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A morte do gozo – por Marcelo Arigony

“Ainda somos o país do futuro... um clímax que nunca chega”

Chegamos à semana que antecede a eleição. Reta final, Galvão Bueno. Nessa semana a democracia acelera, derrapa, ultrapassa, geme e grita… até o final zunido, aquele sibilante da hora da bandeira – opa – do botão da urna. Ali o clímax; então está feito; acabou-se!

No final da década de 1980 e início de 1990 a inflação era galopante; mais de 80% num mês. O Brasil tinha desigualdade, miséria e corrupção. Igual como tem ainda hoje. Mas era pior. Tempos mais difíceis. O Brasil era classificado como terceiro mundo, o país do futuro…

Não havia TV a Cabo, internet e celular. O canal de TV era o 12. A família se reunia para assistir Os Trapalhões, com Didi, Dedé, Mussum e Zacarias. Felizmente não se falava em pandemia e vacina. A gente assistia às corridas de Fórmula 1. A expectativa era muito grande para ver o Ayrton Senna do Brasil.

Naquela época o piloto tinha que trocar marchas manualmente, fazer as mudanças: engata a primeira, passa a segunda, terceira, reduz, segunda de novo, faz a curva, ultrapassa… o chato do Galvão gritando na TV… e no final a bandeira da vitória para o Senna. Delírio coletivo. Regozijo de muitos. Perdoa o Galvão. 

A bandeirada era pro Ayrton, mas era como se fosse para cada um dos milhões de brasileiros que o acompanhavam, pelo 12. Aquilo era mágico. A gente ia junto, dentro do cockpit, transpirando a cada curva, sofrendo a cada troca de marcha, vibrando com o som do motor, uma inefável escalada de emoções.

O Senna representava tudo que a gente esperava do Brasil e dos Brasileiros. Era o herói que a gente queria ser, que queria que nossos representantes fossem. Ele era um raio de luz na tempestade. A gente embarcava com ele na baratinha e se esquecia dos problemas mundanos.

Em Senna a gente via um brasileiro de fibra, de respeito, que atropelava os primeiromundistas da Inglaterra, da França, dos Estados Unidos, do mundo todo. Aquele era o Brasil que a gente queria. Ética de verdade. Senna fazia a gente se sentir gente!

O acidente de Maio de 1994 – a morte de Ayrton Senna em Ímola na Itália – matou a alegria, matou um pouco da vida em cada um dos brasileiros. Eu nunca mais assisti a uma corrida de fórmula 1. A morte do Senna ceifou a ilusão, aniquilou a esperança. Foi a morte do gozo.

Assim também nossos representantes têm aniquilado a alegria e a esperança; têm matado um pouco da democracia a cada eleição. Educação, saúde e segurança é o mantra, mas desde a morte do Senna, muito pouco mudou. Ainda somos o país do futuro… um clímax que nunca chega.

(*) Marcelo Mendes Arigony é titular da 2ª Delegacia de Polícia Civil em Santa Maria, professor de Direito Penal na Ulbra/SM e Doutor em Administração pela UFSM. Ele escreve no site às quartas-feiras.

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2 Comentários

  1. Existe uma linha ideologica que abomina a competição. ‘Coisa de americano’ segundo alguns. Olhando o que dizem por la (e na Europa também) o esporte não é ‘simbolo de dominação’ (apesar de alguns certames só com premio de participação, ‘todos ganharam’) ou ‘opressão’. Criaturas aprendem a não obter sucesso (o que acontece na vida de todos), resiliencia, disciplina para buscar o auto-aperfeiçoamento. Ou seja, algo ‘individual’ e não ‘coletivo’. Na França até pouco tempo atras havia 5 mil dojos de judo. Ano passado (ou retrasado) lançaram a campanha para criar 1000 novos só na região de Paris. Esporte da moda nos EUA é o BJJ, Brazilian Jiu-Jitsu. Tupiniquins, sem muita midia ou interesse popular, dominaram o esporte por muito tempo. Hegemonia já está terminando. Os melhores atletas mudaram para os US para abrir academis e faturar em dolar. E o cara do ‘pais do futuro’? Este cometeu suicidio.

  2. ‘Brasil pais do futuro’ é livro de um refugiado austriaco da epoca da Segunda Guerra. Virou propaganda (não no sentido comercial do termo), cenoura na frente da carroça para o burro puxar com mais vontade. Há que ser malandro, a cenoura sempre pode acabar na outra extremidade. Ayrton Senna nunca foi unanimidade. Era ‘queridinho’ da Rede Globo, algo que tentaram fazer com Neymar muito depois. ‘O nosso garoto propaganda é demais’. Opções politicas à parte, Nelson Piquet era de uma epoca em que a tecnologia ainda não tinha papel tão preponderante, não havia equipes de engenheiros numerosas e o piloto era o que fazia diferença (acerto do carro, etc.). Do acidente sobrou Rubinho que virou piada. O que leva a outro assunto, o apreço pela vitoria, não pela competição. Enquanto há um tenista bom, existe interesse. O mesmo vale para a natação. Volei perdeu hegemonia e o interesse caiu. Idem para a Seleção Brasileira. Um pouco, é claro, é sinal dos tempos. Videos de Tik Tok com dois minutos são longa metragens para as novas gerações.

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