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CÂMARA. Presidente apresenta projeto que proíbe o uso da linguagem neutra em escolas de Santa Maria

Professor afirma que mudanças na língua serão definidas apenas pela sociedade

Presidente da Câmara e proponente do projeto, João Ricardo Vargas diz que a linguagem neutra “tem como objetivo principal provocar caos amplo e generalizado nos conceitos linguísticos” (Foto Câmara/Divulgação)

Por Maiquel Rosauro

O presidente da Câmara de Vereadores de Santa Maria, João Ricardo Vargas (PP), pretende vedar o uso da linguagem neutra na Educação Básica do Município. O projeto de lei, protocolado nesta segunda-feira (25), visa garantir apenas o ensino da norma culta da Língua de Camões.

A proposta define linguagem neutra como “toda e qualquer forma de modificação do uso da norma culta da Língua Portuguesa e seu conjunto de padrões linguísticos escritos ou falados, com a intenção de anular as diferenças de pronomes de tratamento masculinos e femininos”.

Na justificativa da proposição, o parlamentar afirma que o projeto é uma resposta a insistentes tentativas de imposição de reconhecimento de um terceiro gênero, o neutro, ao lado dos gêneros masculino e feminino.

“A adoção da denominada “linguagem neutra” é uma forma de distorcer a realidade, trazendo na forma da linguagem a ideologia de gênero para dentro das escolas, e que, no fundo, tem como objetivo principal provocar caos amplo e generalizado nos conceitos linguísticos para que, em se destruindo a língua, se destrua a memória e a capacidade crítica das pessoas”, justifica Vargas.

O presidente da Casa aponta que a prática, além de ser um português ensinado errado, suprime as diferenças entre homens e mulheres, impondo o “caos e a confusão sexual, sobretudo, na cabeça de crianças”. Vargas cita como exemplo o caso da expressão “querides alunes”, que, segundo o vereador, teria sido usada em um comunicado de uma instituição de ensino.

O projeto determina a responsabilização das instituições de ensino e dos profissionais de educação que violarem a legislação, com base na Lei Federal 9.394/1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional.

Para que se torne lei, a iniciativa precisa ser aprovada em plenário e sancionada pelo prefeito. Confira a proposta na íntegra (AQUI).

“Não é um vereador ou um deputado que irá definir o uso da língua”, diz professor

Para comentar o projeto, o Site entrou em contato com o professor de Língua Portuguesa Saigon Quevedo. Ele não demonstrou surpresa com a proposta e ressaltou que as mudanças na língua são definidas pelas pessoas, não por leis.

“É óbvio que a linguagem neutra não faz parte da língua culta, aquela que encontramos nas gramáticas de Língua Portuguesa, portanto, documentos oficiais não devem, realmente, trocar “todos” por “todes”, assim como não devem conter marcas da linguagem informal, regional, estrangeirismos, gírias, etc. Entretanto, a discussão está posta na sociedade e é ela que definirá se o uso será corrente ou não. Com certeza, não partirá da iniciativa de vereador nenhum”, explica Saigon.

Confira, na íntegra, o posicionamento do professor Saigon:

“Em primeiro lugar, não há novidade nenhuma na proposta, uma vez que há vários projetos semelhantes circulando nas casas legislativas pelo país. Entretanto, não é um vereador ou um deputado que irá definir o uso da língua.

A língua é um instrumento vivo de comunicação, é voluntária e as pessoas que fazem uso dela, em suas comunidades, e na sociedade em geral, é que vão determinar o que vai ou não vai ser usado. O verbo “pegar”, por exemplo, não apresentava dois particípios, apenas um, a forma “pegado”. Mas o povo elegeu  “pego” como a sua preferida. Hoje essa palavra está inserida no nosso vocabulário, por livre vontade popular e é muito mais usada que a forma original e culta, não cabendo uma lei para proibir-lhe o uso.

O que me preocupa mesmo, é que muitos querem legislar sobre assuntos que não têm o mínimo conhecimento, haja vista a qualificação de cada um. É óbvio que a linguagem neutra não faz parte da língua culta, aquela que encontramos nas gramáticas de Língua Portuguesa, portanto, documentos oficiais não devem, realmente, trocar “todos” por “todes”, assim como não devem conter marcas da linguagem informal, regional, estrangeirismos, gírias, etc.

Entretanto, a discussão está posta na sociedade e é ela que definirá se o uso será corrente ou não. Com certeza, não partirá da iniciativa de vereador nenhum. A linguagem neutra poderá até ter vida curta, mas isso nada terá a ver com o “canetaço” institucionalizado. É preciso que os legisladores entendam de uma vez por todas suas funções e reconheçam suas limitações.

Pergunte ao proponent quais especialistas ele procurou para ajudá-lo na proposição, afinal, pelo que se sabe, sua formação não é em linguística. Quando se trata do uso da língua, proibições sempre pegam mal, pois é preciso que se conheçam todas as suas manifestações para que se escolha a mais adequada a ser usada em diferentes eventos sociais.

Ou alguém aqui inicia uma carta de amor tratando a amada por Vossa Excelência? Não é preciso leis para isso. Basta bom senso e respeito às manifestações populares e legítimas”.

Saigon Quevedo

Mestre e Doutor em Linguística

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3 Comentários

  1. Inconstitucional. Mas concordo com o espiritoda coisa. Escola é o único lugar no qual alguns terao contato com a norma culta. Existe um decreto da decada de 40 que atribui a ABL em conjunto com a Academia de Ciencias de Lisba a atribuição de editar o VOLP. O que se ve é uma minoria tentando impor o proprio dialeto à maioria da população. Seria tambem absurdo se tentassem impor o gauches, o dialeto das quebradas de SP ou das favelas do RJ. Antes que a bocozada ladre, parlamento frances passou legislação no mesmo sentido. Alas, Academia Francesa classificou lingua neutra como aberração em nota oficial.

  2. Concordo que o uso correto é o ideal, no entanto várias expressões setornaram usuais e pertencem a um tipo de “dialeto”. É comum assistirmos políticos utilizando expressões que não integram as nossas normas da língua portuguesa e nem por isso se tornam incompreendidos. Talvez fosse mais importante melhorar a comunicação entre as pessoas, as relações humanas e o diálogo.

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