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Transições e platitudes – por Orlando Fonseca

Que estamos em uma fase de transição, na democracia brasileira, só não é perceptível para os mais desatentos. De resto, no mundo todo, encaminha-se uma nova ordem que já dura algum tempo, uma vez que as mudanças tiveram início quando ainda vivíamos os tempos obscuros de uma ditadura. Em democracias mais estáveis, os movimentos entre polos opostos se dá sem sobressaltos – ao menos no campo cultural ou intelectual. No entanto, ao menos a mim causam estranheza os comentários de setores da mídia, chamando a atenção para iniciativas ou ações do governo no “campo da esquerda”. Tirando o fato de que, durante muitos anos, tudo o que diz respeito à política foi demonizado, não é possível querer vender (a estas alturas) como ameaça o que se desenrola naturalmente como movimento pendular entre “direita e esquerda”. Só posso imaginar que isso é um efeito colateral da ascensão do campo conservador, até que chegou ao poder nas eleições de 2018. Ou ainda da tentativa de setores da elite que quiseram emplacar uma tal “terceira via”, insistindo em uma “polaridade” que, na área política (programática, partidária) não existia. O que deu margem, inclusive, para que o fantasma do “comunismo” voltasse a ganhar força na mente de quem não perdeu o imaginário infantilizado que os anos de exceção fizeram perdurar, contra todas as evidências.

Para começo de conversa, não há regime comunista implantado (ao menos nos cinco exemplos atuais) sem um processo revolucionário, ou seja, com o uso da força para eliminar a propriedade privada. Pelo voto, na prática, não há país que tenha se tornado comunista, e os assim chamados não atingiram o tipo de organização que os definiria como tal. Tivemos no país a chamada Intentona Comunista em 1935, que deu em nada, pois não havia condições materiais para que se propagasse pelo país o seu propósito. Assim como, no infame dia 8 de janeiro deste ano, a Intentona Fascista também malogrou (não passou de um delírio). Quando em 1964, o movimento civil-militar deu um golpe, com a desculpa de que estaria livrando o país do comunismo, também não havia condições materiais de que grupos armados pudessem tomar o Brasil – este país continente, diverso em clima, relevo e cultura. Digo que foi “desculpa” porque pretendo admitir que havia “inteligência”, tanto entre as forças armadas, quanto no estamento político formado pela elite econômica e pela intelectualidade liberal brasileira.

Quando em campanha, o atual governo anunciou como prioridades o combate à fome, à desigualdade social, e ao desmatamento (símbolo do descuido com o ambiente natural). Estas pautas estão, hoje, para além da esquerda política. No período pós-guerra, até meados do século passado, eram palavras de ordem da militância socialista. O que se confundia com os grandes temas da geopolítica mundial, por efeito da Guerra Fria, em que se definiam os polos capitalista (EUA) e socialista (URSS). Hoje, tanto as administrações de grandes nações europeias e até mesmo asiáticas, quanto os movimentos populares têm nestes temas as suas medidas governamentais ou bandeiras de luta. Percebe-se em muitos lugares um capitalismo esclarecido, que encaminha para o centro a política chamada de direita. Assim como, na maioria dos casos, os regimes socialistas já entenderam que as políticas públicas – tanto em termos sociais como ambientais – só prosperam em um ambiente de liberdade econômica. Veja-se o caso da Republica Popular da China – comunista – que vai se transformando na maior potência econômica do planeta. De modo que encaro como natural que o atual governo brasileiro tome medidas para implantar a política que anunciou em campanha eleitoral e que promova encontros pelo mundo para encaminhar as pautas a favor desses temas: combate à fome e cuidado com o ambiente natural. Isso não é comunismo, isso se chamava em outros tempos de “realpolitik”. É tão óbvio que até fico constrangido de ter tomado seu tempo, caro leitor, com uma consideração dessas. Mas, observando o que se tem dito nos jornais e comentários de rádio e TV, entendo como necessário repetir platitudes como essas.

