UFSM).

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