Ideia do superministro provocou o apagão do governo Bolsonaro – por Carlos Wagner
Guedes, o maior deles. Mas também houve Moro e Damares. Vai daí que...
Lembro-me que durante os governos dos presidentes Fernando Henrique Cardoso (PSDB), Luiz Inácio Lula da Silva (PT), Dilma Rousseff (PT) e Michel Temer (MDB) era muito comum encontrar em nossas matérias a reclamação de que a criação de novos ministérios era usada como moeda para negociar votos no Congresso. Houve uma época em que existiam 35 ministérios.
Em 2018, o então candidato à Presidência da República Jair Bolsonaro (PL) percebeu que a diminuição dos ministérios era simpática à imprensa e a colocou como proposta do seu governo caso fosse eleito. Prometeu que iria reduzir para 15 o número de ministérios. Ao tomar posse, em 2019, ele criou os superministérios, escolhendo a dedo as pessoas que iriam administrar os ministérios que substituiriam vários outros.
Cito o principal deles: o Ministério da Economia, que substituiu as pastas da Fazenda, do Planejamento, do Trabalho e Previdência Social e da Indústria, Comércio Exterior e Serviços. Dirigido pelo economista Paulo Guedes, 73 anos, formado pela Universidade de Chicago (EUA), um neoliberal defensor do modelo econômico implantado no Chile pelo ditador general Augusto Pinochet (1973 a 1990).
Bolsonaro apelidou Guedes de Posto Ipiranga, porque na época existia uma publicidade muito popular que dizia que nos postos de serviço daquela rede de combustíveis os motoristas encontrariam solução para todos os seus problemas. Nunca havia existido um ministro da área econômica que tivesse tanto poder nas mãos como teve Guedes. Nem mesmo durante a ditadura militar que governou o país de 1964 a 1985. É sobre o isso que vamos conversar.
Vamos começar a conversa pela criação de ministérios como moeda de troca para conseguir apoio no Congresso. Teoricamente, os apoios políticos deveriam serem costurados pela afinidade ideológica entre os partidos. Na prática não é assim que funciona no Brasil e muito menos nas mais respeitadas democracias do mundo.
E justamente a vigilância da imprensa que impede os exageros, como foram casos que aconteceram nos governos Fernando Henrique, Lula, Dilma e o Temer – há matéria na internet. O último caso conhecido foi o orçamento secreto, um truque contábil feito pelo governo Bolsonaro com os parlamentares do Centrão em troca de apoio – assunto na imprensa.
Dito isso, os superministérios foram apresentados como uma solução pelo atual governo para evitar o uso de criação de novas pastas como moeda de troca. O tiro saiu pela culatra. Vou usar o caso do superministro Guedes para explicar.
Primeiro, uma explicação que julgo necessário. Não vou falar sobre corrupção. Vou falar sobre incompetência, que não é crime. Também não vou usar o “economês” para dar explicação. Vou falar de maneira direta.
Voltando ao assunto. A concentração de poder econômico nas mãos do ministro Guedes causou uma tremenda confusão na administração federal. Ele retirou dinheiro de universidades, Polícia Federal (PF), Polícia Rodoviária Federal (PRF) e outros órgãos federais para financiar áreas de interesse da campanha de reeleição do presidente da República. Falta dinheiro para a PF fazer passaportes, para a PRF custear a manutenção da sua frota de veículos e há universidades sem dinheiro para pagar a eletricidade.
A exata dimensão dos estragos causados em importantes áreas da economia nacional pela concentração de poderes nas mãos de Guedes só será conhecido pelo governo Lula com o decorrer do tempo. O ministro entra para a história como um arrogante. Certa vez, o vice-presidente da República, general da reserva Hamilton Mourão, falou que Guedes tinha um grande poder de convencimento. Realmente tem. Entre os seus colegas ele é conhecido como “homem capaz de vender geladeira para pinguim”.
Não há exagero na brincadeira. Ele é um homem de mercado, que antigamente era chamado pelos jornalistas como “papeleiro” – vendedor de ações. Ou seja, ele sabe vender o peixe. Colocaram muito poder nas mãos de Guedes e ele acabou enfiando os pés pelas mãos. Esse é o resumo da ópera.
Mas ele não está só nessa história. Essa ideia do superministério foi muito útil para o presidente Bolsonaro usar em seu benefício político próprio as estruturas da União. Como foram os casos dos outros dois superministérios, o da Justiça e Segurança Pública, dirigido por Sergio Moro, ex-juiz federal da Operação Lava Jato. E o Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos, da pastora Damares Alves.
No caso da Justiça e Segurança Pública o presidente usou o seu poder para colocar as pessoas de sua confiança nos cargos-chave da PF e da PRF. A tal ponto que o diretor-geral da PRF, Silvinei Vasques, está sendo investigado por ter usado a estrutura da organização policial para beneficiar a candidatura à reeleição do presidente – matéria da internet. E a ministra Damares se encarregou de tornar oficial todas as teses fantásticas na pauta de costumes do governo.
O que nós aprendemos no exercício diário da nossa profissão de repórter é que a negociação entre os políticos é do jogo. Essa história de superministros e coisas do ramo nunca deram certo, nem mesmo nos regimes totalitários. O resultado da experiência dos superministérios no Brasil simplesmente pode levar o país a um “apagão administrativo”, como mostra um relatório do Tribunal de Contas da União (TCU) entregue à equipe de transição do governo Lula.
Por todos os lados que olharmos o governo Bolsonaro só vemos problemas, muitos sérios, como é o caso do caos nos controles de vacinação que constam nos relatórios do TCU. A democracia do Brasil nasceu em 1985, com a implantação da Nova República. A Constituição de 1988 deu direitos e deveres para os brasileiros que os colocaram no mapa dos países civilizados.
Não é pouca coisa. O governo Bolsonaro foi uma barra para a imprensa porque trouxe uma nova ideia, a de desafiar os jornalistas e inundar o país com fake news. Não inventou novidade. Apenas deu uma versão brasileira para o sistema adotado pelo ex-presidente dos Estados Unidos Donald Trump (republicano) para se eleger em 2016 – há matéria na internet.
Bem, o atual momento pelo qual os brasileiros passam, nós repórteres estamos contando. Qual será o final dessa história? Sei lá. Só tenho certeza que será contado pelos repórteres.
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(*) O texto acima, reproduzido com autorização do autor, foi publicado originalmente no blog “Histórias Mal Contadas”, do jornalista Carlos Wagner.
SOBRE O AUTOR: Carlos Wagner é repórter, graduado em Comunicação Social – habilitação em Jornalismo, pela UFRGS. Trabalhou como repórter investigativo no jornal Zero Hora de 1983 a 2014. Recebeu 38 prêmios de Jornalismo, entre eles, sete Prêmios Esso regionais. Tem 17 livros publicados, como “País Bandido”. Aos 67 anos, foi homenageado no 12º encontro da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (ABRAJI), em 2017, SP.
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