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STF usa a pedagogia do óbvio para explicar que não existe o poder moderador – por Carlos Wagner

“A riqueza de detalhes dos votos dos ministros é uma leitura obrigatória”

Constituintes evitaram deixar uma porta aberta a aventureiros. Não podiam prever a proliferação das fake news (Foto Reprodução)

Foi em 2016, quando começou a tramitar e tomar corpo no Congresso o processo de impeachment da então presidente Dilma Rousseff (PT), que passou a circular nas redações dos jornais e nas mesas dos botecos frequentados por jornalistas a conversa sobre uma interpretação do Artigo 142 da Constituição que atribuiria o poder moderador para as Forças Armadas decidirem eventuais conflitos entre o Executivo, o Legislativo e o Judiciário.

Não levei a sério a conversa porque a Constituição, publicada em 1988, foi elaborada, direta e indiretamente, por políticos do calibre de Ulysses Guimarães (1916-1992), Leonel Brizola (1922-2004) e o atual presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Eles não deixariam uma porta aberta que facilitasse a volta dos militares que deram o golpe de estado em 1964 e ficaram no poder até 1985, deixando um rastro de crimes contra opositores políticos e incompetência administrativa.

A presidente Dilma foi cassada. Em 31 agosto de 2016, assumiu o seu vice, Michel Temer, 83 anos (MDB). No início de 2019, assumiu a Presidência da República Jair Bolsonaro (PL), capitão do Exército reformado que fez carreira na política defendendo os ideais dos torturadores do golpe militar. O seu vice foi o general da reserva Hamilton Mourão, uma figura decorativa no governo.

No dia seguinte ao sentar-se na cadeira de presidente do Brasil, Bolsonaro começou a articular um golpe de estado. Inflando entre os seus seguidores e simpatizantes a história do poder moderador das Forças Armadas. Vários juristas publicaram artigos e participaram de seminários defendendo a ideia. Do outro lado, também juristas renomados, professores universitários, ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e cientistas políticos falavam que tal poder não existia.

Aqui um esclarecimento que julgo necessário. Não vou citar os artigos e seus autores contra e favor do tal poder moderador das Forças Armados por dois motivos. Primeiro, porque estão disponíveis na internet. E, segundo, porque o foco da nossa conversa é outro. O nosso foco é o seguinte. Os 559 parlamentares (26 mulheres) que negociaram e escreveram a Constituição foram bem claros. Existem três poderes no Brasil: Executivo, Legislativo e Judiciário. Tomaram todos os cuidados técnicos e políticos para não deixar uma porta aberta no texto constitucional que facilitasse a volta dos militares.

Vejam bem: eles tomaram todos os cuidados técnicos e políticos na construção do texto constitucional. Mas não poderiam ter previsto duas coisas. A primeira foi o surgimento e a popularização da internet, dos telefones celulares e das redes sociais. E, por último, a rearticulação internacional da extrema direita ao estilo do nazismo dos anos 30, na Alemanha de Adolf Hitler, e do fascismo, na Itália de Benito Mussolini, os dois artífices da Segunda Guerra Mundial, um conflito que deixou um rastro de 70 milhões de mortos.

Nos dias atuais, pessoas como Steve Bannon, ex-assessor do ex-presidente dos Estados Unidos Donald Trump (republicano), montaram uma verdadeira máquina de fake news que transforma mentiras em verdades. No Brasil, o ex-presidente Bolsonaro é o representante maior da extrema direita. Um dos fios da linha que costurou a tentativa de golpe de Bolsonaro foi a história do poder moderador das Forças Armadas. Vendeu essa ideia e, por conta disso, no dia 8 de janeiro de 2023 centenas dos seus seguidores quebraram tudo que encontraram pela frente no Congresso, no Palácio do Planalto e no STF, em Brasília (DF).

Pode parecer chover no molhado. Mas é importante o fato de 11 ministros do STF estarem julgando a existência, ou não, na Constituição do poder moderador das Forças Armadas. Porque na atual realidade a maioria da população é consumidora de fake news. Os ministros já formaram maioria reafirmando que tal poder moderador não existe.

Aqui é o seguinte. A riqueza de detalhes dos votos dos ministros é uma leitura obrigatória para jornalistas e professores das faculdades. Tudo pode ser encontrado na internet. Reafirmar o óbvio e acrescentar “riquezas de detalhes” é uma marca do nosso tempo. O comandante do Exército, general Tomás Paiva, e outros altos oficiais da Marinha e da Força Aérea Brasileira (FAB) concordaram e reafirmaram a posição legalista dos militares.

Em dezembro de 2023 fiz o post PEC dos militares evita que Brasil se transforme em uma república de bananas. Em síntese, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 21/21 disciplina o que o militar da ativa pode e não pode fazer na vida civil – há matérias na internet. É o seguinte. As Forças Armadas do Brasil começaram a trilhar um caminho de profissionalização que não tem retorno. Porque são enormes os desafios que as tropas têm para proteger as fronteiras do país.

O inimigo não são as forças armadas dos países vizinhos. Mas organizações criminosas com um imenso poder de fogo e serviços de inteligência ao seu dispor, que usam o território nacional para transportar drogas, especialmente cocaína, para os grandes mercados consumidores dos Estados Unidos e da Europa. Essas organizações estão investindo pesado nos garimpos clandestinos nas terras indígenas da Floresta Amazônica.

