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A Menina e a Noite – por Alice Elaine Teixeira de Oliveira

aliceHora de ir para a cama, o pai já anunciou a ordem apagando as luzes e desligando o aparelho televisor. A mãe terminou de lavar a louça e secou o tampo da pia com tanto esmero que parece nunca haver caído um pingo de água por ali. Ouve-se o resmungo e argumentações dos filhos por mais alguns momentos de distração noturna, em vão. Todos recolhem-se aos seus quartos. A menina tem medo de dormir.

A menina e seu irmão mais velho ainda dividem o mesmo cômodo pois os tempos são de cobres curtos, casa pequena e verões quentes. Um beliche, um abajour, dois criados mudos e dois roupeiros, as bonecas e pelúcias da menina, o violão, bola e coleção de botões do menino compõem a mobília do quarto. A menina tem medo de dormir sozinha.

Há sempre uma pequena discussão com relação a quem apaga a luz. A menina nunca apaga, pois sofre de um terror absurdo com relação ao escuro. Imagina em sua mente infantil o horror que poderia acontecer a sua mão longe do seu corpo, afastá-la pelos 30 ou 50 cm até a pera do interruptor da luz de cabeceira poderia ser demais para ela aguentar. Então ela puxa conversa com o irmão e tenta prolongar a noite com aquelas 20 velas acesas e quentes… A menina tem medo de dormir com a luz apagada.

O irmão não liga para os medos, sons ou temores da irmã. Diverte-se com seu pânico e brinca com a sua imaginação contando-lhe histórias amedrontadoras. Quando, enfim, cansa ou sente pena da irmã, muda o assunto e passa a contar sobre seus amores colegiais. Passa, então, a listar o nome das meninas que lhe chamam a atenção na escola ou na vizinhança. Cria um top10 das mais bonitas, das mais inteligentes, das mais cheirosas, das mais atraentes, das impossíveis, das apenas amigas e assim por diante. Ela ouve. Entediada, mas ouve. A menina tem medo de dormir depois do irmão.

O menino cala-se, levanta e desliga a lâmpada tombando em seu leito, deseja uma boa noite à irmã e dorme quase que imediatamente. A menina toma-se de pavor e sofrimento ao ouvir os primeiros roncos de apneia do irmão, sinal de que ele dorme profundamente. Agora ela sente-se sozinha e desamparada, perdida entre a escuridão da noite. Seu pesadelo é agravado pela noite de verão e seus mosquitos. A coberta poderia ser sua amiga e seu refúgio, mas o suor escorre pela nuca, entre os cabelos tornando quase que insuportável ela continuar a se cobrir até as orelhas com ela, nunca esquecendo de envelopar os seus pés e quadris. A menina tem medo de dormir descoberta.

Então ela ouve, baixinho, o barulho do único ventilador da casa. No quarto de seus pais há um ruído de alívio. Os minutos e as horas passam enquanto ela concentra sua atenção apenas em ouvir, desligando-se do calor, do suor, e da escuridão. Na rua, os carros passam, os ônibus freiam e aceleram em intervalos cada vez maiores, os cães latem quase que em uníssono e as conversas dos transeuntes diminuem até calarem-se por completo. Então ela ouve o estalo da fechadura do quarto dos pais. A porta do paraíso se abriu e o som do aparelho elétrico torna-se mais forte. A menina tem medo de dormir no completo silêncio.

Tomada de um renovado ânimo e destemor ela joga seu acolchoado ao chão, coloca seu travesseiro abaixo de seu peito deitando de bruços sobre a coberta, deixando os pés para fora para empurrar e com suas mãos ao lado para mover a cama improvisada. Como uma tartaruga que tem seus membros expostos fora do casco ela avança rastejando para fora de seu quarto, passa pela sala, atravessa o corredor e adentra sorrateiramente para o refúgio dos pais. Quando seus pés passam pela porta ela já pode sentir o sono chegando. Estica e arruma seu leito bem próximo ao ventilador e sem fazer o menor ruído dorme profundamente pelo resto da noite. A menina não tem mais medo, pode sonhar…

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