O dia em que o país chorou o fim da travessia – por Leonardo da Rocha Botega
Os 40 anos da morte de Tancredo, figura central na redemocratização do País

O relógio marcava 21 horas e 23 minutos do dia 21 de abril de 1985, quando o coração de Tancredo de Almeida Neves parou de bater. Após 34 dias de agonia, primeiramente no Hospital de Base do Distrito Federal, depois no Hospital das Clínicas de São Paulo, chegava ao fim sua última batalha. O anúncio feito momentos depois pelo jornalista Antônio Britto, então secretário de imprensa da presidência, fez o Brasil chorar a apreensão do confuso fim de uma travessia.
Tancredo Neves fora eleito indiretamente, em 15 de janeiro de 1985, para ser o primeiro presidente civil após vinte e um anos da Ditadura Civil-Militar inaugurada pelo golpe que depôs o presidente João Goulart em 31 de março/01 de abril de 1964. Ao longo de seus 75 anos, cinquenta foram dedicados ao campo político. Uma longa trajetória iniciada pela vereança em São João Del Rei (MG), sua cidade natal, e marcada pela participação ativa em diversas travessias da História Política Brasileira.
Talhado no pragmatismo do Partido Social Democrático mineiro, o mesmo de Benedito Valadares e de Juscelino Kubitschek, Tancredo Neves era Ministro da Justiça no governo de Getúlio Vargas, quando de seu suicídio em 24 de agosto de 1954. Depois de meses de lealdade e dedicação na defesa de Vargas contra as acusações do golpismo, o ascendente político mineiro trabalhava na redação do comunicado da decisão de afastamento do presidente quando soube do trágico ocorrido.
Após a trágica morte de Vargas, que barrou o golpe em andamento, Tancredo Neves retornou ao seu mandato na Câmara dos Deputados, passando a atuar na construção da candidatura presidencial de seu conterrâneo e correligionário Juscelino Kubitschek. Vencida às eleições, a condição de presidente do Banco de Crédito Real de Minas Gerais não impediu Tancredo de fazer parte das articulações para garantir a posse do presidente eleito diante das conspirações dos golpistas aliados ao presidente Café Filho.
Mesmo sem inicialmente fazer parte do governo Kubitschek, Tancredo se tornou um dos principais conselheiros políticos do presidente. Tanto que, em abril de 1956, Juscelino o nomeou para a direção da Carteira de Redescontos do Banco do Brasil, uma forma de contar com sua presença mais próxima. Em 1958, visando sua candidatura ao governo de Minas Gerais, Tancredo retornou ao estado para assumir a Secretaria de Finanças no governo Bias Fortes.
A derrota eleitoral de sua candidatura à governador de Minas Gerais não abalou o seu prestigio político. Em agosto de 1961, quando da crise da renúncia de Jânio Quadros, diante de mais uma tentativa de golpe, foi um dos principais articuladores da saída parlamentarista. Sua atuação como negociador político o fez ser indicado pelo presidente João Goulart para chefia do primeiro gabinete parlamentarista. Ocupou o cargo de primeiro ministro até 1962, quando se demitiu para concorrer à Câmara dos Deputados.
Na Câmara dos Deputados, como líder da coalizão governista PSD-PTB, Tancredo Neves atuou contra a escalada golpista que culminou na deposição de João Goulart, em 1964. Aos gritos de “canalhas, canalhas”, denunciou a farsa montada pelo presidente do Congresso Nacional, Ranieri Mazzilli, na sessão que anunciou a vacância da presidência da República. Apesar de sua oposição ao golpe, seu nome não esteve na lista dos políticos cassados pelo Ato Institucional Nº1. Tancredo possuía prestigio junto aos militares.
Diferentemente da maioria de seus correligionários do PSD mineiro, quando da montagem do bipartidário por parte da ditadura, Tancredo não aderiu ao partido governista, a Arena, preferiu o oposicionista MDB. Se tornou um dos principais lideres da ala moderada do partido, condição que impulsionou sua eleição ao Senado por Minas Gerais em 1978. Com o fim do bipartidarismo, descontente com o MDB, participou da criação do Partido Popular. Ironicamente, o PP acabou se incorporando ao próprio MDB.
Em 1982, Tancredo Neves elegeu-se governador por Minas Gerais. Sua eleição no maior colégio eleitoral do país, o cacifou como candidato à presidência da República. Em meio a construção de sua candidatura, o movimento pelas Diretas Já tomou conta das ruas do Brasil. Tancredo não apenas aderiu ao movimento, como participou de inúmeros comícios pela Emenda Dante do Oliveira, mesmo sabendo que em um processo de eleições diretas não seria o único candidato das oposições.
A negativa das eleições diretas pelo Congresso Nacional, transformou a candidatura de Tancredo Neves como a única alternativa oposicionista viável no Colégio Eleitoral. O político mineiro foi responsável direto pelas negociações que conduziram a construção de um amplo pacto que contou com inúmeros dissidentes do PDS, partido do governo, entre estes o vice-presidente Aureliano Chaves e José Sarney, um membro das oligarquias nordestinas, ex-arenista, indicado ao cargo de vice-presidente na chapa de oposição.
Tancredo Neves derrotou de forma esmagadora Paulo Maluf, o candidato oficial que inspirava pouca confiança nos militares. Mesmo sendo eleito indiretamente, o futuro novo presidente se transformou em um símbolo da retomada da cidadania brasileiras após a “longa noite” do autoritarismo. O herdeiro das velhas raposas do PSD mineiro representava no imaginário popular brasileiro um caráter de esperança na Nova República que apontava em um período de grande sufoco econômico e social.
Esta esperança (não entusiasmada) durou dois meses. Nas vésperas da posse, em 14 de março de 1985, o presidente eleito precisou ser internado às pressas. Após uma ampla e dura negociação, a posse do vice-presidente José Sarney acabou sendo garantida até a alta hospitalar de Tancredo Neves. Porém, o que seria uma suposta apendicite se revelaria como um tumor, uma informação escondida a pedido do próprio presidente eleito, temeroso com a possibilidade de não entrega do governo por parte dos militares.
A noticia da morte de Tancredo Neves gerou uma forte comoção nacional. O país parou para ver o caixão passar levado no caminhão do Corpo de Bombeiros. Mesmo diante dos limites estabelecidos por uma Anistia que não puniu os crimes cometidos pelo Estado, por uma eleição que não contou com a participação popular e pela presença de velhos arenistas no governo que surgia, o povo brasileiro sentiu que uma página terrível de sua História estava sendo virada. Que estava diante de uma nova travessia.
No dia 21 de abril de 1985, o país chorou o fim desta travessia. A canção Coração de Estudante, do também mineiro Milton Nascimento, ecoou melancolicamente na alma brasileira. A sensação de que passada a Ditadura ainda tínhamos muito a construir se transformava em um “muito” cada vez maior e um “ainda” cada vez mais distante. O retomar da cidadania parecia congelado. A Nova República nascia das lágrimas de uma esperança que virou desalento.
(*) Leonardo da Rocha Botega, que escreve regularmente no site, é formado em História e mestre em Integração Latino-Americana pela UFSM, Doutor em História pela UFRGS e Professor do Colégio Politécnico da UFSM. É também autor do livro “Quando a independência faz a união: Brasil, Argentina e a Questão Cubana (1959-1964).
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