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Anúncios como punição: eles querem matar a publicidade – por Guilherme Bicca

“É como se trancassem o espectador num quarto e jogassem a chave fora”

Era uma vez a publicidade. Aquela arte de contar histórias em trinta segundos, com bordões inesquecíveis, jingles pegajosos e garotos-propaganda que viravam quase da família. 

Um mercado onde a criatividade mandava, e vender sem parecer que estava vendendo era quase um mantra a ser seguido. 

Mas parece que, nos bastidores do entretenimento moderno, algum gênio do “big data”, algoritmos e funis de venda, resolveu apertar o botão vermelho e resetar tudo: anúncio agora é punição. Um caminhão de som que metaforicamente grita “pamonha, pamonha, pamonha” na sua televisão.

E pra que você “não esqueça minha Caloi”, deixa eu me comportar e explicar logo do que, afinal, estou falando: 

Quem é assinante de algum serviço de streaming, seja de filmes, séries ou esportes, já percebeu o movimento nada sorrateiro: o plano que você sempre teve virou “econômico” do dia pra noite.

E não foi de um jeito bom. O seu plano não baixou o preço. Não, não… ele só ganhou um detalhe extra: agora vem com anúncios no meio da programação. E se você quiser se ver livre dessa pequena “inconveniência”, precisa, óbvio, pagar mais caro. Simples assim. 

Até porque, não estamos falando de possibilitar o acesso a mais gente através de um plano básico com anúncios. Estamos falando de impor anúncios a quem já pagava um determinado valor por um serviço livre deles. E pior: forçar esse público a pagar mais caro para escapar da armadilha. 

Parabéns a todos os envolvidos.

Ah… e não ficaram sequer ruborizados. Foram lá, mudaram e pronto, sem perguntar “quer pagar quanto?!”.  Não se prestaram a ao menos tentar nos convencer disso, como se fazia antigamente. Lembra? “Coooooompre batoooooom”… sei lá… talvez a hipnose funcionava e a gente não percebia. 

Essa lógica diz muito sobre como o mercado trata, hoje, a publicidade. Na prática, ela diz: “anúncio é algo ruim, e se você quer paz, tem que pagar mais caro”. 

Isso, meus amigos, é o tipo de mensagem subliminar que nem precisa de neuromarketing pra ser decodificada: anúncios viraram vilões da experiência. Aquela propaganda que interrompe o clímax, que corta o beijo romântico, que aparece bem na hora da revelação final, é que virou o grande plot twist da noite. Mas não de um jeito bacana.

Eu não quero dar uma de “Tio da Sukita”, mas talvez você esteja pensando, enquanto lê, que a TV tradicional interrompe a nossa programação desde que existe. 

Ora… “bonita camisa, Fernandinho”… mas devo dizer que é diferente: além de gratuita, a TV cria programas já pensados em blocos, que são divididos justamente por intervalos comerciais. O programa chama a atenção do espectador de que os comerciais serão exibidos. Não há quebra de expectativa quanto ao que vai acontecer. E, além disso, o fato de a “propaganda”, como chamamos, durar alguns minutos permite aquele pulinho no banheiro, na geladeira, etc. Um intervalo providencial de “mil e uma utilidades”.

Já nesse formato dos streamings, o anúncio aparece sem aviso. Tudo está fluindo conforme o diretor do filme imaginou, quando surge na tela um homem de meia idade dirigindo uma empilhadeira e gritando “o gerente enlouqueceu!”. 

E o pior: o anúncio dura em média trinta segundos. Não dá pra pular, mas também não dá tempo de correr na cozinha pra reabastecer a “pipoca na panela que começa a arrebentar”.

“Ah, mas o YouTube faz isso há anos e tá tudo bem”, dirá algum otimista com chip de paciência infinita instalado no córtex frontal. Errado. O YouTube até bem pouco tempo permitia pular o anúncio, no início do vídeo, em cinco segundos. O desafio criativo continuava: prender o usuário rápido, fazer mágica no microtempo. O publicitário precisava seduzir, não invadir. 

A fórmula mudou recentemente mas, ainda assim, o Youtube é gratuito e você tem a opção de pagar se quiser uma experiência mais imersiva. “Não é lá uma Brastemp, mas…

Agora, o cenário é outro. É como se trancassem o espectador num quarto e jogassem a chave fora. Isso muda tudo. E pra pior. Porque quando a publicidade pára de tentar ser legal, ela vira apenas… um problema. Um ruído, um incômodo. 

E aí, me perdoem os criativos de plantão, mas não há roteiro genial que salve. Se o espectador está ali obrigado, não existe abertura pra engajamento, empatia, ou encantamento. E se não existe, pra quê caprichar na campanha? Pra quê pensar num bordão icônico, num garoto-propaganda carismático, num roteiro que arranca risada ou lágrima? Não precisa mais. Só precisa estar lá. E estar lá virou castigo.

“A marca continua a mesma… mas os anúncios, quanta diferença”.

Estamos diante de uma crise (quase) cognitiva do mercado publicitário. A publicidade já passou por fases: primeiro, ela precisava convencer o público a comprar o produto. Depois, com o digital, precisou convencer o público a consumir, veja só, ela mesma. 

Agora, caminhamos para uma nova fase: a publicidade vai precisar de uma espécie de rebranding institucional. Um reposicionamento de imagem. Uma campanha de gestão de crise em que vai precisar dizer: “ei, não sou sua inimiga.”

Vamos falar sério: ninguém vai lembrar com carinho da marca que interrompe sua série favorita. Ninguém vai abrir conta no banco que corta a cena do filme que você contou no calendário o dia da estreia. Ninguém vai presentear o crush com o perfume que atrapalhou a hora do beijo no primeiro encontro. 

