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Eficiência e estabilidade no serviço público – por Giorgio Forgiarini

O articulista e as razões tidas como supostas causas da ineficiência estatal

O serviço público está em constante ataque e isso não é novidade para ninguém. É, até certo ponto, bastante compreensível que isso aconteça. Na medida em que serviços públicos são atendidos, surge a demanda por novos serviços e o não atendimento desses novos anseios gera uma sensação de insatisfação por parte da sociedade.

Se num dado momento histórico se resumia o Estado a garantir o serviço postal, segurança pública, atendimento simplificado de saúde e educação suficiente apenas para alfabetização de parte da população, hoje se demanda muito mais do que isso. Defensoria pública, atendimento psicossocial e proteção do consumidor são exemplos de serviços que nem se cogitava em tempos de antanho.

Mais do que isso, os serviços que já existiam passaram a alcançar com o curso do tempo uma clientela que antes não alcançava. A universalização dos serviços de educação e saúde fez com que milhões passassem a ser atendidos pelo Poder Público. Alie-se a isso o incremento na complexidade com que são prestados os serviços hoje, em relação ao que se havia antigamente. Não se cogita hoje que os já citados serviços de educação e saúde sejam prestados da mesma maneira e com os mesmos recursos que eram prestados 50 anos atrás.

É difícil cogitar que qualquer aparato, seja ele público ou privado, seja capaz de atender a tal incremento de demanda com a brevidade que se exige. A máquina pública, como de maior vulto e mais perene, acaba sentindo mais esses efeitos dos incrementos de demandas. Por isso, mais suscetível a reclamações. “O aparato público é ineficiente”, gritam os críticos.

Dentre tantas, duas razões se destacam como as supostas causas da ineficiência estatal: a) o inchaço da máquina pública e a b) estabilidade dos servidores. Quanto à primeira, nunca se apresentou qualquer dado ou estatística que corrobore com essa afirmação. Nunca!

Quanto à estabilidade, depende do ponto de vista que se a analisa. Se partirmos do pressuposto de que a estabilidade não é privilégio de quem ocupa cargo público, mas uma garantia para a sociedade, perceberemos que esse não é um dos males da coisa pública. Serve a estabilidade para evitar que detentores de cargos políticos tenham ingerência total e completa sobre a máquina e, consequentemente, sobre os cidadãos. Servidor não estável é servidor exposto às vontades (muitas vezes não muito republicanas) dos agentes políticos. Tal vulnerabilidade faria com que policiais, professores, fiscais, agentes de saúde e tantos outros atuassem de maneira submissa ao grupo instalado no poder, mais ou menos como ocorria nas monarquias absolutistas do período medieval.

Os efeitos deletérios da falta de estabilidade no serviço público para a sociedade, aliás, foram percebidos nos Estados Unidos, primeira república moderna no mundo, ainda em 1853. Naquele país, sucessivas leis foram promulgadas com o objetivo de acabar com o que se convencionou chamar de “spoil system”, termo que aqui é representado pela expressão “ao vencedor os espólios”.

No Brasil, a estabilidade foi estendida a todo o funcionalismo público federal em 1915, por meio da Lei n. 2.924, de 5 de janeiro. Artur Bernardes, em 1925, tentou seu fim, por meio de reforma constitucional, alegando mais ou menos a mesma cantilena entoada por 11 em cada 10 liberais modernosos: “A estabilidade é privilégio e forma burocratas parasitas” (alguém mais aí lembrou de Paulo Guedes?).

Getúlio Vargas refutou o ponto. Em 1928, numa série de mensagens enviadas a Borges de Medeiros, enumerou algumas razões pelas quais se haveria de defender a estabilidade no serviço público. Não era, segundo ele, a estabilidade a causa da “burocracia parasitária”, mas sim o favoritismo nas nomeações. A lógica era simples: “quanto maior a facilidade para nomear e demitir funcionários públicos, maior será o abuso do poder”.

Bem sabemos que alguns servidores se valem da estabilidade em benefício próprio. Todos nós já ouvimos histórias e estórias de servidores que “se jogam nas cordas” após o fim do estágio probatório. Sim, a estabilidade pode (e deve) ser aperfeiçoada, aprimorada, mas sempre com muita tenacidade e discussão. Mudar a Constituição para decretar seu fim seria um erro. Como diz o velho jargão popular, “a emenda pode sair pior do que o soneto”.

(*) Giorgio Forgiarini é advogado militante, com curso de Direito pela Universidade Franciscana, é Mestre em Ciências Sociais e Doutor em História pela Universidade Federal de Santa Maria. Ele escreve nas madrugadas de sábado.

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14 Comentários

  1. Resumo da opera. Teorias ‘bonitas’ não servem para o Brasil. A pratica é ser ‘meia boca’. No discurso todos são ‘empenhados para um futuro melhor para a nação’ e na pratica todos procuram o que é melhor segundo seus proprios interesses. Sem stress. Não existe possibilidade de mudança no horizonte.

