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Lá vem o “Centrão” – Por Leonardo da Rocha Botega

Quem é esse grupo parlamentar que nasceu ainda ao tempo da Constituinte

Dia 2 de fevereiro de 1987, primeira semana de funcionamento da Assembleia Nacional Constituinte, o deputado federal José Lourenço, então líder do PFL, saindo de uma audiência com o presidente José Sarney, anuncia a articulação que visava a construção de um “bloco parlamentar de centro”. Naquele contexto, o presidente da República vivia o início do forte processo de desgaste do seu governo.

O entusiasmo com o lançamento e as medidas do Plano Cruzado sobreviveu apenas o tempo suficiente de garantir ao governo a vitória nas eleições gerais de 1986. Passadas as eleições, a crise não pode mais ser maquiada. Seis dias depois seria lançado o Plano Cruzado II.

Em meio à perda de popularidade e a emergência do uso do termo “Estelionato Eleitoral”, o presidente Sarney via sua base parlamentar se esvair, principalmente, dentro do seu próprio partido, o PMDB, onde se destacava a figura de Ulysses Guimarães. Apesar de naquele período dividirem o mesmo partido, Sarney e Ulysses não eram propriamente “companheiros”. Enquanto o segundo vinha de uma trajetória marcada pela oposição à Ditadura Civil-Militar, o então presidente tinha uma longa ficha corrida na Arena. Somente em 1984 é que Sarney abandonou o PDS (partido herdeiro da Arena), ingressando primeiramente no PFL para depois se juntar ao PMDB.

A ideia de formação do “bloco parlamentar de centro” que, curiosamente, o deputado José Lourenço queria batizar de “Bloco Tancredo Neves”, tinha como objetivo primordial dar apoio ao governo e combater dentro da Constituinte as propostas consideradas “progressistas demais”.

O “Centrão”, integrado por PFL, PL, PDS, PDC e PTB, além de partes do PMDB, conseguiria não apenas alterar a forma de aprovação do texto da Nova Constituição, como também a aprovação do mandato presidencial de cinco anos. Tudo na base do “é dando que se recebe”.

Desde seu início, o “Centrão” não se constituiu propriamente como um partido ou uma aliança partidária, mas sim como um grupo de parlamentares, espalhados por inúmeras siglas, que se unem para submeter o “jogo” da política nacional aos seus interesses.

Além de José Lourenço, o grupo já teve como seus líderes por Amaral Neto (PDS-RJ), Gastone Righi (PTB-SP), Carlos Santana (PTB-BA), Roberto Cardoso Alves (PMDB/PTB-SP), Daso Coimbra (PMDB-RJ) e Luís Eduardo Magalhães (PFL-BA). Nunca chegou a apresentar um candidato presidencial propriamente seu, mas ajudou a eleger e esteve em todos os governos da Nova República. Cresceu significativamente com os espaços ministeriais que ocupou e com a pulverização partidária. Se tornou o grande garantidor da governabilidade parlamentar nos governos Itamar Franco, FHC e Lula, e o definidor dos processos de deposição de Fernando Collor de Mello e de Dilma Rousseff.

Na Câmara dos Deputados, eventualmente o “Centrão” se aventura em ter o presidente, normalmente se aproveitando das crises que desfocam a grande política. Assim foi em 2005, quando elegeu o deputado Severino Cavalcante (PP-PE), que acabou renunciando após denúncia de um esquema envolvendo a cobrança de “mensalidade” ao proprietário do restaurante da Câmara.

Assim foi também em 2015, quando, diante do clima de desestabilização do governo Dilma, Eduardo Cunha (PMDB-RJ) foi alçado à presidência da casa. Agora, dois dias antes de seu “aniversário”, mais uma vez o “Centrão” volta à presidência da Câmara dos Deputados através do deputado Arthur Lira (PP-AL), uma das figuras mais representativas e significativas da direita fisiológica.

O novo presidente da Câmara terá como missão garantir a governabilidade do governo Bolsonaro. Sobretudo, servir da aparador diante do descaso no combate à pior pandemia mundial desde 1918 e dos escândalos que envolvem as relações entre seus familiares e figuras obscuras do submundo das milícias. Mas não só isso. Garantir a governabilidade significa também acelerar o projeto de desmanche das políticas públicas proposto por Paulo Guedes. Desmanche que também faz parte do próprio ideário do “Centrão”.

Nada mais adequado a uma direita fisiológica do que a transformação de políticas públicas em prebendas mercantis. É da destruição do social que o “Centrão” se alimenta. É o clientelismo que o elege e o torna forte. Por tudo isso, como disse o próprio Eduardo Cunha na sessão que deferiu o golpe de 2016: “Que Deus tenha piedade deste país”. Afinal, ao que tudo indica, a aliança Centrão-milícia-ultraliberalismo não terá.       

(*) Leonardo da Rocha Botega, que escreve no site às quintas-feiras, é formado em História e mestre em Integração Latino-Americana pela UFSM, Doutor em História pela UFRGS e Professor do Colégio Politécnico da UFSM. É também autor do livro “Quando a independência faz a união: Brasil, Argentina e a Questão Cubana (1959-1964).

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2 Comentários

  1. Sarney no meio desta brincadeira ameaçou renunciar se não aumentassem o mandato. O Centrão daquela época tem pouco ou nada a ver com o de hoje. Constituinte estava com prisão de ventre e para destrancar geraram um documento esquizofrênico. Pior, era para ser parlamentarismo e na última hora trocaram para presidencialismo num remendo mal feito. Deu no que deu.
    Severino Cavalcante elegeu-se na rebelião do ‘baixo clero’. Lideranças partidárias perderam força (por isto a ênfase do colégio de lideres no discurso atual), fragmentou-se a Câmara. Junta-se a queda da qualidade da representação (gente no Senado que nem falar nem ler sabe direito) e o resultado é o que se vê. Alás, quando Severino foi eleito Molusco ficou p. Não acreditou na incompetência da própria bancada. Sabia que complicaria a coisa. Vem do sindicalismo, não tem nada de bobo.
    No mais, os cães ladram e a caravana passa.

  2. Detalhes. Aconteceu no governo Molusco o tal ‘Mensalão’. O ‘dando que se recebe’ era cash. Extrema imprensa nunca considerou isito ‘ameaça a democracia’.
    Dilma, a humilde e capaz, teve uma tentativa de resgate as vésperas do impeachment. Instalaram o Molusco num quarto de hotel em BSB e ofereceram mundos e fundos. Mesmo assim não conseguiram comprar apoio. Humilde e capaz tinha ‘chutado o saco’ da torcida do Flamengo e do ‘Curintia’. Finado Eduardo Campos reclamou publicamente (era aliado) certa feita. Numa reunião com governadores começou a ‘meter esporro’ nos mesmos como se fossem criança pequena (projeto de poder era do MDB do Temer, coisa separada). Colecionar inimigos nunca é coisa boa, uma hora eles se aliam.

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