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O Big Brother da política – por Amarildo Luiz Trevisan

“Enquanto um tema não vira manchete ou trend, ele simplesmente não existe”

Logo mais, quando o ponteiro do relógio marcar 22h25, milhões de brasileiros estarão diante da televisão aguardando o veredito de Tadeu Schmidt: quem será eliminado do Big Brother Brasil 25? Diego Hypólito, João Gabriel ou Vitória Strada? Um deles dará adeus à casa mais vigiada do país – e ao sonho do prêmio milionário.

Enquanto isso, no outro “reality” – esse com menos câmeras, mas com muito mais efeitos especiais -, Brasília assiste, paralisada, ao seu próprio paredão. Não há Tadeu, mas há Datafolha. Não há confessionário, mas há bastidores e gabinetes. Não há líder da semana, mas há presidente da Câmara, do Senado, ministros do STF e analistas políticos que se revezam no “Sincerão” diário das redes sociais.

Para o bem ou para o mal de alguns ou de muitos – dependendo da ideologia de cada um -, os mesmos princípios que regem o Big Brother parecem agora comandar a política nacional. O governo federal, por exemplo, só pautou o projeto sobre segurança pública depois que uma pesquisa indicou que a violência se tornou a principal preocupação dos brasileiros. E os presidentes do Senado e da Câmara recusam-se a votar o projeto de anistia ao 8 de janeiro não por consciência ética ou convicção democrática, mas porque 56% da população é contra.

Mas voltemos ao ponto: onde termina o entretenimento e começa a política? Ou será que essa linha já se apagou? Hoje, a política virou imagem. Um marketing bem embalado, com slogan de efeito e gestos calculados. A diferença é que, no BBB, os participantes ao menos sabem que estão sendo observados. Já na política, alguns ainda se comportam como se estivessem sozinhos no camarim.

Não, não creio que isso seja o fim da política. Mas talvez seja o fim de qualquer noção de política como ação voltada ao bem comum – substituída por uma política orientada por curtidas, engajamento e índices de aprovação semanais. E esse é o verdadeiro problema de se governar pelas pesquisas: enquanto um tema não vira manchete ou trend, ele simplesmente não existe.

O contínuo abandono dos animais nas ruas e praças das cidades? Não dá ibope. Cadê algum projeto específico para resolver esse problema de maneira duradoura, com responsabilidade dos donos e chips de identificação?

Ferrovia nacional? Parece coisa do século XIX. Continuaremos maltratando nossas estradas com cargas pesadas até quando, se poderíamos escoar produtos pelas ferrovias — como já faz há muito tempo o chamado primeiro mundo?

Campanhas de alfabetização para jovens e adultos? Desculpe, mas não competem com as polêmicas do Xandão ou o último “vazamento” do WhatsApp de algum influencer político. E não estamos falando de um problema pequeno: em 2022, a taxa de analfabetismo entre pessoas brancas com 15 anos ou mais era de 4,3%; entre amarelas, 2,5%. Já entre pretos, pardos e indígenas, os índices foram de 10,1%, 8,8% e 16,1%, respectivamente. Uma tragédia silenciosa que raramente ganha espaço no debate público – ou nos palanques.

A dura verdade é que, enquanto ficarmos presos à lógica da audiência – seja televisiva, seja eleitoral -, jamais sairemos do ciclo do improviso. Continuaremos eliminando pautas essenciais por falta de curtidas, cliques ou comoção performática.

Resta a nós, espectadores da democracia transformada em espetáculo, mantermos a lucidez e a indignação. E torcer – não por este ou aquele candidato, mas por um futuro em que a política volte a ser aquilo que deveria: compromisso com o coletivo, com o que é justo e necessário, ainda que não dê ibope.

(*) Amarildo Luiz Trevisan é Licenciado em Filosofia no Seminário Maior de Viamão, tem o curso de Teologia, é Mestre em Filosofia pela UFSM, Doutor em Educação pela UFRGS e Pós-doutor em Humanidades pela Universidade Carlos III de Madri. Desde 1998 é docente da UFSM. É professor de Ciências da Religião e vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE/UFSM).

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14 Comentários

  1. Resumo da opera. Alem do marketing existe muito debate e pouca ‘fazeção’. Chega uma hora que o debate tem que encerrar e alguma coisa tem que ser feita. Simples assim. Vai acontecer? Não. Ja entranhou na cultura do pais. Manifestações de qualquer tipo depois de alguns acontecimentos foram bastante desincentivadas. Não se pode debater o SUS porque segundo autoritários ‘é um ataque visando a privatização’. Segurança é na base do ‘bandido bom é bandido solto’, se a pena for inferior a 8 anos criatura não é nem presa, impunidade. Então fica assim, uma melancia e de meia em meia hora um copo d’agua.

