O enterro definitivo de Pinochet – por Leonardo da Rocha Botega
Eleição para a Constituinte chilena teve esmagadora vitória dos progressistas
Quando em outubro de 2019 intensos protestos tomaram as ruas das principais cidades do Chile, muitas pessoas, sobretudo jornalistas e economistas do mainstream, ficaram atônitas. Era como se de repente um novo terremoto, como os que sacudiram o país em 1960, 2010 e 2014, estivesse acontecendo.
Porém, não eram as placas tectônicas de Nazca e a Sul-americana que estavam interagindo, mas sim uma geração de jovens precarizados que, juntamente com idosos esquecidos pela promessa do futuro redentor e povos originários historicamente colocados às margens da modernidade, promoviam um tremor nos alicerces sociais.
Entre as tantas faixas, cartazes, pichações, cânticos e palavras de ordem que se viam e escutavam por dias e noites desafiando a intensa repressão dos carabineiros, uma em especial chamava atenção: Chile, aqui nasceu e aqui vai morrer o neoliberalismo! Uma frase que representava a síntese histórica de um processo nascido e gestado a partir do Terror do Estado e que por quatro décadas e meia fora propagado como um modelo de sucesso.
Um grito que representava as cerca de 40 mil vítimas de duas décadas de Ditadura Civil-Militar, os milhares de aposentados que, apesar de contribuírem por 30, 40 anos para a previdência privada, não possuem a garantia de uma renda que minimamente lhes garante a sobrevivência, os milhares de jovens que não tem acesso ao Ensino Superior pago e as muitas mulheres vítimas de uma violência sexual que constantemente é acobertada por um Estado Opressor identificado como “o nosso estuprador”.
Eram o passado e o presente procurando romper as amarras que travam o sonho de um futuro digno. As amarras de uma liberdade econômica para poucos e de uma crescente perda de perspectiva para muitos.
O historiador Eduardo Galeano em uma de suas tantas obras escreveu que as “teorias econômicas de Milton Friedman deram a ele o Prêmio Nobel; ao Chile elas deram o general Pinochet”. Assim como a frase acima citada, essa pode ser considerada uma outra forma de sintetizar as últimas décadas da História daquele país.
O golpe de 11 de setembro de 1973 não apenas interrompeu o experimento socialista democrático do governo Salvador Allende, como propiciou um local para a experimentação de uma “contrarrevolução” que visava eliminar os ganhos que os trabalhadores haviam conquistado com o desenvolvimentismo e o keynesianismo.
As bombas que caíram sobre o Palácio de La Moneda não trouxeram apenas o Terror de Estado. No encalço das torturas e dos assassinatos ocorridos no Estádio Nacional, desembarcaram os Chicago Boys trazendo na bagagem uma política econômica que inundava o país de importados baratos que maquiavam a alta inflacionária e a quebra das empresas locais. Tudo em nome de um futuro promissor.
Um futuro que inúmeras vezes deu sinal de alerta, apontando que não talvez não fosse tão encantador assim. Em 1975, foi necessária uma correção de rumos em direção a aceleração da desregulamentação estatal a partir de um “tratamento de choque”.
Tal tratamento quase resultou em um colapso econômico no início dos anos 1980. Ironicamente, a economia chilena foi salva pela empresa estatal Codelco, mineradora nacionalizada no governo Allende que sozinha gerava 85% das rendas de exportação do país.
O ditador Augusto Pinochet deixou o governo em 1990, após ter sido derrotado no plebiscito de 1988, onde ouviu um sonoro não para as suas pretensões de manutenção no poder. Os Chicago Boys abandonaram o país um pouco antes. Porém, ambos deixaram para trás o legado de uma Constituição Autoritária e de estruturas econômicas e sociais profundamente anacrônicas.
Foi contra esse anacronismo que o Chile profundo se levantou, primeiramente, nos protestos massivos de fins de 2019 e início de 2020; posteriormente, na triunfante vitória no plebiscito que referendou a proposta de formação de uma nova Constituição, e agora nas eleições que deram às forças progressistas e de esquerda a maioria esmagadora das cadeiras na Assembleia Constituinte.
A esmagadora vontade popular se manifestou democraticamente, reduzindo significativamente as forças de direita e extrema-direita, deixando-as sem o poder de veto, um engodo criado pelos aliados do presidente Piñera para barrar os desejos de avanços sociais.
Se a frase dos protestos de outubro de 2019 estiver correta e os acordos de formação de uma maioria entre as esquerdas e os grupos independentes representarem o desejo das ruas, a Nova Constituição Chilena de fato irá matar o neoliberalismo.
Se os prognósticos se realizarem, assistiremos ao enterro definitivo do legado de Pinochet e de uma ideologia zumbi que já não tem mais o que prometer. Por isso, se disfarça na voz de pilantras e fanfarrões que só sabem propagar ódio para esconder o desmanche social que está por trás de suas propostas.
(*) Leonardo da Rocha Botega, que escreve no site às quintas-feiras, é formado em História e mestre em Integração Latino-Americana pela UFSM, Doutor em História pela UFRGS e Professor do Colégio Politécnico da UFSM. É também autor do livro “Quando a independência faz a união: Brasil, Argentina e a Questão Cubana (1959-1964).
Esquerda ganhou eleições, vai produzir um documento e com base nisto vai tentar tocar o pais. Preço do cobre está perto de 10 dólares o quilo. Já esteve dois e pouco. Como na Grécia em crise recente (e Venezuela, Libia, Siria, etc.), todos que tem alguma grana e sabem fazer algo a mais do que ‘ faixas, cartazes, pichações, cânticos e palavras de ordem’ abandonam o pais. Ou cruzam os braços.
Vamos ver o que acontece, como entregam as ‘promessas’, o ‘céu na terra’.
Milton Friedman não tem responsabilidade por Pinochet. Mais do que óbvio. Não foi ele quem provocou a Guerra Fria. A teoria dos dominós. Não foi ele quem criou uma inflação de 200%, déficit fiscal de 13% do PIB, reservas inferiores a 77 bilhões de dólares e fez os salários reais murcharem. A receita tradicional da esquerda, idéias sem fundamento, desastre econômico e corrupção galopante. E, obviamente, ‘a culpa é dos outros’.
Pinochet era cadete quando explodiu a Guerra Civil Espanhola na Academia de um exercito com tradição prussiana. Assistiu o prelúdio, invasões de terras, Igrejas saqueadas e queimadas, restos mortais de religiosos retirados das sepulturas e expostos em via publica. Basta ver as fotos em livros de historia, os documentários que passam nas melhores redes europeias. Não precisam de um mundo inventado, uma ficção.
Jovens. faixas. Cartazes, pichações, cânticos e palavras de ordem. Votação. E daí?
Eduardo Galeano não era historiador. Era ‘escritor’ e jornalista. Aparentemente gente boa, elevado a condição de ídolo por uma esquerda semi-analfabeta. Livro mais conhecido “As veias abertas da América Latina’. O que o próprio autor afirmou, antes de morrer, sobre o livro? ‘A realidade muda. O tempo passou. Eu comecei a tentar outras coisas, aproximar-me da realidade humana em geral e da economia politica especificamente. […] As ‘Veias abertas’ eram para ser um livro de economia politica, mas eu não tinha a formação necessária. Não me arrependo de ter escrito, mas foi uma fase pela qual passei’.