Lá em casa, por exemplo, não entra chopp Brahma. Decisão que se dá por “excesso de invasões de privacidade futebolística”. Uma vez por semana, no mínimo, sou lembrado que a Brahma existe quando ela, de cinco em cinco minutos, atrapalha a transmissão do jogo do meu time. Obrigado pela lembrança, mas… não.

Washington Olivetto deve estar se revirando no túmulo. Afinal, onde vai parar o brilho criativo, o insight que cola, o jingle que a gente canta junto sem perceber? Pra onde vão os comerciais que viram meme, conversa de bar, referência cultural? 

Lamento dizer, mas eles têm tudo para serem enterrados sob uma avalanche de anúncios forçados que ninguém quer ver. Que o público, literalmente, pagará pra não ver.

O mercado precisa acordar. Precisa lembrar que publicidade não é sobre interromper, é sobre conquistar. Não é sobre invadir, e sim conversar. Não é sobre punir, e sim propor. Até porque, se o próprio setor trata os anúncios como castigo, como esperar que o público pense diferente?

A publicidade pode até continuar viva, mas do jeito que as coisas vão… nem aquele desodorante que garante proteção por até 48 horas vai dar conta do suor de quem percebe a própria indústria desmoronar.

(*) Guilherme Bicca é jornalista graduado na Universidade Franciscana (UFN) desde 2008. Nesses anos, especializou-se em assessoria de comunicação integrada, quando realizou trabalhos junto a instituições como Sociedade de Medicina; Apusm; Sindilojas; e, mais recentemente, CDL Santa Maria. Está à frente da comunicação de entidades como Adesm e Secovi Centro Gaúcho; presta assessoria especializada ao Fidem Bank; é redator sênior na Jusfy, legaltech eleita a startup mais escalável do último South Summit. Também é um dos âncoras do Semanário, programa veiculado aqui mesmo em claudemirpereira.com.br; e criador do podcast Bocas do Monte, da TV Santa Maria. Guilherme Bicca escreve às sextas-feiras no site.

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12 Comentários

  1. Resumo da opera III. Engenheiros(as) de software também estarão no côcô a medio prazo. Microsoft e Google tiveram passaralhos. Para que pagar um salario de 150 mil dolares ao ano se existe IA. Alas, Google está lançando um oculos com IA que dizem ser o bicho. Até tradução simultanea, o mundo com legendas. E um sistema de teleconferencia com 3D. Alas, quem desenvolve aplicativo nas incubadoras da vida a medio prazo também vai para o penico.

  2. Resumo da opera II. Não acertaram ainda a iluminação e textura de pele. Mas se for num plano médio fica dificil distinguir.

  3. Resumo da opera. Wall Street Journal. Meta tem uma meta, automatizar toda publicidade via Inteligencia Artificial até 2026. Publicitarios(as) e agencias de publicidade estarão na m. a médio prazo. Ultimos avanços da IA são impressionantes. Youtube está as voltas com canais que criam trailers falsos de filmes. Noticia ruim, alguns daqueles são melhores que os verdadeiros.

  4. ‘Precisa lembrar que publicidade não é sobre interromper, é sobre conquistar.’ Qual é a parte do ‘tens 5 segundos para chamar atenção’ não ficou clara?

  5. Olivetto pegou a epoca das vacas gordas. Perguntado onde conseguir mão de obra Rory Sutherland, ex-vice-presidente da Ogilvy falou nos tupiniquins. Entrevistador era de outro pais, logo o elogio era genuino.

  6. ‘O YouTube até bem pouco tempo permitia pular o anúncio, no início do vídeo, em cinco segundos.’ Hoje é possivel bloquear um anuncio.

  7. 2024. Netflix teve lucro. Disney teve lucro. Apple perdeu perto de 1 bilhão de dolares. Paramount 224 milhões. Warner perdeu 453 milhões. Tony Gilroy diretor de ‘Andor’ (uma baita serie mesmo para quem não gosta de Star Wars) afirmou que o streaming está morto. Gastaram 650 milhões de dolares em 24 episodios.

  8. ‘E não foi de um jeito bom. O seu plano não baixou o preço. Não, não… ele só ganhou um detalhe extra: agora vem com anúncios no meio da programação.’ Empresas têm que ganhar dinheiro. Deixaram o preço baixo para conquistar/avaliar mercado. Depois trouxeram a publicidade. Audiencia saiu dos veiculos tradicionais. Nada mais natural.

  9. ‘[…] “big data”, algoritmos […]’. Muita gente falando bobagem sobre o assunto, não tem ideia sobre o que estão falando. De ex-delegados a causidicos(as).

  10. ‘Eu não quero dar uma de “Tio da Sukita”, mas talvez você esteja pensando,[…]’. E Brastemp. E Caloi. Primeiro é citar muitos casos de sucesso e esquecer o tanto de propaganda ruim. Truquezinho basico que o pessoal do jornalismo gosta muito. Catar milho. Depois era outra epoca. Dois ou tres canais de televisão e não existia alternativa. Simples assim.

  11. ‘Um caminhão de som que metaforicamente grita “pamonha, pamonha, pamonha” na sua televisão.’ Se for só 5 segundos está bom. Não tem ‘historinha’ que não intessa ninguém.

  12. ‘Era uma vez a publicidade. Aquela arte de contar histórias em trinta segundos,[…]’. Sim, o problema é que publicitarios tupiniquins não se adaptaram. Youtube por exemplo. Quem não paga a versão sem anuncios tem que esperar passar algo que maioria das vezes não esta interessado para ver algo que está. Dependendo do tamanho do video é no inicio, no meio e perto do fim.

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