ARTIGO. Ricardo Ritzel, a ‘Guerra do Paraguai’ e a participação de um general gaúcho: David Canabarro
O ocaso do velho general
Por RICARDO RITZEL (*)
A Guerra do Paraguai ainda não acabou. Sim, continuam os combates e as batalhas, mesmo depois de mais de 150 anos da perseguição e morte do mariscal Solano Lopez, fato que deu por encerrado o maior conflito militar do continente.
A diferença é que, agora, a luta se dá no campo da propaganda, do nacionalismo, da interpretação dos acontecimentos e, com toda certeza, da pesquisa histórica. Assim como há também refregas bem aguerridas nas teses que preenchem as mais diversas lacunas que existem na narrativa desta conflagração armada de muitos nomes e uma só definição: Maldita Guerra.
A começar pela figura de Francisco Solano López Carrillo: um estadista iluminado ou um ditador ensanguentado? Herói ou vilão?
O Paraguai de Lopez era, ou não, uma espécie de primeiro país socialista onde seu povo vivia, até então, feliz e em comunhão com seu líder, que resgatou os ideais igualitários missioneiros?
Outro fator de discórdia entre historiadores é o número de mortos no conflito. Houve ou não um genocídio paraguaio? (Neste quesito, a única unanimidade é que as doenças mataram mais que canhonaços, balas, lanças e espadas).
O desenvolvimento paraguaio na época também é um dos pontos mais debatidos e polêmicos. O país era, ou não, uma potência industrial em franco desenvolvimento, que chegou até mesmo a ameaçar o poderoso comércio inglês na região?
E a Inglaterra nesta história toda: instigou e financiou a Tríplice Aliança a destruir o Paraguai ou simplesmente queria a paz e manter sua influência comercial e política na América do Sul através da diplomacia?
Essas cinco questões, entre outras, são, até hoje, batalhas que ainda não acabaram da Guerra Grande (como é conhecida pelos paraguaios) e temas de livros, teses e pesquisas de historiadores de todo o mundo.
E há ainda muitos mistérios sobre a Guerra da Tríplice Aliança (como é chamada no Uruguai e Argentina), entre eles três lacunas da narrativa histórica, com fatos até hoje sem uma explicação concreta para os acontecimentos:
– Caxias facilitou, ou não, a fuga de Solano Lopez pelo Potreiro do Mármol?
– Qual a razão de Dom Pedro II, um imperador progressista e com mais espírito democrático que muitas (se não todas) incipientes Repúblicas sul-americanas, ser intransigente na deposição, caçada e morte de Solano Lopez?
– Durante a invasão paraguaia ao Rio Grande do Sul, um dos mais destacados generais gaúchos, com participação decisiva nos combates da Revolução farroupilha e larga trajetória militar desde as Guerras Cisplatinas, David Canabarro, foi retirado de seu comando, excluído da tropa enviada para guerra e ainda acusado de covardia por um tribunal militar.
Havia acabado a coragem do general ou foi somente uma mesquinha vingança do Império contra o velho revolucionário farroupilha?
Este é o tema deste artigo e chega junto com novidades vinda de um dos pesquisadores e escritores mais conceituados sobre a Guerra do Paraguai. A história é longa e resumidamente começa assim…
David José Martins era o nome de batismo do general. Ele nasceu em 22 de agosto de 1796, em Taquari, e passou toda sua infância na estância de seu pai.
Ainda adolescente, com 16 anos incompletos, deu início a sua vida militar como soldado de Dom Diogo de Souza, fazendo parte do “Exército Pacificador” que invadiu a Banda Oriental para lutar contra o General Artigas. No final da campanha foi promovido a Cabo.
Participou da Guerra da Cisplatina, já como tenente, junto ao 40º Regimento de Cavalaria subordinado à 2ª Brigada de Cavalaria que estava sob o comando de Bento Gonçalves. Sua atuação foi considerada heroica e decisiva na batalha do Rincón de las Gallinas.
