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Cassandra decaída – por José Renato Ferraz da Silveira e Breno Dotta de Brito

“Embebidos pelo Mito”, algumas predições dos articulistas para este ano

“Palavras verdadeiras podem não ser agradáveis/ Palavras agradáveis podem não ser verdadeiras” (Provérbio chinês)

O mito de Cassandra é uma tragédia grega que conta a história de uma profetisa que foi amaldiçoada por Apolo para que ninguém acreditasse em suas previsões, profecias e avisos. A história de Cassandra é permeada por temas como guerra, oráculos, maldições familiares e as trágicas consequências de previsões ignoradas. Em psicologia e psicanálise, o complexo de Cassandra é quando várias predições, profecias, avisos e coisas do tipo são tomadas como falsas ou desacreditadas veementemente.

Na atualidade, o mito de Cassandra está ligado ao problema da credibilidade. O professor Eiiti Sato (Universidade de Brasília) escreveu um belíssimo artigo intitulado “O mito de Cassandra e o problema da credibilidade”.

No citado artigo, Sato afirma: “embora na ciência moderna a previsão seja apenas uma dimensão da pesquisa e da observação científica, a preocupação com o uso do conhecimento científico para prever problemas e construir um futuro de prosperidade e de abundância continua tão viva quanto sempre fora com os videntes e perscrutadores do futuro antes da modernidade. Não há governo que não se preocupe em formular “políticas de ciência e tecnologia”, mesmo que seja apenas no discurso, como forma de oferecer alguma satisfação à sociedade que, instintivamente, aposta no conhecimento científico para construir seu futuro.

Ou seja, nenhum governante em nossos dias ousa desafiar abertamente o poder da ciência de colocar o conhecimento a serviço de um futuro de progresso e de prosperidade para as sociedades. Prever desastres naturais e controlar seus efeitos é apenas uma das preocupações da ciência, na realidade, acredita-se que todo o mundo futuro, todo o modo de vida no futuro, está irreversível e irremediavelmente associado ao avanço do conhecimento.

Não há sociedade ou governo de país considerado “civilizado” que não destine vultosas quantias de recursos em investimentos em áreas do conhecimento consideradas vitais para o futuro dos negócios, para a melhoria da saúde pública, para a redução da pobreza, ou para qualquer outro objetivo considerado socialmente desejável”.

Talvez o professor Sato reescreveria esse trecho ao acompanhar o governo Trump 2.0. O governo de Donald Trump nos Estados Unidos está sendo marcado por uma série de medidas e revogações de leis que já estão prejudicando a pesquisa climática e levarão a danos irreversíveis no meio-ambiente.

“Recentemente, o governo dos Estados Unidos, sob a administração de Donald Trump, vetou a participação de cientistas norte-americanos na sessão do Painel Intergovernamental da ONU sobre Mudanças Climáticas (IPCC), que será realizado na China. Além de impedir a viagem dos pesquisadores, a Casa Branca também solicitou o congelamento da cooperação de seus órgãos científicos com o IPCC, comprometendo o planejamento do próximo ciclo de relatórios, que terá início em 2029” (Matheus Manente).

“É difícil colocar em palavras a extensão do dano que está sendo causado ao empreendimento de pesquisa dos Estados Unidos, que é de valor quase incalculável tanto para a nação em si quanto para o mundo em geral”, diz um editorial da revista Nature, publicado em 25 de fevereiro. O texto faz duras críticas ao governo Trump e cobra apoio da comunidade internacional aos colegas norte-americanos. “Um ataque à ciência e aos cientistas em qualquer lugar é um ataque à ciência e aos cientistas em todo lugar”, diz a publicação britânica.

Algumas predições

Embebidos pelo Mito de Cassandra, algumas predições para 2025:

1) Os americanos vão despertar num país pior do que na atualidade, com mais inflação, mais recessão, mais conflitos externos e uma nova relação dos países europeus e parte considerável do assim chamado Sul Global em relação ao Trump e aos EUA, e, portanto, uma aproximação com a China. Trump causará o colapso da ordem internacional construída e arquitetada pelos Estados Unidos ao fim da II Guerra Mundial (1939-1945). Hoje, os Estados Unidos são os elefantes na loja de cristais finos.

