Artigos

Pátria de todos – por Orlando Fonseca

Esta semana abre uma temporada cívica em nosso Estado, tanto pela comemoração da Independência, já agora na sexta, quanto pelas manifestações gauchescas, até o próximo dia 20. São valores simbólicos de grande alcance afetivo que, no entanto, carecem de reflexões desapaixonadas.

Não escapa a ninguém que a conjuntura nacional não é das melhores para levantar bandeirolas coloridas, e a coisa aqui pelos pampas também não está para soltar foguetes. Então, pergunto, com alguma isenção, qual o significado de celebrar a hora da “Pátria”, e mais do que isso: de qual “pátria” estamos falando?

Formamos um país continental, unidos por uma herança étnica – amálgama de índios, europeus e africanos – e por uma língua de vários sotaques. Ao contrário da colonização hispânica na América do Sul, forjada pelas armas e pela sujeição cultural, os portugueses foram mais complacentes – apesar do quase extermínio dos antigos habitantes – e mais lenientes. Não se impuseram pela força militar, sequer tomaram providências para que a língua portuguesa fosse hegemônica, nos primeiros séculos.

Isso só veio ocorrer com a vinda de João VI e sua corte, em 1808, quando a Língua Geral – cujo tronco era o tupi-guarani – foi proibida, passando o Português à língua oficial. Até então não houvera expansão do sistema escolar, disseminação de bibliotecas ou mesmo de gráficas para a produção de periódicos e livros. A última flor do Lácio prosperou, mais inculta do que bela, e com ela toda a tradição cultural.

Quando se declarou independente, por um arroubo de seu governante, D. Pedro I, em 1822, o país não tinha uma identidade, não podia falar de uma literatura própria, apesar da pujança daquele cenário natural, semisselvagem das extensões americanas. Parte expressiva do seu povo, tão responsável pelo seu caráter nacional quanto os demais, os africanos, ainda eram escravos, e assim permaneceriam até quase o final do século XIX.

Aliás, é nesse período que ocorre uma significativa mudança no quesito “pátria”, deixando de ser um império, comandado pela aristocracia, para ser república para ser comandada por… por quem mesmo? É preciso conhecer, para que se possa pensar em como o povo poderia entender-se em termos de pertencimento. Evidentemente que a elite, com resquícios de nobreza ou não, é que assumiu o controle desde então, incluindo aí os valores simbólicos.

Por isso é que ainda se vê, na propaganda política o lema: “a Pátria acima de tudo”. Quem disputa o poder emula em sua propaganda uma impressão de totalidade, de programa virtual de inclusão. Um lugar ideal, capciosamente apresentado como marketing político. E prospera, pois, uma parcela significativa da população amarga a sua condição de miseráveis, são quase 30 milhões de novo – sim, porque um número igual havia sido resgatado em duas décadas passadas – e outra não consegue entender o sentido de manifestações simbólicas: ou são pessoas analfabetas, quase 10%, ou analfabetas-funcionais, 48%.

Para muitos, tradicionalistas em especial, o Rio Grande do Sul é visto como pátria. Herdeiros de um atavismo republicano, da metade do século XIX, deixam de apontar para um (des)governo recorrente, que tem colocado o nosso Estado entre os piores no ranking de economia, cultura e desenvolvimento. Não estaríamos melhores apenas recuperando as bravatas históricas já cometidas em nome daquele ideário e em memória de seus heróis.

No entanto, por aqui se entoa a plenos pulmões o cabotinismo provinciano de “ser modelo a toda Terra”. Faltam, no momento, os fatos concretos para que esse simbolismo seja eficaz, consequente, no plano das ações públicas e nas vontades políticas.

Cultivar os símbolos é salutar, só não pode ocupar o espaço da efetividade da ação, tanto por parte do poder público, quanto da coletividade. Esse lugar, Brasil, ou Rio Grande do Sul passa a ser de todos quando as condições sociais não são excludentes, e para isso é preciso consciência cívica para um exercício democrático do poder.

Artigos relacionados

ATENÇÃO


1) Sua opinião é importante. Opine! Mas, atenção: respeite as opiniões dos outros, quaisquer que sejam.

2) Fique no tema proposto pelo post, e argumente em torno dele.

3) Ofensas são terminantemente proibidas. Inclusive em relação aos autores do texto comentado, o que inclui o editor.

4) Não se utilize de letras maiúsculas (CAIXA ALTA). No mundo virtual, isso é grito. E grito não é argumento. Nunca.

5) Não esqueça: você tem responsabilidade legal pelo que escrever. Mesmo anônimo (o que o editor aceita), seu IP é identificado. E, portanto, uma ordem JUDICIAL pode obrigar o editor a divulgá-lo. Assim, comentários considerados inadequados serão vetados.


OBSERVAÇÃO FINAL:


A CP & S Comunicações Ltda é a proprietária do site. É uma empresa privada. Não é, portanto, concessão pública e, assim, tem direito legal e absoluto para aceitar ou rejeitar comentários.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Botão Voltar ao topo