A política externa dos Estados Unidos – Parte 2 – por José Renato Ferraz da Silveira
Após a 2ª Guerra, os EUA assumiram ‘papel de artífices da ordem internacional’
“Precisamos entender que há uma diferença entre ser um partido que se preocupa com o trabalho e ser um partido trabalhista. Há uma diferença entre ser partido que se preocupa com as mulheres e ser um partido feminista. E podemos e devemos ser um partido que se preocupa com as minorias sem se tornar um partido das minorias. Em primeiro lugar, somos cidadãos”.
Senador Edward M. Kennedy, 1985
A tentativa idealista de W. Wilson (28° presidente dos Estados Unidos) consistia no primeiro esforço de os Estados Unidos serem os artífices da ordem internacional – ordem essa considerada tão importante para seus assuntos domésticos. Houve uma recusa por parte do Senado. E Wilson foi derrotado pelo próprio partido Democrata. E os republicanos ganharam as eleições presidenciais e decidiram “o retorno da nação a normalidade” a partir do fortalecimento da economia independente da influência externa.
Essa recusa não se repetiu 25 anos depois: após a Segunda Guerra (1939-1945), os Estados Unidos assumiram plenamente o papel de artífices da ordem internacional, ainda que um pouco diferentemente dos projetos do então presidente Franklin D. Roosevelt.
Em todo caso, as bases de uma ordem multilateralista e economicamente liberal foram lançadas, vigente até os dias atuais. Embora Lilla considere que “o liberalismo americano no século XXI está em crise: uma crise de imaginação e ambição da nossa parte”.
Pois bem, após 1947, a dinâmica política mundial levou os Estados Unidos a um conflito político e “ideológico” com a União Soviética, em que o recurso às armas, depois de 1949, viu-se irrealizável em virtude do novo armamento atômico disponível. Raymond Aron cunhou duas sentenças clássicas a partir disso: “guerra improvável, paz impossível”; “inimigos, porém irmãos”.
É interessante notar que, se a teoria realista clássica explicaria esse conflito simplesmente como a oposição entre os dois grandes atores do sistema, foram as características filosóficas de cada um desses atores que os levaram à disputa de ideias e de modelos de sociedade: afinal, tanto os Estados Unidos como a União Soviética tinham ambições universalistas em suas maneiras de ver o mundo, percebendo-se cada qual como únicos e destinados a reformar as sociedades e instituir novos seres humanos (o que a China aparenta não desejar neste século XXI, apenas negócios e cada um com sua forma de governo, forma de viver e etc).
Durante a Guerra Fria (1947-1991), houve avanços e recuos por parte dos Estados Unidos. A estratégia de contenção pensada por George Kennan (1904-2005) sofreu alterações e revezes.
Importa notar que o período de 1989 a 1991 assistiu ao súbito colapso do bloco comunista europeu, após uma década de retomada dos esforços anticomunistas pelos Estados Unidos.
Embora se esforçassem para acabar com o grande rival, os norte-americanos foram pegos de surpresa pelos acontecimentos – assim como o resto do mundo, diga-se de passagem –, não neles interferindo e ficando em compasso de espera.
Como diz Pecequilo: “O fim da Guerra Fria trouxe dois resultados para os Estados Unidos: em um primeiro momento, proclamou-se uma nova era para o mundo, de paz, cooperação e relações amistosas entre todas as nações: são o “fim da história”, de Francis Fukuyama, e a “Nova ordem mundial”, de George Bush, pai, de que a aliança internacional contra a agressão iraquiana ao Kuwait, organizada pelos Estados Unidos com o ativo apoio da Organização da Nações Unidas, foi o símbolo maior. Após o desfecho surpreendente da Guerra Fria, longos debates internos a respeito da nova configuração de poder nas Relações Internacionais e os estadunidenses propuseram a si mesmos: neoisolacionismo, choque de civilizações, mundo “unimultipolar”, engajamento seletivo – além, é claro, das polêmicas a respeito do declínio da superpotência, muito em voga no início dos anos de 1990”.
Um evento marca uma nova era nas Relações Internacionais: o 11 de setembro.
O dia 11 de setembro de 2001, dificilmente será esquecido (principalmente no imaginário coletivo estadunidense), seja por especialistas em política internacional, seja por pessoas interessadas no assunto ou meramente espectadores diários dos telejornais.
Nesse dia, quatro aviões de passageiros sequestrados nos Estados Unidos, pertencentes a companhias locais, American Airlines e United Airlines, e comandados por terroristas atingiram símbolos tradicionais do poderio econômico e militar norte-americano, causando milhares de mortes.