2) A política brasileira continuará polarizada e os partidos do Centrão não vão garantir o apoio que o governo Lula precisa para passar seus projetos, sobretudo os fiscais e tributários. As pesquisas de opinião vão continuar negativas, o que levará o governo a aprofundar o populismo, o que só vai servir, consequentemente, para deteriorar ainda mais o cenário econômico futuro. Ou seja, mais uma farsa dantesca. Toda semelhança no passado é o presente repetindo o ciclo da política brasileira.

3) Enquanto isso, no continente europeu, os tempos de paranoia e conto de fadas ganham força. A Rússia de Putin pode dizer “Ура!”. Depois de anos de conflito, os estadunidenses decidiram que manter a Ucrânia viva sai caro demais e a política de “America First” basicamente está desligando os aparelhos de Kiev. Sem armas, sem dinheiro e sem prestígio, a Ucrânia agora observa seu destino ser decidido em reuniões onde não tem sequer um assento.

4) Enquanto isso, os europeus, que prometeram apoio incondicional, agora procuram trocados debaixo do tapete para continuar enviando suprimentos e se rearmarem. A empolgação inicial virou um suspiro de um velho cansado. E aí entra a Polônia, o alarme histérico de incêndio histérico da Europa. Os poloneses estão liderando um movimento para rearmar o continente europeu, insistindo que a Rússia é a maior ameaça à existência europeia. Varsóvia acredita firmemente que Moscou está apenas esperando o momento certo para engolir mais territórios, e está armando seu exército e preparando sua população para uma “Guerra Inevitável”.

5) Mas, no fim das contas, os russos assistem a todo esse pânico no continente europeu e admiram como o governo polonês pensa que o Sistema Internacional é um jogo como “War”. Do outro lado do planeta, a China e os EUA estrangulam sua relação com uma guerra de taxações que pode desestabilizar o comércio global. Washington impõe tarifas, Pequim responde na mesma moeda, e as economias vão sentindo os impactos.

6) O mundo está caminhando para um ano caótico. Se isso fosse uma peça de teatro, provavelmente seria uma tragédia, mas, como estamos falando de política internacional, o enredo sempre encontra espaço para um pouco de comédia involuntária.

(*) José Renato Ferraz da Silveira, que escreve às terças-feiras no site, é professor Associado IV da Universidade Federal de Santa Maria, lotado no Departamento de Economia e Relações Internacionais. É Graduado em Relações Internacionais pela PUC-SP e em História pela Ulbra. Mestre e Doutor em Ciências Sociais pela PUC-SP. Colunista do Diário de Santa Maria. Participou por cinco anos do Programa Sala de Debate, da rádio CDN, do Diário de Santa Maria. Contribuições ao jornal O Globo, Sputnik Brasil, Rádio Aparecida, Jornal da Cidade, RTP Portugal. Editor chefe da Revista InterAção – Revista de Relações Internacionais da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) (ISSN 2357- 7975) Qualis A-2. Editor Associado da Scientific Journal Index. Também é líder do Grupo de Teoria, Arte e Política (GTAP)

Breno Dotta de Brito é estudante de Relações Internacionais da Universidade Federal de Santa Maria e membro do Grupo de Teoria, Arte e Política (GTAP).

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24 Comentários

  1. Resumo da opera. Entre o preto e o branco existem 65536 tons de cinza. Quanto ao mito Christopher Nolan está filmando a Odisséia, deve sair ano que vem.

  2. Adendo ao chute 2. População escolheu isto democraticamente, é o que está contratado. Meio termo também não esta excluido.

  3. Chute 6. Caotico é exagero. Caos foi o que aconteceu na Russia depois da queda da URSS. Até museus vendendo obras da parede a preço de banana para se financiarem.

  4. Chute 5. Depois da pandemia, foi comentado no site, ficou evidente que certas cadeias de suprimento teriam que mudar. Não tem como depender da China para tudo e o pais entrar em lockdown. Fora inflação, gera instabilidade politica.

  5. Chute 4. ‘[…] a Rússia é a maior ameaça à existência europeia.’ O que não levam em consideração são as condições da Russia fazer isto. Principalmente o pessoal do ar condicionado. Já esta enfraquecida. Até que ponto é tática do medo, cortina de fumaça, não se sabe.

