Uma vitória da História – por Leonardo da Rocha Botega
“A vitória de ‘Ainda estou aqui’ é a vitória da memória de Rubens Paiva...”

Finalmente, a cultura brasileira ganhou seu primeiro Oscar. Ganhou da forma como o país merece, em meio ao carnaval, a maior festa da cultura popular brasileira. Em um momento onde a nossa democracia vem sendo passada a limpo. Ganhou com um filme sobre nosso passado recente e sombrio. Um filme sobre a força da mulher brasileira. Sobre memória e resistência. Um filme sobre a nossa História!
Nas últimas década assistimos uma verdadeira avalanche contra a História. De um lado, o ataque veio da tecnocracia mercadológica que busca dominar o sistema educacional brasileiro através do que foi denominado “Novo Ensino Médio”. A lógica que conduziu o desmonte do Ensino Médio e privou milhares de adolescentes de estudar como nos tornamos o que somos, reduzindo (quando ofertado) o estudo da História.
De outro lado, o fortalecimento do negacionismo histórico, principalmente, da Ditadura Civil-Militar. Este movimento não é novo, surgiu no âmago da construção de uma versão que desse legitimidade ao Golpe de 1964. Deste movimento, participaram setores consideráveis da imprensa empresarial que, desde os dias que sucederam ao golpe, venderam uma versão onde a deposição do presidente teria sido uma “Revolução Democrática”.
Aos primeiros editoriais elogiosos ao “movimento militar”, seguiram a negação das torturas e dos desaparecimentos, as propagandas oficiais em forma de reportagens, o endosso aos assassinatos de militantes como “enfrentamentos” ou “suicídios”, ou seja, a reprodução da “estória oficial”. Uma reprodução que contou até mesmo com a empréstimos dos veículos da Folha de S. Paulo para a Operação Bandeirantes, o “Esquadrão da Morte” (não-oficial) da Ditadura Civil-Militar.
O negacionismo da Ditadura Civil-Militar voltou recentemente à tona de diversas formas. Em seu editorial publicado em 17 de fevereiro de 2009, a mesma Folha de S. Paulo classificou os crimes dos torturadores e dos assassinos como “Ditabranda”. Também voltou à tona nos “documentários” falsificadores da empresa Brasil Paralelo, a voz oficial do negacionismo histórico, que são impulsionados pela irresponsabilidade ativista das Big Techs.
O negacionismo da Ditadura chegou até mesmo a ganhar o status de “visão oficial” pelo governo do ex-presidente Jair Bolsonaro. Um governo que tinha em seu núcleo principal um conjunto de militares formatados pelo negacionismo histórico que, ainda hoje, quarenta anos depois do último governo ditatorial, predomina como “verdade” nos quarteis e nas academias militares. Foi este mesmo núcleo que não aceitou a vitória da democracia e (como “viúvos” do golpe de 1964) tramou um novo golpe em 2022 e 2023.
Felizmente, o golpe não vingou. Mas a democracia ainda não venceu. Para que a democracia vença é necessário a condenação e a prisão dos golpistas. Sem Anistia! Sem repetir o “perdão” que faz com que a família de Rubens Paiva não saiba até hoje onde esta o corpo do pai, enquanto alguns de seus assassinos vivem com pomposos benefícios e pensões pagas pelo mesmo Estado Democrático de Direito que tanto violentaram.
A vitória de “Ainda estou aqui” é a vitória da memória de Rubens Paiva. É a vitória da luta de Eunice Paiva e dos familiares daqueles que foram assassinados pela Ditadura. É a vitória da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos, da Comissão Nacional da Verdade, do cinema e da literatura brasileira. Todos profundamente atacados nos últimos anos. É a vitória da História sobre o negacionismo, da democracia sobre o golpismo!
(*) Leonardo da Rocha Botega, que escreve regularmente no site, é formado em História e mestre em Integração Latino-Americana pela UFSM, Doutor em História pela UFRGS e Professor do Colégio Politécnico da UFSM. É também autor do livro “Quando a independência faz a união: Brasil, Argentina e a Questão Cubana (1959-1964).
Nota do Editor: a foto que ilustra este texto, extraída do filme “Ainda estou aqui”, é da Sony Pictures/Divulgação.
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