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SAÚDE. Volta de doenças controladas ameaça as crianças brasileiras. Pólio e o sarampo, entre elas

Falta de vacinação pode fazer retornar enfermidades já eliminadas no País

Por Rebeca Villaça Kroll (com Artes de Vinicius Gumisson Motta) / Da Revista Arco/UFSM

Desde 2016, o Brasil sofre uma queda nos índices de vacinação e, desde 2020, a cobertura vacinal total da população não chega a 70%, de acordo com o DataSUS. Estes dados são alarmantes, visto que o objetivo do Ministério da Saúde é manter as taxas em 95%. Dentre os índices afetados, estão os das vacinas que evitam doenças infantis como a poliomielite e o sarampo, ambas abaixo da meta. Essas doenças já foram eliminadas ou controladas no país, no entanto, o constante declínio da cobertura vacinal aumenta o risco de retorno dessas enfermidades.

A poliomielite, por exemplo, foi erradicada do território nacional em 1994, então são quase 30 anos sem casos detectados. Porém, o país tem alto risco de reintrodução da doença. Em apenas 10 anos a cobertura vacinal da poliomielite foi de 96,5% em 2012 para 77% em 2022, uma queda de aproximadamente 20%.

O sarampo também é uma doença que ameaça voltar. As campanhas de vacinação levaram o Brasil a conquistar o certificado de eliminação da doença em 2016, mas três anos depois, em 2019, o país perdeu o reconhecimento. Naquele ano, o país registrou 81,5% de cobertura vacinal, mas desde então os índices caíram e em 2022 a cobertura foi de apenas 53% conforme dados do DataSUS.

Para a infectologista pediátrica do Hospital Universitário de Santa Maria (HUSM), Maria Clara Valadão, o cenário é preocupante. A médica relata que nos últimos anos se tornou comum atender pacientes com o calendário vacinal incompleto. “Às vezes não é a total falta da vacinação, mas a falta dos reforços, a falta de completar o calendário, muitas vezes a criança não tomou todas as doses necessárias. Estamos sempre atentos para essas velhas patologias que a gente não vê mais e estamos temendo a volta, pois com os índices baixos é só uma questão de tempo” afirma.

De acordo com o relatório “Situação Mundial da Infância 2023: Para cada criança, vacinação” lançado pelo UNICEF em abril deste ano, 1,6 milhão de crianças brasileiras não receberam nem a primeira das três doses da vacina contra a pólio entre 2019 e 2021.

Por que as doenças voltam?

O médico epidemiologista e professor de Saúde Coletiva da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Marcos Lobato, explica que a eliminação é diferente da erradicação. Para uma doença ser considerada erradicada é preciso que ela desapareça no mundo todo, já a eliminação diz respeito a um local específico onde não têm mais relatos de casos. “Quando a gente tem a eliminação de uma doença num território, num país, ele recebe um certificado pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Essa certificação significa que aquele local não tem mais casos de uma doença específica, mas isso não quer dizer que ela não pode voltar, pois ela não foi erradicada” explica o professor.

Por isso, as baixas taxas de imunização acendem um alerta para o risco de novos surtos e reinserção de doenças que já haviam sido eliminadas no Brasil. Além disso, Lobato destaca que a poliomielite e o sarampo são as mais preocupantes, mas outras doenças também podem voltar.

“A gente pode ter um aumento de outras doenças exantemáticas, que são doenças infecciosas comuns de aparecerem na infância e causam irritação na pele como a rubéola, por exemplo. Também podemos ter um aumento de difteria, coqueluche e das meningites. Todas essas doenças, que têm vacinas, tiveram uma queda da cobertura vacinal”, comenta o médico.

A pediatra Maria Clara destaca que a volta de doenças eliminadas vai impactar muito o Sistema Único de Saúde (SUS) e os hospitais públicos. “Praticamente todos os hospitais públicos do nosso país sofrem com a deficiência de leitos de UTI e de UTI pediátrica. A nossa UTI está sempre superlotada e isso gera muitos problemas também de infecção hospitalar. No momento já estamos com dificuldades, então se várias doenças que não eram mais nossas preocupações voltarem, a situação vai ficar ainda pior” ressalta.

Poliomielite

Conforme o Ministério da Saúde a poliomielite, também conhecida como paralisia infantil, é uma doença contagiosa causada pelo vírus poliovírus que, apesar de infectar crianças com maior frequência, também pode atingir adultos. A maior parte das infecções apresenta nenhum ou poucos sintomas que podem ser febre, dor de garganta, náusea, vômito e dor abdominal. De acordo com a Fiocruz, cerca de 1% dos infectados pelo vírus podem desenvolver a forma paralítica da doença, que pode causar sequelas permanentes, insuficiência respiratória e, em alguns casos, levar à morte.