  6. Chute 3. Não olham para os andares de baixo. Já vi gente no UK e outros paises dizendo que se perigar mandarem tropas para a Ucrania, ainda que seja missão de paz, vão tirar os filhos em idade militar do pais. Na Alemanha aumentaram consideravelmente as objeções de consciencia. Falam em serviço militar obrigatorio. O mote é ‘não deixar os filhos morrerem num guerra por conta de politicos’.

  7. Chute 3. ‘[…] os estadunidenses decidiram que manter a Ucrânia viva sai caro demais […]’. Zumzumzum de bastidores. Uma coisa rara de se ouvir. Ultrapassa o governo Agente Laranja. A possivel ‘crise da divida publica ianque’. Nem precisa acontecer, se ficar mais perigoso de acontecer 2008 vai parecer um domingo de sol na UFSM.

  8. Chute 2. Centrão vai continuar centrão. ‘[…] não vão garantir o apoio que o governo […] precisa para passar seus projetos, […]’. Quando era o governo Cavalão era ‘bonito’, ‘servia’. Mostra que pouca gente se preocupa com as instituições, defendem interesses proprios.

  9. Chute numero 1. Inflação é quase certo. Colapso da ordem mundial na verdade é só uma pá de cal. Quando Clinton bombardeou a Servia (inclusive a embaixada chinesa) foi via OTAN. Invasão do Iraque. ‘Sul Global’ é uma bobagem, India e China ficam no norte. Existe uma propaganda infantil de que a China vai deixar de cuidar de seus interesses para beneficiar os ‘mais pobres’. O nome oficial do pais é ‘Zhōngguó’, ‘Estado Central’. Kissinger já tinha escrito sobre isto.

  10. ‘“Um ataque à ciência e aos cientistas em qualquer lugar é um ataque à ciência e aos cientistas em todo lugar”. Duas coisas. Existem pesquisadores sérios. Existem pesquisadores burocratas (inclusive em ciencias duras). Existem picaretas. Há que evitar a infantilidade ‘ciencia (assim mesmo, no generico) é tudo de bom, quem for contra é feio, bobo e chato. Taxista, fisiculturista, modelista, etc. Existe um problema sério na academia. O ‘publique ou pereça’ gerou uma industria. Alas, se diminuirem as pesquisas nos EUA a britanica Nature vai publicar o quê? Obviamente outro assunto. https://www.youtube.com/watch?v=shFUDPqVmTg

  11. ‘[…] a Casa Branca também solicitou o congelamento da cooperação de seus órgãos científicos com o IPCC, comprometendo o planejamento do próximo ciclo de relatórios, que terá início em 2029”’. Onde está escrito ‘congelamento da cooperação’ leia-se ‘parou de mandar dinheiro’. Alas, o resto do mundo não consegue ‘se virar’ sozinhos?

  12. IPCC foi fundado em 1988. O que publicou que já não tenha sido publicado antes? Sim, porque fez diversos alertas. Gas carbonico na atmosfera não deveria superar 400 ppm (está em 419). Acordo de Paris em 2015 defendeu que teriamos que evitar o aquecimento da Terra a 2ºC, com esforços para não ultrapassar 1,5º. Em 2024 o limite de 1.5º foi ultrapassado. Qual a finalidade?

  13. ‘[…] está sendo marcado por uma série de medidas e revogações de leis que já estão prejudicando a pesquisa climática e levarão a danos irreversíveis no meio-ambiente.’ Afirmação genérica é propaganda. Quais leis e quais medidas? Alas, Agente Laranja tem que gastar dinheiro ianque para fazer pesquisa climatica no Brasil?

  14. Noticia do G1, janeiro deste ano. fila para exames e consultas no SUS passa de 670 mil pedidos. Porém existe uma UERGS. E uma FAPERGS. Isto é ‘civilizado’? Querer fazer tudo ao mesmo tempo (ainda que ‘meia boca’), sem prioridades, mesmo sem recursos?

  15. ‘[…] para o futuro dos negócios, para a melhoria da saúde pública, para a redução da pobreza, ou para qualquer outro objetivo considerado socialmente desejável’. Principalmente no Brasil, onde não existe avaliação dos resultados das politicas publicas, as ‘vultosas quantias de recursos’ chegam onde têm que chegar ou ‘ficam no meio do caminho’? O velho problema de ‘jogar dinheiro nos problemas sem nenhum “penso”‘.