Os soldados brasileiros são treinados para guerras convencionais. E o inimigo não é tradicional. Muito pelo contrário, é formado por mercenários muito bem treinados em vários cantos do mundo. Para enfrentar essa nova realidade, as Forças Armadas precisarão ser reequipadas, o que significa que a indústria bélica nacional deve ampliar os seus quadros de profissionais. Ao redor do mundo, esse tipo de indústria gera tecnologia de ponta.

PARA LER NO ORIGINAL, CLIQUE AQUI.

(*) O texto acima, reproduzido com autorização do autor, foi publicado originalmente no blog “Histórias Mal Contadas”, do jornalista Carlos Wagner.

SOBRE O AUTOR:  Carlos Wagner é repórter, graduado em Comunicação Social – habilitação em Jornalismo, pela UFRGS. Trabalhou como repórter investigativo no jornal Zero Hora de 1983 a 2014. Recebeu 38 prêmios de Jornalismo, entre eles, sete Prêmios Esso regionais. Tem 17 livros publicados, como “País Bandido”. Aos 67 anos, foi homenageado no 12º encontro da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (ABRAJI), em 2017, SP.

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8 Comentários

  1. O que leva a outro assunto, os ‘nacionalistas’ cabeças de bagre. O KC-390 é produzido pela Embraer. O sistema de navegação é fornecido pelo Grupo Thales frances. Os sistemas de autodefesa são fornecidos pela Elbit israelense. As turbinas, sem as quais o avião não funciona, são de uma joint-venture com sede na Suiça. Basicamente são Pratt & Whitney ianques. Nesta hora algum(a) imbecil vai afirmar que é ‘melhor que o C-130’. Problema é que o avião tupiniquim só tem a versão de carga. O avião ianque (lockheed) tem a versão de guerra eletronica, a ‘super’, etc. A versão AC-130 é praticamente um ‘tanque com asas’, uma das variantes tem varios misseis, um canhao de 105 mm e um canhão rapido (trocentos tiros por minuto) de 30 mm. Tudo isto porque uns medicos e uns causidicos tem o costume de falar do que não sabem.

  2. ‘[…] as Forças Armadas precisarão ser reequipadas, o que significa que a indústria bélica nacional deve ampliar os seus quadros de profissionais. Ao redor do mundo, esse tipo de indústria gera tecnologia de ponta.’ Pensamento mágico. Tecnologia de ponta só surge onde existe mão de obra extremamente qualificada e orçamento. Não é a placa na frente do predio que gera tecnologia. Alas, a Avibras esta sendo vendida para uma empresa australiana. Alas, a Embraer não foi vendida para a Boeing (que anda em crise). O que não impediu a empresa ianque de montar um centro de pesquisa no Parque de Inovação Tecnologica de São José dos Campos e contratar 500 engenheiros, grande parte ‘chupinhados’ da Embraer que era o objetivo inicial.

  3. Pouco noticiado, a Guarda Nacional do estado de Nova Iorque (é estadual) ‘emprestou’ 750 militares de fim de semana para patrulhar o metro da cidade de NY. Mais a policia estadual. Crise migratoria, explodiu a criminalidade.

  4. ‘Os soldados brasileiros são treinados para guerras convencionais.’ Até o paragrafo dois. O tempo é curto e o orçamento é mais ainda. Maioria tem a ideia errada que nos meios militares é so mandar o pessoal pegar uma arma e subir num caminhão para cumprir alguma missão. Existe todo um planejamento antes. Para as missões de paz no Haiti havia um periodo de adestramento, ao menos no inicio, de 6 meses antes da viagem. Até na Ianquelandia antes de uma tropa ir para o Afeganistão era assim. Jogador entrar ‘frio’ na partida não dá certo. Obvio existem exceções, tropas de pronto emprego. Brigada Paraquedista, o Comando de Operações Especiais, a Brigada Aeromovel de SP, os PELOPES aqui no sul. Mais ou menos isto.

  5. ‘Nos dias atuais, pessoas como Steve Bannon, ex-assessor do ex-presidente dos Estados Unidos Donald Trump (republicano), montaram uma verdadeira máquina de fake news […]’. Teorias da conspiração internacional.

  6. ‘[…] a rearticulação internacional da extrema direita ao estilo do nazismo dos anos 30, […]’. Autor escreve para sua bolha, bem entendido isto. Ficar repetindo a mesma bobagem não muda a opinião de ninguem.

  7. ‘A primeira foi o surgimento e a popularização da internet, dos telefones celulares e das redes sociais.’ Em 1964 não havia nada disto. Como é que os ‘genios’ das humanas irão prever o avanço tecnologico em leis? Vide o ‘luminar’ Luiz Fux. “A inteligência artificial é muito mais inteligente que a inteligência humana”. Não, não é. Estamos muito longe da AGI. Não vai ser adotada ‘goela abaixo’ da CF. Solução? Uma grande ‘regulamentação’. Gente que não sabe do que fala estabelecendo metas impossiveis.

  8. Mais baboseira. Gente tão entranhada na burocracia que para golpe de Estado é necessario licença em tres repartições publicas, muitos carimbos e todas as firmas reconhecidas em cartório. É muito mais simples: põe-se a tropa na rua, prende-se quem tem que prender e fim da historia. Aconteceu um ou dois na Africa recentemente.

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