“Poliomielite é uma doença bastante grave, pode causar graves sequelas motoras, pode levar os pacientes a ficarem paraplégicos ou até mesmo levar à morte quando o quadro é muito intenso. Então é muito importante vacinar as crianças contra a pólio”, confirma a pediatra Maria Clara.

A pólio ainda não foi erradicada e permanece em dois países, no Afeganistão e Paquistão, com registro de 05 casos em 2021. Por isso, existe a preocupação com o seu retorno, pois mesmo que a distância geográfica seja grande os vírus se propagam com facilidade.

Atualmente, não existe tratamento específico para a doença e a vacinação é sua única forma de prevenção. Todas as crianças menores de cinco anos devem ser vacinadas conforme o calendário vacinal.

Ainda segundo a Fiocruz, a imunização contra a poliomielite deve ser iniciada a partir dos 2 meses de vida, com mais duas doses aos 4 e 6 meses, além dos reforços entre 15 e 18 meses e aos 5 anos de idade. A imunização é feita de duas formas: a aplicação VIP (vacina inativada injetável) com seringa e a VOP (vacina atenuada oral) que são as gotinhas.

VIP – É aplicada na rotina de vacinação infantil, aos 2, 4 e 6 meses, com reforços entre 15 e 18 meses e entre 4 e 5 anos de idade.

VOP – Na rede pública as doses, a partir de um ano de idade, são feitas com VOP. Na rotina de vacinação infantil contra pólio nas Unidades Básicas de Saúde (UBS), é aplicada nas doses de reforço dos 15 meses e dos 4 anos de idade e em campanhas de vacinação para crianças de 1 a 4 anos.

Em junho deste ano o Ministério da Saúde anunciou que a vacinação em gotas será gradualmente substituída pela injetável a partir de 2024. De acordo com o órgão, “as estratégias de vacinação adotadas no Brasil, assim como os imunizantes indicados para cada público, levam em conta o avanço tecnológico do setor e novas evidências científicas”.

Sarampo

De acordo com a Fiocruz, o sarampo é uma doença infecciosa viral, extremamente contagiosa e muito comum na infância. Os sintomas iniciais são febre acompanhada de tosse persistente, irritação ocular e corrimento do nariz. Após estes sintomas, geralmente há o aparecimento de manchas avermelhadas no rosto, que progridem em direção aos pés.

Além disso, pode causar infecção nos ouvidos, pneumonia, ataques (convulsões e olhar fixo), lesão cerebral e morte. Posteriormente, o vírus pode atingir as vias respiratórias, causar diarréias e até infecções no encéfalo, centro do sistema nervoso humano. Sua transmissão ocorre quando o doente tosse, fala, espirra ou respira próximo de outras pessoas.

A maneira mais efetiva de evitar o sarampo também é pela vacinação. As crianças devem tomar duas doses da vacina combinada contra rubéola, sarampo e caxumba, chamada de tríplice viral. A primeira dose, com um ano de idade e a segunda, entre quatro e seis anos. Confira abaixo o calendário vacinal completo para crianças:

Por que os índices caíram e como aumentá-los?

Para a pediatra Maria Clara um dos fatores da queda dos índices de imunização é a própria eficácia das vacinas, pois como os casos diminuem as pessoas tendem a esquecer da existência de algumas doenças e de como elas podem ser graves. Além disso, para a médica, o movimento antivacina e a desinformação também contribuíram para esse cenário.

“O negacionismo contribuiu para que as pessoas começassem a desconfiar do processo vacinal que é extremamente seguro. Ele influenciou na decisão de várias famílias de não vacinar ou adiar as imunizações. Outro fator é a desinformação, eu tenho atendido muitas famílias que não levaram a criança para vacinar porque ela estava resfriada e isso não é uma contra indicação para a imunização”, relata a infectologista.

O professor Lobato destaca que problemas na gestão da saúde pública também contribuíram para a queda dos índices. Entre eles a aprovação do teto de gastos em 2016 e o congelamento nos investimentos e gastos com saúde pelo governo federal.

O especialista acredita que agora é preciso retomar as campanhas de educação para a saúde e conscientizar as crianças sobre a importância da vacina. Por exemplo, o médico relembra o sucesso de personagens como o “Zé Gotinha” para aumentar os índices vacinais.

“As pessoas devem cuidar do calendário vacinal. As vacinas são a tecnologia mais avançada que a humanidade já desenvolveu para prevenir doenças. Precisamos voltar a fazer propaganda de vacinação nas mídias e dizer que a vacina é muito boa e que ela protege a população inteira. A vacina é muito segura e é milhares de vezes mais segura para o usuário do que ele ter uma doença” afirma o médico.

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