  2. ‘[…] estórias de servidores que “se jogam nas cordas” após o fim do estágio probatório.’ Problema não é este, problema é que não existe demissão por falta de desempenho, avaliações de desempenho não existem. No judiciário juizes até tem estatisticas para acompanhamento. Nas universidades publicas exigem doutorado para ingresso no magisterio, pratica comum. Desculpa é que alguém com doutorado ‘sabe mais logo ensina melhor’. Além disto seria capacitado para pesquisar. Passado o estagio probatorio maioria não pesquisa nada, aulas são o que a casa tem para oferecer. Sem falar nos que se escoram em cargos burocraticos. Dinheiro gasto na formação vai para o ralo.

  3. ‘Tal vulnerabilidade faria com que policiais, professores, fiscais, agentes de saúde e tantos outros […]’. Joguinho é a falacia da falsa dicotomia. Estabilidade/não estabilidade. Auxiliares de escritorio não precisariam de estabilidade, trabalhos burocraticos em geral. Não sofrerão ingerencia dos agentes politicos porque estão num nivel muito operacional. Professores? Nas universidades mundo afora estabilidade só depois de uns 10 anos, com muita produção. Não para todos, obvio. Vagas limitadas. Maioria são contratados.

  4. ‘Servidor não estável é servidor exposto às vontades (muitas vezes não muito republicanas) dos agentes políticos.’ Existe um MP para estes casos. No Brasil serve para não darem satisfação para ninguém. Fingindo que trabalha.

  5. ‘Serve a estabilidade para evitar que detentores de cargos políticos tenham ingerência total e completa sobre a máquina […]’. Bobagem.

  6. ‘Serve a estabilidade para evitar que detentores de cargos políticos tenham ingerência total e completa sobre a máquina […]’. Mais cascata.

  7. ‘ Se partirmos do pressuposto de que a estabilidade não é privilégio de quem ocupa cargo público, mas uma garantia para a sociedade, […]’. Cascata.

  8. ‘Quanto à primeira, nunca se apresentou qualquer dado ou estatística que corrobore com essa afirmação.’ Organização Mundial do Trabalho tem como ultimo numero (2022) 12% da força total de trabalho do pais. Como porcentagem do PIB consomem 13% do PIB. O que é maior que a media dos paises da OCDE (9,2%) e dos paises da AL e Caribe (8.9%). Nunca é tempo demais.

  9. ‘A máquina pública, como de maior vulto e mais perene, acaba sentindo mais esses efeitos dos incrementos de demandas. Por isso, mais suscetível a reclamações. “O aparato público é ineficiente”, gritam os críticos.’ Qualquer pessoa com o minimo de capacidade cognitiva sabe que surtos na demanda não tem a ver com eficiencia. Rendimento/eficiencia é a relação entre os recursos alocados num aparato e o resultado que dele se obtem. Energia consumida e trabalho util. Perguntando a qualquer mané na rua se os serviços publicos são de boa qualidade vai responder que pela quantia de impostos pagos não são. Esta é a principal reclamação, impostos cobrados que não voltam.

  10. Educação do Brasil segundo o PISA rivaliza com o da Jamaica. A desculpa era ‘incluir e depois melhorar a qualidade’. Inclusão foi até a pagina 2, qualidade nunca veio. Diplomas de ensino superior viraram commodities. Forman gente para mercados de trabalho que não existe e acham que criando uma massa de diplomados as ‘coisas vão se ajeitar’ por geração expontanea.

  11. ‘A universalização dos serviços de educação e saúde fez com que milhões passassem a ser atendidos pelo Poder Público.’ Janeiro de 2025, 670 mil pedidos de consulta aguardando na fila do SUS. Rio de Janeiro mais de 400 mil. Em MG o numero é parecido. Alas, achar com o Google os numeros da Bahia é coisa para hacker. Noticia é ‘positiva’, informam o tempo medio de espera de uma consulta, não o tamanho da fila.

  12. ‘[…] e proteção do consumidor […]’. Trata-se de um puxadinho institucional. Vai na esteira da justiça do trabalho, proteger os ‘hipossuficientes’. Gerou uma ‘industria’. Procon, uma burocracia. Cursos de direito têm que ter disciplinas de direito do consumidor, emprego para causidicos(as). Linhas de ‘pesquisa’ nas universidades, doutores(as) na materia, congressos, livros, etc. Os vermelhos utilizam como ‘policia anticapitalista’. Resolveu o problema? Até o paragrafo 2. Empresas grandes não ligam para os Procons. Mas não faltará uma repartição publica divulgando ‘estatisticas positivas’ e pessoal do juridico dizendo que ‘temos uma das legislações mais avançadas do mundo’.

  13. ‘O serviço público está em constante ataque e isso não é novidade para ninguém.’ ‘Ataque’ é a palavra que os vermelhos utilizam para silenciar a critica. Objetivo é deixar tudo como está. Os problemas se perpetuam, aumentam de tamanho e acabam se resolvendo por si só. Serve para o SUS, para a educação, etc.

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