Por Samara Wobeto (texto e foto) / Da Revista Arco/UFSM
O período de isolamento social, que ocorreu principalmente em 2020 e 2021, levou as pessoas a aumentarem o consumo de álcool. Essa é a conclusão de um estudo realizado pela Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS) na América Latina e Caribe, no qual cerca de 30% das pessoas entrevistadas são brasileiras. Vitor Calegaro é docente no Departamento de Neuropsiquiatria e médico psiquiatra da Coordenadoria de Ações Educacionais (CAED) da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) e afirma, em análise de estudos sobre a temática que, no caso brasileiro, houve aumento do consumo de álcool, principalmente em homens e, em seguida, um discreto aumento entre o público feminino.
Fatores importantes para o maior consumo, de acordo com o docente, são o isolamento e a tentativa de fuga do sentimento de solidão e transtornos como depressão e ansiedade. “Houve aumento do consumo de álcool segundo a localidade estudada, além de variar conforme a faixa etária. Mas há poucas evidências para comprovar transtornos relacionados, como o alcoolismo, ao seu consumo ou seu uso de maneira abusiva”, descreve Vitor.
Desenvolvido desde o ano de 2020, o estudo Covid-Psiq foi coordenado por Vitor Calegaro e tem como objetivo acompanhar sintomas como estresse, depressão, estresse pós-traumático e práticas como o consumo de álcool em brasileiros durante a pandemia de Covid-19. Em estágio de análises e publicações, o estudo terá mais uma fase neste ano, a fim de ampliar a pesquisa e entender como esses sintomas se manifestaram nos participantes a partir de 2021, ano em que se deu o pior momento da pandemia. A nova etapa já foi aprovada pelo Comitê Nacional de Ética em Pesquisa (Conep). Os dados e resultados que serão destacados nesta reportagem são referentes ao recorte do ano de 2020 e de janeiro e fevereiro de 2021. Vitor alerta que esses dados não podem ser considerados como representantes do período total da pandemia, mas que dão indícios importantes sobre os efeitos dela na saúde mental das pessoas.
Consumo recreativo, abuso e vício
“O uso recreativo é esporádico e mais social”, destaca Vitor. Nesse tipo, o indivíduo não sente necessidade de beber no dia seguinte e não tem sintomas de abstinência. “O uso recreativo, naturalmente, é a porta de entrada para o abuso, mas a maior parte das pessoas que fazem uso não chegam ao ponto de abuso ou de entrar em grau de abstinência”, salienta o docente. De acordo com o Panorama Álcool e Saúde dos Brasileiros de 2022, desenvolvido pelo Centro de Informações sobre Saúde e Álcool (CISA), a socialização é o motivador mais comum para o consumo de bebidas alcoólicas. O consumo de álcool é estimulado pela publicidade, mesmo que hoje ela seja regulamentada, com a necessidade de inserção de avisos como os do tipo ‘Se beber, não dirija’.
“O alcoolismo é um termo genérico que engloba os comportamentos desadaptativos relacionados ao consumo do álcool, mas, se formos mais específicos, há o uso nocivo e/ou abusivo, e há a dependência”, explica Vitor. O primeiro diz respeito às pessoas que, quando bebem, não conseguem controlar a quantidade e têm comportamentos impulsivos e ausência de autocontrole. Já a dependência tem critérios mais definidos, como a síndrome da abstinência e o desenvolvimento de tolerância. “Normalmente, a dependência vai se estabelecer quando a frequência se torna muito intensa: bebe todos os dias, ou então fuma, tanto cigarro quanto outras substâncias, como cocaína”, esclarece. A abstinência é quando a pessoa não consegue viver ‘normalmente’ sem a substância. Sintomas de abstinência do álcool contemplam a sudorese, insônia, tremedeira, ansiedade, alterações de humor, irritabilidade e depressão. E a tolerância é definida pela quantidade do consumo, que precisa ser cada vez maior para ter o mesmo efeito. “O organismo vai se adaptando e vai metabolizando mais rápido às custas de comprometer o fígado, de ter uma lesão hepática”, alerta Vitor. Cada substância terá sintomas de abstinência e graus de dependência diferentes.
Resultados
Em entrevista à Arco, o psiquiatra Vitor Calegaro e o estudante de Medicina da UFSM Caio Domingues apresentaram resultados preliminares da pesquisa Covid-Psiq e destacaram dados sobre a relação entre a pandemia e o consumo de álcool. Confira a seguir:
Linha de frente
O grupo de profissionais da saúde que trabalhou na linha de frente da Covid-19 teve um consumo de álcool maior do que os profissionais que não atuaram. “Um dado interessante que representa o estresse desses profissionais é o álcool como uma tentativa de automedicação. Isso é muito comum”, destaca Vitor.
Desemprego
O consumo de bebidas alcoólicas também aumentou no público de pessoas que, no início da pandemia, não estavam desempregadas, mas perderam o emprego durante o período de isolamento.
Saúde mental
Na primeira etapa da pesquisa, feita em abril de 2020, pessoas com depressão extremamente grave foram o grupo que mais consumiu álcool. Na quarta etapa, que aconteceu em fevereiro de 2021, esse aumento também se deu em pessoas com depressão grave ou extremamente grave. Porém, em quem tinha depressão leve, houve diminuição de uso. Indivíduos com ansiedade extremamente grave e pessoas que sofreram estresses extremamente graves também tiveram aumento significativo.
“Evidenciamos que há uma relação com os sintomas de saúde mental e o consumo de álcool, particularmente falando da gravidade e da quantidade desse consumo”, aponta Vitor. O psiquiatra indica que o consumo de substâncias pode desencadear depressão e outros transtornos mentais, mas que o contrário também acontece. Muitas vezes, o consumo de substâncias é usado na tentativa de automedicação e alívio dos sintomas da doença. “Vale lembrar que a depressão é a principal causa do suicídio, e a segunda é o consumo de substâncias – principalmente o álcool. Muitas vezes, os dois acontecem juntos e essa é uma combinação de risco para a tentativa de suicídio”, alerta…”
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