  16. ‘Não há sociedade ou governo de país considerado “civilizado” que não destine vultosas quantias de recursos em investimentos em áreas do conhecimento consideradas vitais […]’. Costa Rica não é civilizada? Brasil investe, na média , 1% do PIB em ciencia e tecnologia. Media mundial é acima de 2%. Brasil então não é civilizado?

  17. ‘[…] nenhum governante em nossos dias ousa desafiar abertamente o poder da ciência de colocar o conhecimento a serviço de um futuro […]’. Vermelhos e a ‘weaponization’ (por falta do equivalente em portugues, utilizar como arma) das palavras. Governantes entendem de politica e eleições, muito pouco de outras coisas. Segundo, na pandemia existiam os ‘defensores da ciencia’ (vermelhos, jornalistas e sua famigerada ignorancia, etc.) e os ‘negacionistas’ (direita, mas também qualquer um que ousasse fazer uma critica). O consenso na base do ‘grito’, não imperta se estivessem certos ou não. Depois da pandemia virou um ‘apelo a autoridade’, um ‘carteiraço’, uma desqualificação e a continuação do uso para eliminação do dissenso.

  18. Alas, o mercado financeiro faz uma diferenciação: incerteza e risco. Para a primeira não existe estatistica, para o segundo existem as variâncias e covariâncias.

  19. Previsões são coisas das ciencias verdadeiras, as ‘ciencias duras’. Fora disto é altamente problematico. Principalmente se envolve seres humanos. Existem livros a respeito. ‘Antifrágil’ do Taleb menciona o assunto. ‘O sinal e o ruido’ de Nate Silver. Muitos outros. Em ingles existe até uma divisão semantica, ‘Prediction’, alguma coisa que as pessoas pensam que vai acontecer. ‘Forecast’ uma estimativa do que pode acontecer, geralmente envolvendo estatistica.

  20. Eiiti Santo é das relações internacionais. ‘[…] embora na ciência moderna a previsão seja apenas uma dimensão da pesquisa e da observação científica, a preocupação com o uso do conhecimento científico para prever problemas e construir um futuro de prosperidade […]’. ‘Ciencia moderna’ na acepção academica de que tudo o que fazem é ‘ciencia’.

  21. Segunda ‘noticia’. EUA. CNN tupiniquim. ‘Trump busca um terceiro mandato’. De tarde o Agente Laranja assinava decretos-lei. Ao lado de Kid Rock. Assunto: cambistas digitais. Perguntado sobre um terceiro mandato respondeu que não pensou no assunto ainda. Alguém teria dito para ele que era possivel. Argumento dele: recém começou e praticamente tem 4 anos pela frente. Quem levantou o ‘terceiro mandato’? Steve Bannon. Alas, perguntado sobre o vice sucede-lo, noutra ocasião, respondeu que o dito cujo ‘não estava pronto ainda’, que ‘teria que ser visto’. No frigir dos ovos é a imprensa cumpanhera tentando criar a narrativa do pato manco ou do ‘está acabando com a democracia’.

  22. Vejamos noticias da imprensa cumpanhera aqui no Brasil. França. ‘Marine Le Pen é condenada por desvio de recursos publicos’. Meia historia de novo. Acusação é que teria (ela e mais duas duzias do partido dela) usado verba do Parlamento Europeu a que tinha direito (alguém sabe como funciona o Parlasur?) para remunerar ‘assessores parlamentares’ na França. Bueno, espanta que seja só ela. E se fosse no Brasil iria faltar cadeia.

  23. ‘Na atualidade, o mito de Cassandra está ligado ao problema da credibilidade.’ Só quando contado pela metade. Padrão vermelho. Cassandra era uma princesa de Troia. O deus Apolo fez uma proposta a ela: ‘vamos dar uma transadinha básica e eu te proporciono o dom da profecia’. Depois da concessão da habilidade ela disse: ‘mudei de idéia, não vou mais dar’. Apolo não poderia retirar o dom e retaliou com a maldição da falta de persuasão.

  24. Mitologia grega, da maneira que é conhecida por aqui, é uma versão ‘média’ simplificada. Tradições orais, diferentes nas diversas Cidades-Estado gregas, reduzidas a texto, modificadas por obras teatrais ao longo de séculos.

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