  2. ‘O governo federal, por exemplo, só pautou o projeto sobre segurança pública […]’. Copia do que aconteceu no Mexico inumeras vezes. Projeto cosmetico. Alas, todo mundo fala da Colombia, só que lá o governo fez um acordão com a bandidagem e diminuiu a violencia. Midia cumpanhera marketeia que foi o teleferico. Resolveram copiar no RJ e deu em nada, não estava nem funcionando. Deu em nada porque não teve acordão junto. Toda medida que saiu de BSB, notadamente do STF, so piorou a situação.

  3. ‘[…] um futuro em que a política volte a ser aquilo que deveria: compromisso com o coletivo, com o que é justo e necessário,[…]’. A tendencia é as coisas cairem de podres. As vezes não levantam mais, vide Imperio Romano. As vezes aparece um Putin, um Bukele, um Milei, etc.

  4. ‘Resta a nós, espectadores da democracia transformada em espetáculo,[…]’. Tocar a vida do jeito que der. Ajudar os outros quando puder e quando for necessario (vide cheias de novo).

  5. ‘Campanhas de alfabetização para jovens e adultos?’. Numero mais citado para o analfabetismo funcional é 30% da população. Corrigiram a estatistica, outro problema cultural da politica.

  6. ‘[…] enquanto um tema não vira manchete ou trend, ele simplesmente não existe.’ Problema cultural já citado, enquanto o problema não bater no bureau, no gabinete, não existe. Vide cheias de ano preterito. Como bombeiros, se não tem incendio está ‘tudo certo’.

  7. ‘[…] substituída por uma política orientada por curtidas, engajamento e índices de aprovação semanais.’ Porque só o que interessa são as proximas eleições.

  8. ‘[…] alvez seja o fim de qualquer noção de política como ação voltada ao bem comum […]’. Como gestão da ‘polis’. Bem comum é muita coisa, dá ideia de consenso, o que é muito dificil e muito raro acontecer.

  9. ‘Já na política, alguns ainda se comportam como se estivessem sozinhos no camarim.’ Não estão nem ai, se for muito controverso espicham a sessão e votam de madrugada. Voto secreto de preferencia.

  10. ‘Hoje, a política virou imagem. Um marketing bem embalado, com slogan de efeito e gestos calculados.’ Como o BBB, só interessa uma bolha.

  11. ‘E os presidentes do Senado e da Câmara recusam-se a votar o projeto de anistia ao 8 de janeiro não por consciência ética ou convicção democrática, mas porque 56% da população é contra.’ Porque Molusco com L., abstemio, honesto e famigerado petista não quer. Assim como seus badalhocas. Maioria não está nem ai para o assunto. Truquezinho de pesquisa encomendada não sei por quem e respondida em gabinete. Só engana quem é muito trouxa.

  12. O Estado é instrumento de manutenção de uma ordem social em que uns (muitos) trabalham e outros (poucos) lucram e desfrutam. O Estado não é (nem nunca foi, nem nunca vai ser) uma entidade “ideal” adequada à cabeça e aos valores de um magnífico doutor universitário, e sim uma máquina real com funcionamento próprio, com uma dinâmica férrea, que usa todos os meios à sua disposição, envolvendo coerção e consenso, em função de seus próprios interesses e dos interesses de quem a mantém. Portanto, para o seu conhecimento, o Estado não está, de modo algum, preocupado em fazer sentido para quem acredita em “bem comum”, “compromisso com o coletivo” ou “o que é justo e necessário”. Como dizia o Pica-Pau: É cada uma que esse povo inventa…

    1. Se assim fosse meu amigo, o mundo estaria imobilizado na inércia. A pergunta é: como outros países conseguiram os avanços que a crônica propõe? Parece que no Brasil sempre achamos um “jeitinho” para fugir do óbvio que precisa ser feito na vida pública. E isso não é invenção da cabeça de doutor, basta colocar o pé para fora do Brasil e a gente já verá essa diferença gritante.

    2. Problema é que o mundo está paralisado na inércia. Mudanças climáticas, por exemplo, muitas reuniões, muito marketing televisivo, pouca ação e o que não dá certo fica debaixo do tapete. ONU não funciona mais. OMC idem. Fenomeno conhecido, grandes burocracias ganham vida propria e acabam abandonadas. Outros paises estão ‘melhor’, mas também existe muito marketing nesta historia. O que dá errado lá fora não aparece e o pessoal daqui que tem condições de fazer turismo fica numa bolha e acha tudo maravilhoso. Nesta semana teve um ‘salve geral’ na França. Apertaram o trafico e apareceu um DDPF (Défense des droits des prisonniers français). Lembra organização de São Paulo.

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