Sobre consciências – por Orlando Fonseca
“Este 20 de novembro é um dia para criar o senso de humanidade...”
Um amigo me conta, indignado, ter ouvido de um colega a reclamação a respeito do feriado de 20 de novembro, dizendo que deveria haver também um dia para ele, que tem origem italiana. Nesta quarta-feira, instituído pela Lei 14.759, de 2023, celebra-se o Dia da Consciência Negra no Brasil, tendo como referência simbólica a morte de Zumbi dos Palmares.
Este quilombola figura como herói nacional no Livro de Aço dos Heróis e Heroínas Nacionais, (memorial Panteão da Pátria Tancredo Neves), pela luta contra a escravidão de sua gente. Logo, não é um dia apenas para se pensar a respeito de uma origem étnica, formadora da identidade nacional, mas sobre as agruras vivenciadas por este povo em nossa terra, e sua luta por liberdade, no sentido de não se estender, historicamente, a sua dor. Infelizmente, ainda é preciso trazer à consciência de muitos brasileiros que a abolição da escravatura tem vigência no país há mais de um século.
Lembremo-nos de que nosso Brasil foi um dos últimos a libertar os escravos, em um mundo que avançava no processo civilizatório, sob a influência do Iluminismo. Também, é preciso ter em mente que os africanos não vieram para cá por vontade própria, ou por problemas econômicos e sociais em seus territórios. Entretanto, já que foi citado, os italianos começaram a chegar por aqui em 1874, porque por toda a Europa grassava uma miséria profunda, no século XIX, uma vez que a transição do modelo de produção feudal para o sistema capitalista afetou as condições sociais no continente.
O pequeno produtor estava endividado com empréstimos, pois as terras estavam concentradas nas mãos de poucos proprietários, havendo altas taxas de impostos sobre a propriedade. A América (e o Brasil em especial) tornou-se a “terra prometida” de fartura e felicidade.
Em vista dos muitos equívocos históricos que ainda fundamentam o senso comum, eu diria que é muito pouco um feriado para trazer à consciência de todo brasileiro o papel dos africanos em nossa cultura, em nosso DNA, em nossa identidade. Ainda que outros povos tenham enfrentado toda sorte de mazelas para se afirmarem em suas pequenas propriedades, tiveram aqui as condições para se firmarem e prosperarem.
Ao contrário, a Lei Áurea colocou à própria sorte milhares de escravos, sem terra, sem instrução, sem dinheiro, gerando uma população imensa de miseráveis, e, por outro lado, permitindo a ação de aproveitadores que voltaram a usar da força desse povo, como se ainda fossem escravos. Coisa, que aliás, ainda hoje se vê em muitas propriedades Brasil afora.
Zumbi dos Palmares permanece como afirmação de um emblema na luta por reconhecimento e justiça de todo um segmento populacional dentre nós, brasileiros. Já se percorreu um bom caminho com o emprego de mecanismos legais de Ações Afirmativas, tanto no Ensino Superior, quanto nos concursos públicos. Isso porque o estigma do escravizado ainda é muito forte na consciência, tanto dos desvalidos, quanto dos aproveitadores, supremacistas brancos, preconceituosos e, em última análise, desumanos dentre nossos patrícios. Tanto nos pequenos gestos, quanto nos grandes mecanismos ainda vigentes de trabalho análogo ao da escravidão.
Este 20 de novembro é um dia para criar o senso de humanidade, para que se forje uma nação justa e igualitária. Só o humanismo é capaz de criar cidadania e consciência de uma nação inclusiva, solidária, para todos, sem a necessidade de lutas fratricidas, que não precisam de armas para se exercer, pois apenas uma palavra impensada pode ferir e matar.
Para que o Brasil seja grande, em seu território, é preciso que haja grandeza dentro de nós, na consciência de cada brasileiro, dentro deste caráter multiétnico, em que a cor da pele não faça diferença, não faça divergência, não promova a guerra. Dia para celebrar o convívio em paz e fraternidade, no amor da Pátria Mãe Gentil.
(*) Orlando Fonseca é professor titular da UFSM – aposentado, Doutor em Teoria da Literatura e Mestre em Literatura Brasileira. Foi Secretário de Cultura na Prefeitura de Santa Maria e Pró-Reitor de Graduação da UFSM. Escritor, tem vários livros publicados e prêmios literários, entre eles o Adolfo Aizen, da União Brasileira de Escritores, pela novela “Da noite para o dia”.
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