Em Nova Iorque, dois ataques de boeings provocaram a explosão e o desabamento das torres gêmeas do World Trade Center, e na capital Washington DC, o Pentágono foi atacado, surgindo hipóteses posteriores que outros alvos possíveis (e preferenciais seriam a Casa Branca e o avião presidencial, Air Force One).
O quarto avião caiu em uma floresta em Pittsburgh, aparentemente sem ter atingido seu objetivo, que seria Camp David. Tanto dentro quanto fora, assistimos perplexos à destruição e, principalmente, à queda de um mito: a inviolabilidade do território continental norte-americano.
Preservada pelos mares e fronteiras, a massa terrestre do país sempre foi encarada como um alvo relativamente inacessível em tempos de guerra ou a ataques terroristas.
Tal percepção não vinha somente do fato geopolítico, da proteção trazida pelos Oceanos Atlântico e Pacífico ou pela relação de amizade existente ao norte com o Canadá e ao sul com o México, mas de uma realidade concreta. Ao longo dos anos, o país passou por duas guerras mundiais, a Guerra Fria, conflitos menores e localizados com Coreia e Vietnã, mantendo-se praticamente ileso a uma violenta penetração externa.
Embora essa penetração tenha ocorrido, mas em episódios esporádicos, como Pearl Harbor, em 1941, e ao atentado ao próprio World Trade Center em 1993, as circunstâncias foram diferentes.
No caso de Pearl Harbor, que hoje está sendo diretamente comparado aos recentes incidentes, algumas semelhanças e diferenças precisam ser apontadas.
Entre as semelhanças, podemos destacar o aspecto kamikaze dos ataques, nos quais o desejo da morte e vingança por parte dos perpetradores era bastante elevado.
Todavia, as diferenças são maiores (como aponta Pecequilo):
a) O mundo estava em uma época de guerra, o inimigo era claramente definido, o ataque foi realizado em uma base distante do continente e, por fim, é sabido que o governo norte-americano permitiu o desenrolar dos acontecimentos para convencer a opinião pública, ainda isolacionista, da necessidade de o país entrar na guerra.
b) No caso do atentado anterior ao World trade Center, também realizado no início de mandato de uma nova presidência, foi uma ação isolada e localizada, causando “poucos estragos humanos e materiais”.
c) Outros ataques, como às embaixadas na África e ao navio estacionado em Iêmen, sempre estiveram distantes do público e do território norte-americano.
d) Até agora, as principais tragédias de sua história, começando pela guerra de Secessão e chegando à explosão em Oklahoma em 1995, patrocinada por grupos racistas de extrema direita branca (tendo ocorrido recentemente a execução de Timothy McVeigh), nasceram das contradições internas de sua sociedade.
Dessa forma, os acontecimentos de setembro de 2001 derrubaram uma das poucas certezas sobre a segurança global e provaram que a única superpotência restante é tão vulnerável quanto qualquer outro país.
No mundo pós-guerra fria e o início da era do terror, a insegurança norte-americana, em vez de diminuir, aumentara, sem haver uma compatível reavaliação dos mecanismos de defesa, voltados para o exterior e não para o doméstico. Provou-se que a fragilidade norte-americana não era só aparente, mas real.
Referências
FUKUYAMA, Francis. O fim da história e o último homem. Trad. Maria Goes. Lisboa: Gradiva, 2007.
HOBSBAWM, Eric. Globalização, democracia e terrorismo. Trad. José Viegas. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.
HUNTINGTON. Samuel P. O choque das civilizações e a recomposição da ordem mundial. Rio de Janeiro: Objetiva, 1997.
KIERNAN, Victor. Estados Unidos: o novo imperialismo. Trad. Ricardo Doninelli Mendes. Rio de Janeiro, Editora Record, 2009.
KISSINGER, Henry. A Diplomacia das Grandes Potências. Trad. Saul S. Gefter; Ann Mary Fighieira Perpétuo. Rio de Janeiro. Livraria Francisco Alves, 1999.
KISSINGER, Henry. Precisará a América de uma política externa? Uma diplomacia para o século XXI. Trad. Fernanda O´Brien, Jorge Simões, Lucília Filipe e Maria José Figueiredo. Lisboa. Gradiva, 2003.
LILLA, Mark. O progressista de ontem e o do amanhã: desafios da democracia liberal no mundo pós políticas identitárias. Trad. Berillo Vargas. 1 ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2018.