Participou também da batalha do Passo do Rosário, onde realizou varias cargas de cavalaria, consideradas até hoje suicidas, sobre a tropa de Juan Lavalleja (lider do movimento “Treinta y Tres Orientales”). Manteve-se vivo e ileso.
Ao final da Guerra da Cisplatina, juntamente com seu tio Antonio Canabarro, em 1834, adquiriu uma fração de campo na costa do arroio Sarandi, em Santana do Livramento, onde começou uma bem sucedida criação de gado. Daí em diante, passou a assinar seu nome como Davi Canabarro, em homenagem e com admiração ao sócio e parente.
Ainda no início da Revolução Farroupilha, foi ameaçado de morte por Bento Manoel por não querer se envolver no conflito, ainda mais pelo lado imperial. Decidiu-se, então, a ser mais um revolucionário farroupilha, integrando as tropas de Antonio de Souza Neto, já como tenente-coronel, participando, depois, da proclamação da Republica Rio-grandense e varias outras batalhas junto ao lendário general.
Em 1837, foi promovido ao posto de coronel, participando da Proclamação da República Juliana ao lado de Garibaldi. Em 1841, Canabarro foi promovido a general pelos seus feitos em campo de batalha e, em junho de 1843, já é um dos líderes máximos da Revolução.
Em novembro de 1844, é um dos personagens principais da maior polêmica da história do Rio Grande do Sul: a Batalha de Porongos e o tratado nunca assinado de Ponche Verde. Negou até o final de sua vida a traição e a entrega dos regimentos de lanceiros negros para morte ou escravidão.
Muitos duvidam até hoje da sinceridade de seu desabafo. Porém, a seu favor consta a própria atuação de Caxias que não lutava somente com armas, mas também com a propaganda, a contrainformação e, principalmente, a criação da cizânia entre seus inimigos, como foi feito por ele em outras ocasiões, como nas lutas no Norte do Brasil.
Mas, já em 1850, o próprio Conde de Caxias coloca David Canabarro no comando de 16 mil homens da 4ª Divisão, vanguarda das tropas brasileiras na luta contra Rosas, comprovando a confiança que tinha no general gaúcho. Estava perpetuada a triste desconfiança de Porongos entre seus irmãos de armas farroupilhas e, é claro, gerações de historiadores.
Quando o exército brasileiro invade o Uruguai, em 1864, Canabarro era o responsável pela segurança da fronteira missioneira do Rio Grande do Sul, tendo cerca de dois mil homens sob seu comando, porém com cavalhada em precário estado e muito pouco armamento.
E foi exatamente nestas condições que, em 10 de junho de 1865, o exército paraguaio invade o Rio Grande do Sul por São Borja e, promovendo saques, violências e estupros, segue sem ser molestado pelo litoral do Rio Uruguai até Uruguaiana, onde ainda tomam posse de um arsenal e grande quantidade de alimentos.
Canabarro alega que por reiteradas vezes pediu mais homens, armas e cavalos, mas não foi atendido pelo Império. E que, neste caso, decidiu por uma estratégia de deixar a coluna paraguaia entrar Brasil adentro, ganhar tempo para se rearmar, trocar a cavalhada e reunir um contingente que fizesse frente aos mais de 10 mil invasores, e cortando suas linhas de abastecimento, trucidar o inimigo.
Sua explicação não foi aceita, foi afastado de seu posto e colocado à disposição de um tribunal militar sob acusação de covardia. Porém, antes da sentença, morreu repentinamente em sua casa, triste, isolado e renegado.
A novidade do caso veio na capa do Caderno de Sábado do Correio do Povo do dia 13 de junho, em artigo assinado pelo escritor e pesquisador, José Luís Chiavenato (autor de Genocídio Americano na Guerra do Paraguai).
