KISS. Indignação de familiar de vítima. Advogado de réu o convoca para testemunhar em defesa dele
Situação provocou até problemas de saúde no pai de Andrielle. Ele desabafa
Por Tatiana Py Dutra / Da Padrinho Agência de Conteúdo
Durante meses, o pai de uma jovem morta no incêndio da boate Kiss, conviveu com uma angústia: ter de testemunhar na defesa de um dos acusados de serem os causadores da tragédia. No caso, o dono da boate, Elissandro Spohr.
O episódio ocorreu com Flavio Silva. Há alguns meses, ele descobriu que o advogado Jader Marques o havia colocado no rol de quem falaria em juízo para tentar inocentar seu cliente.
“Veja bem, um dos maiores responsáveis pelo assassinato da minha filha… O defensor dele me arrolou para ser testemunha de defesa. Até hoje não consigo entender essa atitude de desumanidade. Na verdade, é uma atitude de crueldade”, repudia Flavio.
Pai de Andrielle Righi da Silva, morta na tragédia aos 22 anos, Flavio desabafou inicialmente com o amigo e diretor de cinema Luiz Alberto Cassol. Eles se aproximaram quando Cassol co-dirigiu o documentário “Janeiro 27”, que relata a tragédia, com entrevistas com mães, pais e sobreviventes. Tornaram-se confidentes desde então.
A possibilidade de servir como defesa de um dos réus constrangeu Flavio profundamente. Durante meses, ele não soube como contar para a mulher e a filha, nem mesmo para os membros da Associação dos Familiares de Vítimas e Sobreviventes da Tragédia de Santa Maria (AVTSM), da qual é presidente.
A angústia e o estresse consumiram sua saúde. Neste mês, Flavio teve uma isquemia cardiovascular e precisou passar por cateterismo.
“Isso foi um choque para mim porque eu não entendia. Eu, que não estava na boate na noite que aconteceu a tragédia, nem nas proximidades, fui arrolado por esse advogado para testemunhar para o réu que matou a minha filha”, desabafa.
A menos de um mês do julgamento, novamente sem qualquer explicação, o nome de Flavio deixou de constar do rol de testemunhas. Ele não sabe a razão, mas não deixa de se indignar pelos danos irreversíveis causados pela frieza da defesa.
Contornados os problemas de saúde mais emergenciais, mas ainda debilitado, sentiu-se seguro para detalhar o episódio e pediu que Cassol fizesse o registro para levar à sociedade o que considera cruel.
“Até que ponto um advogado [pode ir] para salvar a pele do cliente, sem levar em consideração se o pai ou mãe está sofrendo ou não a dor da perda do filho?”, questiona.
“Ser usado como argumento de algum defensor dos réus para tentar, de alguma forma, desvirtuar o pensamento da sociedade e confundir, num ato tão baixo, imoral e desumano, é cruel demais. Acho que a sociedade merecia saber desse relato”, justifica Flavio, emocionado, no vídeo que resolveu fazer com o depoimento ao diretor e amigo, e que está disponível nas redes sociais da AVTSM.
Os sócios da Kiss, Elissandro Callegaro Spohr e Mauro Londero Hoffmann, o músico Marcelo de Jesus dos Santos e o produtor de palco Luciano Bonilha Leão respondem por 242 homicídios simples e 636 tentativas de homicídios, ocorridos na boate Kiss, em 27 de janeiro de 2013. O julgamento começa no dia 1º de dezembro, no Fórum Central de Porto Alegre.
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Mesmo que o nosso generoso código penal(muito simpático aos criminosos) permita um movimento desses, o respeito, a ética e a humanidade foram pisoteados. Não bastasse a ausência de muita gente no banco dos réus, faltou um mínimo de bom senso ao defensor do réu. Como é que o pai de uma vítima vai testemunhar a favor de um dos responsáveis pela morte de sua filha? Como assim? Coisas assim afastam qualquer certeza que a justiça vá ser feita. Sempre pode aparecer um atalho jurídico a favorecer o(s) assassino(s). Oremos.