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Faz tempo, faz horas… – por Pylla Kroth

Na ocasião em que fiquei por mais de um mês hospitalizado em estado de coma, devido a rompimentos de veias esofágicas, quando voltei à consciência, ouvia os médicos darem o diagnóstico para minha família ao lado da cama.

“Ele teve quatro paradas cardíacas na cirurgia e talvez seu cérebro não volte mais a raciocinar como antes  e sua coordenação motora também poderá sofrer conseqüências, viemos saber que ele era cantor e esperamos que não ter afetado suas cordas vocais, pois tivemos que fazer a traqueotomia e não temos certeza se não atingiu as cordas, é possível  que ele tenha que usar esse caninho para o resto da vida, tudo vai depender de seu corpo, mas ele esta bem, esperamos que seu quadro evolua, é preciso muita atenção na recuperação”.

Todos os dias subsequentes o médico entrava no quarto e me fazia uma entrevista. Tiravam o caninho da traqueotomia e me pediam para  tapar com o dedo e responder coisas como: “como é o teu nome? Sabes onde estás? Que idade tu tens?” Estas eu tirava de letra e dava uma risadinha até, mas outras do tipo: “sabes que dia é hoje? Que horas são?”, estas eu nem tentava adivinhar, pois estava mesmo perdido no tempo, nas horas.

Não demorou muito e perguntei para um médico amigo que estava estagiando naquele hospital, em que mês e dia estávamos e se era manhã tarde ou noite. Assim, para a surpresa do doutor, em uma manhã ele entrou no quarto e não deixei ele falar, logo cumprimentei  com um medonho “Bom dia Dr. Paulo!” –  como de praxe estava escrito o nome no jaleco do guru (risos) – “que bela manhã de terça feira, não?” Foi uma surpresa e tanto para ele.

Até hoje somos amigos e ele me confidencia que o meu caso surpreendeu a ele e toda equipe que participou do desafio de doze horas de cirurgia para transplante de veia porta-cava, realizando um milagre raro na medicina da época.  Que até tentaram realizar outras vezes, mas desafortunadamente não deu certo, perderam seus pacientes.

Mas isso já faz tempo, faz horas, como dizem! Passaram-se dezessete anos desde então e a medicina evoluiu e hoje em dia esse procedimento é possível ser realizado com maior segurança e chance de sobrevida, sem a necessidade de uma cirurgia tão invasiva e arriscada como era na época.

E aqui estou eu, vivinho da silva, e falando de tempo, e para não falar de minha voz, com minha memória ainda intacta, felizmente! Aliás, lembro-me de coisas do passado com uma lucidez incrível, fecho os olhos e vejo cenas de décadas atrás com a mesma clareza que a de minutos atrás. Às vezes isso é bom, às vezes nem tanto.

Lembro, por exemplo, que meu avô, lá no interior, de tempos em tempos puxava o relógio de bolso dele, abria-o e fazia “a conferência das horas”, como ele dizia, apenas para confirmar a hora que ele geralmente já sabia qual era. Sim, porque os antigos tinham uma percepção do tempo incrível, advinda da observação da natureza e dos animais principalmente.

Os pássaros, galos e galinhas anunciavam o dia que se iniciara, os marrecos também eram bons indicadores da hora, e assim até os bois, vacas e terneiros sabiam e coordenavam certinho o horário, vindo de encontro ao galpão no final da tarde. Tenho a convicta percepção que o tempo já não é mais o mesmo tempo, aquele relógio do meu avô era bem mais calmo que os relógios digitais de hoje, parece que as horas escoavam mais lentas nele, tão lentas quanto areia numa ampulheta. Mas entendidos afirmam que não, que o tempo do dia é o mesmo desde que o mundo é mundo e existe dia e noite.

Falo sobre isto por que este tal horário de verão, vigente desde o inicio desta semana, tem me feito ir pra cama sem sono e me acordar com sono. Quanto mais lúcido, mais louco me parece que estou, me confundo comigo mesmo e com meus hábitos laborais neste dito cujo, o horário de verão.

Pareço estar adiantando a própria vida! Ou será que atrasando? Nem sei mais.  Sinto que quase nada nesse horário faz muito sentido. Mas me resta o consolo de estar vivo e bem vivo, uma hora a mais parece não fazer tanta diferença, embora eu saiba que faz. Sendo assim não só pareço como me comporto como um louco. Respiro com calma, sinto meu coração batendo como se fosse meu primeiro dia de vida.

Cumprimento as pessoas na rua, chego atrasado em meus compromissos e a única coisa que cumpro nesses dias desvairados são os horários de minhas medicações, porque hora para remédio, essa tem! E nisso sou bem comportado e nem um pouco louco. Se desse pra comprar um tempo, juro que não pouparia meus cobres. Mas ainda não tem… Que pena!

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