(*) Orlando Fonseca é professor titular da UFSM – aposentado, Doutor em Teoria da Literatura e Mestre em Literatura Brasileira. Foi Secretário de Cultura na Prefeitura de Santa Maria e Pró-Reitor de Graduação da UFSM. Escritor, tem vários livros publicados e prêmios literários, entre eles o Adolfo Aizen, da União Brasileira de Escritores, pela novela Da noite para o dia.

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6 Comentários

  1. Americanas tinha Governança Ambiental e Social. Quebrou. Alfabeto (Google), Twitter, big techs em geral também têm ESG. Demitem em massa. Acabou para muitos trabalhar em casa, acabou no ambiente de trabalho mesa de pebolim mesa de ping pong, sala de meditação, sala de yoga. O ‘capitalismo esclarecido’ fez agua. Era esperado.

  2. ‘ o combate à fome, à desigualdade social, e ao desmatamento ‘ não passam de motes de propaganda. Gestão de imagem. Quem pode ser contra isto? ‘Se nós somos o bem, quem é contra nos so pode ser ‘do mal”. Mentalidade terceiro ano primario. Algo que o governo de plantão não falou na campanha, se falasse não se elegeria, é que seria um Dilma III, a humilde e capaz. Alas, tudo muito generico, vão combater mas não dizem como. Porque se falam que são as medidas ideologicas de sempre que nunca deram certo não se elegeriam. Não é ‘comunismo’ (embora existam comunistas no governo) e nem realpolitik, é burrice, ignorancia, incomPeTencia e picaretagem misturados. É um penico cheio de fezes embrulhado para presente. Simples assim.

  3. Intentona Comunista aconteceu porque Prestes mentiu para Moscou (Olga era guarda-costas dele) que haviam as condições para um golpe. Deu fezes. Por isto em 1964 ele foi contra a luta armada. Intentona Integralista, havia diferenças entre os movimentos. Filhotes de Goebbels acham que ‘tem razão’ quem não cansa de repetir a mesma lorota. Em 1964 a informação era mais escassa, havia o fantasma do tal ‘dispositivo militar’, a conjuntura era outra, Guerra Fria. Nenhum espanto, vermelhos não conseguem assimilar muito bem o conceito de ‘inteligencia’, algo estranho a eles.

  4. ‘não há regime comunista implantado (ao menos nos cinco exemplos atuais) sem um processo revolucionário’ rematada bobagem. Primeiro presidente de Cuba apos o movimento que derrubou Fulgencio Batista (1959) foi um advogado liberal chamado Manuel Urrutia Lleó. O primeiro ministro apontado logo depois do golpe de Estado foi José Miró Cardona, um advogado independente. Durou semanas. Aconteceu o movimento para derrubar Fulgencio e depois os comunas tomaram conta. Revolução Russa foi na mesma base. Ja no ‘Bolivarianismo’ Venezuelano o negocio aconteceu via ‘eleições’ e ‘reformas institucionais’.

  5. Democracias mais estaveis, onde seria isto? Pais dos ianques não é. Na França Macron e Le Pen. Na Italia uma primeira ministra que desagradou a conhoteira. Canada vive praticamente um Estado de exceção. Primeira ministra da Nova Zelandia apesar do apoio da classe politica e cultural teve que renunciar devido aos baixos indices de popularidade. Para dar uma chance ao partido nas eleições vindouras. Alas, os defensores do lockdown durante a pandemia fazem que não é com eles, teve revoltas até na China.

  6. Bem fácil de explicar, nem todos, inclusive os que estudaram ciencia politica, não têm o grau de atenção de um professor de literatura aposentado. Alas, programas de ciencias politicas nas universidades deveriam ser encerrados porque para entender de politica é melhor ir para Letras e estudar Machado de Assis. Resumo é simples, quando o ego é muito grande e a capacidade é muito pequena a ultima some atras do primeiro.

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