PECEQUILO, Cristina Soreanu. A política externa dos Estados Unidos. Porto Alegre. Editora da UFRGS, 2003.
(*) José Renato Ferraz da Silveira, que escreve às terças-feiras no site, é professor Associado IV da Universidade Federal de Santa Maria, lotado no Departamento de Economia e Relações Internacionais. É Graduado em Relações Internacionais pela PUC-SP e em História pela Ulbra. Mestre e Doutor em Ciências Sociais pela PUC-SP.
Resumo da opera. Nunca se deixa o inimigo sem nada para perder. Nunca se deixa o inimigo sem saida. E, principalmente, nunca subestima-se o inimigo.
Detalhes. Ianques invadiram Afeganistão. Não deveriam. Invadiram Iraque. Não deveriam. Havia soluções melhores. Engenharia de obra pronta. Na invasão do Iraque a Otan deixou os ianques com o pincel na mão. Britanicos ajudaram mas ja tinham saido la por 2011. A França saiu do Afeganistao la por 2012. Achar que não ha ressentimentos por conta disto é ingenuidade.
‘Provou-se que a fragilidade norte-americana não era só aparente, mas real.’ Ianques, tempo de paz, tem o 18º Corpo Aeroterrestre. 3ª Divisão de Infantaria, 10ª Divisão de Montanha, 82ª Divisão Paraquedista e 101ª Divisão Aerotransportada. A 82ª tem capacidade de estar totalmente mobilizada 18 horas depois da notificação. Uns falam que podem saltar em qualquer lugar do mundo em 48 horas. Bota fragil nisto.
Oklahoma em 1995. Mais complexo do que isto. Tem a ver com o direito de portar armas. Também seria uma vingança pelo massacre de Waco.
‘[…] derrubaram uma das poucas certezas sobre a segurança global e provaram que a única superpotência restante é tão vulnerável quanto qualquer outro país.’ Na epoca da guerra da Bosnia queria utilizar o exercito. Collin Powell falava em 100 mil soldados e alguns bilhões. Preocupação dela era acabar com o genocidio. Preocupação dele era que do proprio escritorio tinha uma vista privilegiada do Cemiterio de Arlington. Veterano do Vietnam sabia o que era um atoleiro. No genocidio do Sudão Bush Filho queria utilizar helicopteros de ataque. Condoleezza Rice ponderou que eram mais de 3 mil vilas para proteger distantes mais de mil milhas do mar. Conclusão é que podem muito, mas não podem tudo.
‘O mundo estava em uma época de guerra,[…]’. O mundo está numa Guerra Fria 2.0, parte por procuração, parte hibrida. Parte da ciencia politica e das relações internacionais envolve o aspecto militar. No Brasil, exceções de praxe, são assuntos separados. Milicos até tem professores civis, civis não ouvem os militares.
‘Preservada pelos mares e fronteiras, […]’. O que aconteceria se russos ou chineses começassem a construir bases no norte do Mexico?
‘[…] principalmente, à queda de um mito: a inviolabilidade do território continental norte-americano.’ Dizem que um novo ataque não é questão de ‘se’, é questão de ‘quando’.
Detalhe. Sadam caiu, dentre outras coisas, porque utilizou armas quimicas contra sua propria população, os curdos. Utilizou contra os iranianos mas, ao menos no discurso, não importa.
‘[…] são o “fim da história”, de Francis Fukuyama,[…]’. Já renegou o trabalho. Que era uma tentativa de resposta ao Clash of Civilizations de Huntington. Que chega a ser profetico, apesar do erros.
‘[… assistiu ao súbito colapso do bloco comunista europeu, após uma década de retomada dos esforços anticomunistas pelos Estados Unidos.’ Há quem diga que Gorbatchov tentou uma abertura politica num sistema com economia derretendo (economia comunista é instavel, não se sustenta). Objetivo seria fazer mudanças economicas depois. Falhou. China fez o contrario, modificou a economia e manteve a politica.
‘[…] tanto os Estados Unidos como a União Soviética tinham ambições universalistas em suas maneiras de ver o mundo […] o que a China aparenta não desejar neste século XXI […]’. Não dá para saber se é positivo ou negativo. Quais as consequencias?
“o liberalismo americano no século XXI está em crise: uma crise de imaginação e ambição da nossa parte”. Na verdade sofreu uma mutação. Parcela do Partido Democrata deu uma guinada a esquerda. Um Bernie Sanders parecendo ter saido do PDT do Leonel. Uma Alexandria Ocasio-Cortez parecendo militante do PSOL.