O oito de janeiro, oito meses depois – por Leonardo da Rocha Botega
Uma obra do tempo presente: “Como não fazer um golpe de Estado no Brasil”
Passados oito meses da tentativa de Golpe perpetuada pelo bolsonarismo no último dia 8 de janeiro, a Editora da Universidade de Pernambuco – EDUPE – nos brindou com o livro “Como não fazer um golpe de Estado no Brasil: uma História Interna do 8 de janeiro de 2023”, escrito pelos historiadores Francisco Carlos Teixeira da Silva e Karl Schurster. A obra é parte da Coleção Tempo Presente e se propõe, justamente, a analisar os eventos do 8 de janeiro “no calor da hora”.
Escrever sobre o que muitos historiadores definem como História do Tempo Presente ou História Imediata é algo extremamente desafiador, sobretudo, por se tratar de uma escrita sobre um evento que não está concluso e que, portanto, é cheio de controvérsias e versões em disputa. Aliás, qual História não o é? Obviamente, os limites das fontes próximas e os cuidados ainda mais aguçados com estas dificultam a objetividade tão necessária nas ciências sociais e humanas.
Francisco Carlos Teixeira da Silva e Karl Schurster, dois historiadores de qualidade inquestionável, lidam muito bem com esse e com outros desafios, propondo uma interligação entre os elementos da longa duração (as estruturas) e da conjuntura. Os autores produzem uma análise que insere a tentativa de golpe do 8 de janeiro no longo histórico golpista e antidemocrático que permeia a sociedade brasileiras e suas instituições, entre essas as Forças Armadas.
A partir deste exercício de “jogo de temporalidades”, inserindo a realidade brasileira no contexto mundial, o texto aponta para uma conclusão provisória: o retorno da Insurreição Fascista. Com tal conclusão, Francisco Carlos Teixeira da Silva e Karl Schurster não fazem os rodeios que alguns intelectuais, que em 2016 estiveram ao lado dos seus futuros algozes, fazem.
Não temem em chamar o fenômeno do bolsonarismo pelo seu verdadeiro conceito: fascismo! Um “fascismo tropical” (palavras minhas), como também o fora o Integralismo na década de 1930, que nunca escondeu a sua natureza fundada na política de extermínio.
Por ter sido escrito antes da CPI dos Atos Golpistas e dos aprofundamentos das investigações por parte da Polícia Federal e do Supremo Tribunal Federal, o livro carece dos novos detalhes revelados no âmbito destas.
Porém, isso não invalida sua tese de que, longe de ser uma ação espontânea de um conjunto de manifestantes revoltados com os resultados eleitorais, a tentativa de Golpe de Estado foi de fato orquestrada por uma cadeia de comando que reuniu agentes públicos, sobretudo das forças de segurança, e o núcleo político do governo derrotado nas eleições de 2022. Tese está inclusive reforçada por algumas fontes do Alto Comando Militar ouvidas pelos autores.
Em tempos em que o bolsonarismo, utilizando mais uma vez o negacionismo histórico e a lógica das teorias da conspiração, tente imputar a sua fracassada obra golpista no governo que pretendia golpear, num exercício que é para além de surreal, “Como não fazer um golpe de Estado no Brasil” é uma leitura fundamental.
Uma pequena obra com um valor gigantesco para aqueles que, imbuídos da tradição humanista, estiveram nos últimos anos (e ainda estão) nas fileiras da defesa da democracia e dos direitos humanos em um país onde, para muitos fardados ou engravatados, tais valores são apenas palavras.
(*) Leonardo da Rocha Botega, que escreve regularmente no site, é formado em História e mestre em Integração Latino-Americana pela UFSM, Doutor em História pela UFRGS e Professor do Colégio Politécnico da UFSM. É também autor do livro “Quando a independência faz a união: Brasil, Argentina e a Questão Cubana (1959-1964).
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