A vela do carrasco – por Pylla Kroth
Inconformados com o autoritarismo conservador e repressivo de sua época, anos 70, em pleno regime militar, dois amigos jovens resolveram se rebelar e protestar nas suas formas, em uma pequena cidade do interior gaúcho, pois acabaram de assistir dois professores seus, um de filosofia e outro de história serem mortos em circunstâncias até hoje nunca esclarecidas.
Aquilo foi a gota de água. Poxa !!! Tinham ciência de que não poderiam ser tratados assim como a sociedade os definia. Subversivos, agitadores, tal e coisa. Queriam apenas recitar poesias, cantar, ouvir música alta, deixar seus cabelos crescerem e sentir o sopro do vento com liberdade. Dizer o que pensavam, participar, opinar, não servir ao exército, tampouco pegar em armas, enfim… viver e amar sem lenço e sem documentos.
Não eram comedores de criancinhas, como falavam na época; de fato não gostavam muito de ir à missa aos domingos, mas não se achavam ateus, nem destruidores de igrejas e dos conceitos familiares! Pelo contrário, eram fãs de um cara chamado Jesus de Nazareth. Achavam aquilo tudo um absurdo.
Partiram então pra algumas ações. A primeira investida foi contra a própria igreja conservadora. Numa tarde depois da catequese da paróquia, ao sair, passaram discretamente a mão em quatro latas de tinta spray que estavam por ali pra retocar algumas obras sagradas. E ainda saborearam uma taça grande cheia de hóstias prontas que havia por ali, e deram um golinho de vinho bento, pois o padre só dava uma daquelas na missa e beber, então, só ele bebia, e a vontade sempre foi grande de comer a travessa inteira, hóstias feitas de farinha e leite pelas freiras, hummm, uma delícia sem açúcar! E tomar toda aquela jarrinha de vinho de primeira. O famoso “vinho do padre”, doado pelo melhor produtor da espécie na comunidade.
Tudo muito bem planejado, encontraram-se à noite. Preocuparam-se com todos detalhes e álibis possíveis: travesseiros embaixo das cobertas pra enganar a pequena conferência que a mãe fazia antes de dar a bênção nos anjinhos nos quartos, esperar o último ônibus partir da rodoviária, etc… Cidade deserta, rostos cobertos com lenços como os de bandidos em filmes do velho oeste americano, lá se foram eles pro front. Aquela imensa porta da igreja, branquinha! Agitaram as latas de spray e tinta nela!!! Rolou até a língua dos Rolings Stones bem grande, frases do tipo “Igualdade para todos”, “Fraternidade sim, fofoca não”, entre outras.
Ficou uma maravilha! “Bora” lá pular a janela do quarto por onde haviam saído e, descanso e sono dos justos. Mal poderiam eles imaginar o que estaria por vir. Ao amanhecer o papo na cidade e na escola não poderia ser outro, correu de boca em boca. “Quem teria coragem de fazer aquilo?”. As mães trataram de dar suas versões, “meu filho não foi!”, “o meu também não!” Como sempre. Coitadas das mães! E o papo não podia ser outro naquele dia na pacata cidade. Não demorou mais que um dia pra investigação tomar corpo.
Um dia depois, a Polícia bate na Escola e pede à diretora a presença dos dois anjinhos sobre os quais recaiam todas evidências: dois cabeludos. E lá foram eles pra delegacia. Começou a investigação e o interrogatório pelo mais velho, seguido do novato. Ambos alegaram estar em casa dormindo e que a prova eram suas mães. Aí foi a vez do depoimento individual dos elementos citados. O mais velho entrou no dito porão e começou a tortura. Primeiro um choque com descargas pequenas vindas de uma bateria de caminhão, depois uma gravata de sufocar o pescoço com um saco na cabeça, seguido de tapas com as mão cobertas por luvas estofadas, pois a policia não poderia deixar sequelas, aquela coisa toda que chocaria a cidade.
Chamaram o outro elemento e colocaram lado a lado.” Tirem a roupa!”. Ambos se olharam e timidamente obedeceram. Estavam eles nus e o pavor tomou conta dos dois. Se olharam e fizeram caras de durões pra polícia não pensar que se tratava de dois cagões que logo falariam tudo. Foi quando um dos carrascos pediu para ao seu assessor: “alcance-me a vela”. E lá veio ele com uma imensa vela que parecia daquelas feitas pelas freiras que adornam sempre o altar das igrejas.
Que terror! Uma vela? Nossa mãe! Agora se foi as pregas, pensaram. O jeito foi fechar os olhos e rezar pro dito cujo santo do qual eles eram simpatizantes, citado acima. Nisso ouve-se um pedido em alto e bom som: “me dê o fósforo, colega!” O mais novo abriu os olhos e gritou! “Mas acesa, senhor! Tende piedade de nós.” Foi ai que, avisadas pela diretora da escola, batem na porta as mães dos meninos pedindo que acabasse ali a situação, pois os meninos eram de boas famílias e elas eram as testemunhas de que eles estavam em casa na noite do fato e que logo não poderia ser eles.
Ufa! Santas Mães! Um deles ao comentar semana passada com sua a mãe, no dia dedicado a elas, a façanha, a velha só deu uma risadinha e disse “sempre soube que foi tu e teu comparsa, pois não poderiam ser outros nesta pequena cidade.” E contou ao seu filhinho, agora com 60 anos, que o investigador do “Caso da Pichação da Paróquia” havia morrido havia apenas três dias. Mas que antes comentara com pessoas da cidade que as velas acesas naquela ocasião eram pra pingar cera derretida na bunda dos danados, e não pra enfiar no *** dos anjinhos, o que era um dos métodos que se utilizava para arrancar confissões dos meliantes.
Ufa! A frase ficou na cabeça. “Mas acesa, Senhor?” (risos). Não se conteve e foi até a casa de seu velho amigo e depois de muitas conversas e lembranças daqueles tempos passados, resolveram comprar um pacote de velas e foram até o cemitério. Acenderam-nas e, pingando a cera derretida em cima do túmulo do falecido carrasco, rezaram à Santíssima Trindade, cantando Geraldo Vandré e recitando um provérbio: “Aqui se faz, aqui se paga! Descanse em paz, ó cruel!”
OBSERVAÇÃO DO EDITOR: a imagem que ilustra esta crônica é uma reprodução da internet.
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