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A grosseria está na moda – por Amarildo Luiz Trevisan

Então... “O bom senso saiu de férias - e, ao que parece, sem data para voltar”

Vivemos tempos estranhos. O bom senso saiu de férias – e, ao que parece, sem data para voltar. A grosseria, que antes corava os rostos e provocava silêncios constrangidos, agora circula com desenvoltura pelas passarelas digitais. Ganha curtidas, palminhas e até emojis sorridentes. O que ontem era grotesco, hoje é tendência. O bufão virou influencer. O ogro, porta-voz.

Não é preciso muito para entender do que estou falando. Nem é necessário citar Trump outra vez, ainda que ele continue sendo um ótimo exemplar da grosseria institucionalizada. O que espanta agora são os ecos locais – e eles vêm tanto da direita quanto da esquerda. Há poucos dias, Lula, nosso presidente, justificou a nomeação de uma mulher para a articulação política no Congresso dizendo que a escolheu por ser “bonita”. Bonita. Como se o critério de competência, em 2025, ainda precisasse passar por esse tipo de avaliação estética. No mesmo compasso desafinado, Bolsonaro, em uma de suas manifestações recentes no Rio, sugeriu comparar a sua esposa com a de Lula, como se estivéssemos em um desfile de troféus.

Sim, troféus. Para certos políticos, a mulher continua sendo um símbolo: ou de decoro doméstico ou de marketing eleitoral. Para a extrema-direita, ela é o enfeite da casa, o adorno da moral, aquela que justifica a “tradição”. Marcela Temer que o diga – celebrada pela Veja como “bela, recatada e do lar”, como se estivéssemos lendo um conto do século XIX.

Já para setores da esquerda, a mulher parece precisar ser visível, pública, símbolo de algo – mas ainda assim, instrumento. Um meio, nunca um fim. A imagem feminina é usada, exposta, editada, promovida… mas raramente ouvida. Em ambos os lados, o resultado é o mesmo: ela não é sujeito. É cenário.

Pergunto às mulheres – e a todos nós que nos dizemos civilizados: será que estamos assistindo a um retorno da mulher-objeto, com outra embalagem, mas com os mesmos conteúdos de sempre? Será que os fantasmas do passado se sentiram à vontade para voltar, agora legitimados pelos aplausos virtuais?

A resposta está no espelho coletivo: nós. É o povo quem consente, quem compartilha, quem acha “engraçado”, “espontâneo” ou “só uma brincadeira”. E assim, vamos normalizando o absurdo. Vamos esquecendo os passos já dados. Onde ficaram as vozes de Eunice Paiva, Leila Diniz, Rita Lee e tantas outras que gritaram por liberdade em tempos bem mais duros que os nossos? Será que foram abafadas pelo barulho dos likes?

Não quero acreditar nisso. Mas é inegável: o machismo voltou a desfilar, sem máscara e sem vergonha. E o feminismo, por ora, parece em recesso. Precisamos retomar o fio da história. Porque, para aqueles que celebram o retrocesso, é importante lembrar: pelo menos três grandes revoluções já sacudiram a humanidade – a abolição da escravidão, a luta das mulheres por seus direitos e, mais recentemente, o reconhecimento da dignidade das crianças.

Quando imaginávamos que esses capítulos estavam encerrados, alguém resolveu reabrir a tumba do preconceito e ressuscitar os espectros da opressão. Mas que não se enganem: o que está em jogo não é apenas um retrovisor cultural. É o projeto de uma sociedade onde a liberdade é privilégio de poucos, e a subalternidade continua sendo a norma para muitos.

A grosseria está na moda, sim. Mas isso não significa que precisamos vesti-la.

(*) Amarildo Luiz Trevisan é Licenciado em Filosofia no Seminário Maior de Viamão, tem o curso de Teologia, é Mestre em Filosofia pela UFSM, Doutor em Educação pela UFRGS e Pós-doutor em Humanidades pela Universidade Carlos III de Madri. Desde 1998 é docente da UFSM. É professor de Ciências da Religião e vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE/UFSM)

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10 Comentários

  1. ‘A grosseria está na moda, sim. Mas isso não significa que precisamos vesti-la.’ Considerando que há pessoas mais ‘sensiveis’ que outras, diria que o conceito de ‘grosseria’ é subjetivo. Há que se levar em conta que as convenções sociais mudam conforme o contexto. Hipocrisia, jogos de cena, teatrinhos de má qualidade servem para uma classe média alta submediocre e ‘metida a sebo’.

  2. ‘A grosseria está na moda, sim. Mas isso não significa que precisamos vesti-la.’ Considerando que há pessoas mais ‘sensiveis’ que outras, diria que o conceito de ‘grosseria’ é subjetivo. Há que se levar em conta que as convenções sociais mudam conforme o contexto. Hipocrisia, jogos de cena, teatrinhos de má qualidade servem para uma classe média alta submediocre e ‘metida a sebo’.

  3. ‘É o projeto de uma sociedade onde a liberdade é privilégio de poucos, e a subalternidade continua sendo a norma para muitos.’ Não é necessario dizer que para alguém ter um ‘projeto de sociedade’ tem que ser megalomaniaco, autoritario e um completo imbecil. Liberdade só tem os muito ricos (que são poucos), a classe politica e os servidores publico a partir de um determinado patamar (pessoal do juridico, universitarios, alta burocracia).

  4. Mulheres compententes, feministas e inteligentes existem. Obvio. Mas também existe a militancia tosca que ‘não joga nada e quer massagem e troféus). E as que não estão nem ai.

  5. ‘ Como se o critério de competência, em 2025, […]’. Como se o processo civilizatorio tivesse compromisso com a folhinha. Na Liberia (e outros paises da Africa Ocidental) e no Sudão do Sul ainda se pratica canibalismo. Na Asia o trabalho escravo (não é o ‘analogo’) corre solto. Trafico de pessoas só não existe porque não se comenta o assunto.

  6. ‘[…] sugeriu comparar a sua esposa com a de Lula, como se estivéssemos em um desfile de troféus.’ Midia sugeriu ambas candidatas a presidencia. Não faz muito tempo.

  7. ‘[…] justificou a nomeação de uma mulher para a articulação política no Congresso dizendo que a escolheu por ser “bonita” […]’. Não vai mudar depois de velho. Disse que Pelotas era polo exportador de cervideos. Entre outras coisas.

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