Resíduo orgânico não é lixo – por Marta Tocchetto
‘Correto é encaminhá-los (resíduos) à compostagem e/ou à digestão anaeróbia’
Resíduos orgânicos (restos de alimentos e de poda; cascas de frutas, de legumes e de ovos; borra de café, erva mate) são destinados para aterros urbanos, erroneamente.
Tecnicamente, a palavra lixo caiu em desuso. Muito do que é descartado como lixo ainda tem possibilidade de reaproveitamento, seja por meio de reuso, reciclagem ou tratamento. Lixo deveria representar esgotamento, mas não é o que se vê. A Política Nacional de Resíduos Sólidos substituiu o termo lixo por rejeito para denominar aquilo que, realmente, esgotou a vida útil ou não há tecnologia viável para prolongar o ciclo de vida.
A separação de resíduos em “secos e úmidos” ou “secos e orgânicos” contribuiu e, ainda contribui, para que resíduos orgânicos (restos de alimentos e podas; cascas de frutas, de legumes e de ovos; borra de café, erva mate) sejam considerados lixo e destinados, erroneamente, para aterros urbanos.
O equívoco é um problema ambiental, além de elevar o custo do gerenciamento dos resíduos urbanos, pois resíduo orgânico não é lixo. O correto é encaminhá-los à compostagem e/ou à digestão anaeróbia. No dia 29 de setembro, a cidade de São Paulo deu mais um passo na direção do encaminhamento dos resíduos orgânicos à reciclagem e ao tratamento. A expectativa é de que, em 2024, a obrigatoriedade esteja incluída.
Em 2020, para termos ideia da dimensão do problema, a capital paulista gerou 5,7 bilhões de quilogramas de resíduos urbanos, sendo que 50% são orgânicos e o destino tem sido os aterros. A campanha “São Paulo Composta e Cultiva” participou ativamente da construção da proposta aprovada – PL 410/2019.
Resíduos orgânicos são biodegradáveis, portanto, são decompostos por processos biológicos. A compostagem resulta em uma parte sólida (húmus) e uma líquida (biofertilizante). Ambos substituem os adubos e fertilizantes químicos sintéticos usados para melhoramento e recuperação da fertilidade do solo. A compostagem doméstica com ou sem minhocas é de fácil condução e sem cheiro.
A digestão anaeróbia resulta, igualmente, em dois produtos. Uma fração gasosa rica em metano (biogás) usada para geração de energia e uma parte líquida similar a compostagem. O tratamento é utilizado na zona rural, há muito tempo, para reduzir os impactos do esterco oriundo da criação de animais.
Atualmente, a digestão anaeróbia vem ganhando espaço em regiões urbanas devido à simplificação dos equipamentos e a redução de custos. A decomposição de resíduos orgânicos gera metano, um dos principais gases responsáveis para o agravamento climático. A captura do metano permite que ele seja usado tanto para a geração de energia elétrica quanto calorífica.
A digestão anaeróbia atende o tripé da sustentabilidade: social (biogás pode substituir o gás de cozinha, cujo preço estratosférico agrava a fome e a desigualdade no Brasil), ambiental (contribui para o controle das mudanças climáticas, reduz a exploração de petróleo, diminui o uso de fertilizantes químicos, aumenta a vida útil dos aterros e é uma alternativa à crise energética) e econômico (reduz os custos atuais de gerenciamento dos resíduos urbanos e incentiva a produção de alimentos por meio de hortas, pomares e jardins).
Políticas públicas que exigem e estimulam grandes geradores, condomínios, shoppings, supermercados, hotéis e pousadas, além de unidades domiciliares a reciclarem e tratarem os resíduos orgânicos são essenciais para uma cidade que busca o bem-estar e a qualidade de vida dos seus cidadãos, assim como a saúde ambiental e a adoção de medidas para controle das catástrofes climáticas.
Essas políticas não excluem a responsabilidade individual. Que tal planejar a instalação de uma composteira doméstica ou de um digestor anaeróbio na sua casa, no seu restaurante? Que tal Santa Maria desenvolver um programa voltado à implantação de digestores anaeróbios tendo como foco o aproveitamento do biogás em substituição ao gás de cozinha, atendendo principalmente populações carentes.
(*) Marta Tocchetto é Professora Titular aposentada do Departamento de Química da UFSM. É Doutora em Engenharia, na área de Ciência dos Materiais. Foi responsável pela implantação da Coleta Seletiva Solidária na UFSM e ganhadora do Prêmio Pioneiras da Ecologia 2017, concedido pela Assembleia Legislativa gaúcha. Marta Tocchetto, que também é palestrante em diversos eventos nacionais e internacionais, escreve neste espaço às terças-feiras.
Nota do Editor: a foto (sem autoria determinada) de resíduos, que ilustra este artigo, é uma reprodução obtida no Portal do Biogás (AQUI)
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