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O lugar da memória dos atingidos pela Catástrofe Socioclimática de 2024 – por Leonardo da Rocha Botega

“Vozes dos atingidos (pelos eventos climáticos) também devem ser ouvidas”

Há um ano o estado do Rio Grande do Sul vivenciou a pior enchente de sua História. Dos 497 municípios que compõem o estado, 478 foram atingidos. Conforme os dados da Defesa Civil, foram 2.398.255 pessoas afetadas. Dentre estas 806 feridos, 184 óbitos e 25 desaparecidos. Tais números são muito maiores do que aqueles registrados em 1941, na última grande enchente ocorrida no estado.

Porém, para além dos números que dão a real dimensão desta verdadeira catástrofe socioclimática, existe uma outra questão que tem sido minimizada ou pelo menos deixada de lado: o lugar que a memória deve ocupar no processo de (re)construção deste trágico evento. Muito tem se falado em termos de redefinir métodos e formas na engenharia de (re)construção de pontes e moradias, mas a memória tem sido pouco discutida.

Algumas iniciativas até tem sido feitas, como a escultura Heróis Voluntários, inaugurada em dezembro, instalada na lateral da Usina do Gasômetro, no Centro Histórico de Porto Alegre; e o Monumento aos Voluntários Anônimos, também inaugurado em dezembro, no Parque do Pontal, em Porto Alegre. Iniciativas louváveis, porém, presas a ideia dos lugares de memória “tradicionais”.

Em que pese a importância dos lugares de memória “tradicionais” (monumentos, museus, arquivos), existem outras formas de manifestação da memória da catástrofe socioclimática que têm tido (quando têm) pouco espaço nos exercícios de rememoração do que foi vivenciado entre fins de abril e início de junho de 2024. Aqui falo fundamentalmente da memória dos atingidos pela catástrofe socioclimática.

Os agentes de diferentes esferas governamentais, os especialistas, os voluntários que atuaram nos salvamentos e os jornalistas que registram as enchentes são vozes importantes na construção de memória coletiva sobre a catástrofe socioclimática, mas não são as únicas. As vozes dos atingidos também devem ser ouvidas. Foram eles que vivenciaram (e ainda vivenciam) diretamente o pior da tragédia.

Estas vozes não podem ser esquecidas ou silenciadas pelas disputas de versões entre os campos políticos na “guerra pela memória”. Qualquer construção da memória sem a História “vista de baixo”, tão reivindicada pelos historiadores desde os estudos de E.P. Thompson, Foucault, Ginzburg e da História Oral dos excluídos, não possuía legitimidade. Ninguém fala pelo outro!

A memória dos atingidos pela catástrofe socioclimática, daqueles que perderam suas casas, seus familiares, seus objetos afetivos, é uma forma de resistência. Uma resistência que não é passiva, oriunda de objetos que sobreviveram a tragédia. É resistência ativa! É um alerta de sujeitos que sabem que se não mudarmos nossa forma de vida, inevitavelmente, a catástrofe será a única constante histórica.

Com o objetivo de dar voz a esses sujeitos, tomamos a iniciativa de desenvolvermos, a partir Colégio Politécnico da UFSM, juntamente com a professora Kelly Cristini Granzotto Werner e as estudantes Amanda Pretzel Poerschke, Bianca Henke Borges e Giulia Cirolini Mendonça, o projeto História Oral dos Atingidos pela Catástrofe Socioclimática no Rio Grande do Sul. 

(*) Leonardo da Rocha Botega, que escreve regularmente no site, é formado em História e mestre em Integração Latino-Americana pela UFSM, Doutor em História pela UFRGS e Professor do Colégio Politécnico da UFSM. É também autor do livro “Quando a independência faz a união: Brasil, Argentina e a Questão Cubana (1959-1964).

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