Chiavenato defende a tese de que Canabarro guardava a verdadeira explicação para seu julgamento, onde iria comprovar que a estratégia de deixar as tropas de Estigarribia entrar no Brasil foi construída entre o presidente argentino, Bartolomeo Mitre e o general brasileiro Luis Osório.
Segundo ele, Osório e Mitre tinham como estratagema desviar o exército invasor de Corrientes, que segundo eles, era o verdadeiro teatro da guerra e caminho natural para uma contraofensiva e invasão do Paraguai.
Ainda conforme Chiavenato, uma carta de Osório ao então ministro da Guerra brasileiro, datada em 3 de outubro de 1865, confirma o acordo com o presidente argentino.
O resto da história é bem conhecida. A coluna paraguaia que estava no lado argentino do Rio Uruguai foi trucidada sem piedade em Yatahi e a do lado brasileiro, com a ilustre presença de Dom Pedro II, foi cercada e isolada em Uruguaiana até sua rendição, por total falta de armas e alimentos, além de ser atingida por doenças como o cólera e a disenteria.
Conta a história que, antes mesmo da rendição de Uruguaiana, soldados brasileiros a cavalo passavam perto das trincheiras e levavam na garupa desesperados desertores paraguaios já fatigados pelo cerco daquela cidade. E não foram poucos que se renderam assim.
E segue a história da maior guerra do continente, mesmo depois de mais de um século e meio de seu final!
(*) RICARDO RITZEL é jornalista e cineasta. Apaixonado pela história gaúcha é roteirista e diretor do curta-metragem “Gumersindo Saraiva – A última Batalha”. Também é diretor de duas outras obras audiovisuais históricas: “5665 – Destino Phillipson”, e “Bozzano – Tempos de Guerrra”. Ricardo Ritzel escreve neste site aos sábados.
Bibliografia e fontes:
– Maldita Guerra, de Francisco Doratiolo, Companhia das Letras, 2002.
– Invasão paraguaia no Rio Grande do Sul, de José Luis Chiavaneto, Correio do Povo, 13 de junho de 2020.
– David Canabarro, artigo do pesquisador rosariense Paulo Mena publicado no Facebook
Observação do editor: as fotos que ilustram esse artigo são de reprodução
Prezado O Brando, gosto muito do Doratioto. Citei em entrelinhas seu livro Maldita Guerra. Conheces?….Abraço!
Não existe polemica na Batalha de Porongos, existe uma teoria da conspiração tramada pela militância acadêmica.
Daí surge o busílis, vide o caso de Chiavenato, ele ‘defende a tese’. Ou seja, não há prova cabal do que aconteceu, logo cria-se uma ‘narrativa’ que parece plausível, logica, a única maneira possível dos fatos desenrolarem-se. Dali a pouco deixa-se de mencionar que é uma ‘tese’ e ensina-se como se fato fosse. Geralmente para beneficio ideológico de alguém.
Muito bom como sempre.
Paraguay era de fato um pais socialista, Solano Lopes herdou o pais do pai que o nomeou general aos 18 anos. Mas há controvérsias, Argentina considerava uma província rebelde. Ao fim da guerra propôs dividir com o Brasil o território, mas o governo tupiniquim não aceitou para não aumentar a fronteira com os ‘castilhanos’.
Genocidio? O grande líder socialista fez como Hitler, mandou mulheres, crianças e velhos para combate. Um fuzil na mão de um adolescente é tão perigoso quanto na mão de um adulto.
Ao contrario do que ensinam aqui (alás, gostaria de ler um livro sobre a guerra escrito no Paraguay) Inglaterra estava financiando a industrialização paraguaia e fornecendo o maquinário. Problema é que se a verdade aparece a narrativa do colonialismo não fecha. Alás, relações brasileiras com os britânicos estava no mínimo estremecidas nesta época. Alás, não era o único conflito do mundo (ou ameaça de). Quando a guerra começou ainda ocorria a guerra civil americana e havia confusão no Japão.