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Estações e canções – por Orlando Fonseca

Há muito tempo no Rio Grande do Sul, as quatro estações eram muito bem definidas. Inclusive, aprendia-se na escola que o clima era “temperado”, o que me parecia algo fora de propósito, uma vez que coisas com tempero eram servidas à mesa, e não no tempo. Só muito mais tarde é que aprendi as possibilidades semânticas do termo, e o sentido que podia ter em termos meteorológicos. Bem entendido que, na época aludida, eu era criança, e o clima em suas nuances e seus caprichos era a menor das minhas preocupações. Ou era muito menor do que minha expectativa pelo Natal (que naquele tempo, também, demorava muito mais a chegar). Mas, agora, minha atenção se voltou às condições climáticas, principalmente no que se refere às previsões, justamente por causa do Natal. Ou melhor, por causa da programação que leva às ruas de nossa cidade os sinais que vão além dos que acompanham aspectos típicos da estação.

Naqueles idos da minha infância, havia as quatro estações (só vim a saber que o Vivaldi fez algo a respeito, muito depois), ao menos para aqueles lados da cidade que me viu crescer. E, claro, também havia o Natal. Não havia a estação intermediária que hoje, adulto, percebo neste mundo, não apenas o das crianças, mas especialmente o do comércio. Os americanos chamam esta temporada, que vai do Dia de Ações de Graça até a virada do ano (para os franceses, o réveillon) de “estação”, quando se sucedem muitas festas. Tendo de acompanhar minha filha nos eventos natalinos, na praça, na avenida, em desfiles alegres e coloridos, passei a verificar as condições do tempo. E algumas coisas me chamaram a atenção, algo que já vinha presumindo já há alguns anos: os sistemas de informação meteorológica parecem ter perdido a precisão que tinham há algumas décadas. Talvez seja mais um sintoma das emergências climáticas, que estejam a exigir dos instrumentos, e dos especialistas uma calibragem.
Tenho visto que as previsões, seja de temporais (aviso da defesa civil), seja de simples chuvisco, não se cumprem à risca: não acontecem, acontecem em parte, um pouco antes ou pouco depois. Imagino como ficam os organizadores dos eventos ao ar livre: cancelamos(?) preparamos tudo como se não houvesse o mau presságio(?) mas olha o sol por trás das nuvens… A gente, que vai estar lá só para assistir, não imagina o trabalho e o envolvimento de profissionais no preparo do evento. Só temos um pequeno vislumbre disso no preparo de indumentária, maquiagem, ansiedade pré-apresentação, ensaios, de nossos filhos. A verdade é que a estação natalina deste ano, em que uma tragédia climática assolou o nosso Estado, passa também pela turbulência de um clima do qual se pode dizer muita coisa (e muita ainda precisa ser descoberta por estudos acurados), menos que é temperado. No entanto, o tempo é de festa, de celebração e de alegria. E nesse quesito, mais uma coisa a ser observada por quem senta a assistir aos espetáculos.

O repertório natalino (ao menos o que se tem escutado nos eventos) tem músicas, cujos arranjos melódicos são mais para melancólicos do que para festivos. Tome-se o exemplo de Noite Feliz. Como se trata de uma composição do século XIX, tem um acento solene, pela primazia da celebração religiosa, mística. Aliás, em português é que chamamos “feliz”, porque em alemão (escrita original) é “silenciosa”. O Natal ganha as cores e a festividade por razões de marketing nos EUA, cujas canções são mais alegres, em vista de terem sido compostas na era do jazz, do ragtime, do rock’n roll (cujos clássicos natalinos são dos anos 40 e 50). O Papai Noel assume cores e o perfil desenhado para uma propaganda de refrigerante. Mas o que mais me chama a atenção é que a música Boas festas, de Assis Valente, é cantada com alegria (o ritmo induz o festivo), no entanto a letra é arrasadora: na canção, o sino não imita um “jingle bells”, pois diz que ele “gemeu”; o eu lírico diz que “pensava que todo mundo era filho de Papai Noel”, mas pelo que afirma em seguida, depreende-se que se enganou, pois o presente que pediu não chegou, e o Papai Noel, ou morreu, ou “felicidade é brinquedo que não tem”. Não sei se choro ou se rio, o dilema de um artista brasileiro. Ainda bem que todos cantam sem prestar atenção nas letras. Porém, uma coisa preciso reiterar: quanto ao clima, a gente precisa se preocupar para além da estação das festas. Por enquanto vamos viver a alegria, mas na virada do ano já é preciso mudar de hábitos, pensar no coletivo, em nossa casa (o planeta), enquanto mudam as estações. Como diz a canção de Belchior: amar e mudar as coisas me interessa mais.

(*) Orlando Fonseca é professor titular da UFSM – aposentado, Doutor em Teoria da Literatura e Mestre em Literatura Brasileira. Foi Secretário de Cultura na Prefeitura de Santa Maria e Pró-Reitor de Graduação da UFSM. Escritor, tem vários livros publicados e prêmios literários, entre eles o Adolfo Aizen, da União Brasileira de Escritores, pela novela “Da noite para o dia”.

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11 Comentários

  1. ‘Como diz a canção de Belchior: amar e mudar as coisas me interessa mais’. Mudar as coisas que interessam mais ao autor e sua turma. Kuakuakuakuakuakua! Que fazem nada, os outros é que tem que se adaptar a visão de mundo deles! Kuakuakuakuakua! Narcisismo total! Kuakuakuakua! ‘Vamos mudar o mundo a partir do começo da metade sul do RS!’. Kuakuakuakuakuakua! Bem assim que vai acontecer! Kuakuakuakuakua!

  2. ‘[…] mas na virada do ano já é preciso mudar de hábitos, pensar no coletivo, em nossa casa (o planeta), enquanto mudam as estações.’ Sim, depois da virada de ano é colocar uma camiseta do Che Guevara, deixar a barba crescer e pregar um estrelinha no peito. E pensar no ‘coletivo’, os proprios bolsos.

  3. ‘[…] como ficam os organizadores dos eventos ao ar livre: […]’. Antigamente se falava em ‘plano B’ (de backup). Nas comunicações adotaram o sistema PACE (que foi adotado pelos milicos ianques). Existe um plano principal, um alternativo, um contingencial e um de emergencia. Um exemplo. Por isto quando se ve burocratas e pessoal do juridico falando em ‘planejamento’ já se sabe que não tem a menor ideia sobre o que estão falando. O mesmo vale para politicos e STF falando em ‘inteligencia artificial’.

  4. Clima é o que se espera, condições metereologicas é o que se tem. Já disse alguém que não lembro o nome. Cheia deste ano já tinha acontecido parecida na decada de 40 e não por isto o clima deixou de ser ‘temperado’.

  5. Alas, uma previsão ‘vai chover em SM’ dificilmente vai acertar, a menos que o fenomeno seja generalizado, onde vai cair agua. Pode acontecer no Centro e não acontecer no Patronato ou em Camobi.

  6. ‘Imagino como ficam os organizadores dos eventos ao ar livre: cancelamos(?) preparamos tudo como se não houvesse o mau presságio(?) mas olha o sol por trás das nuvens… […]’. Das utopias vendidas pelos vermelhos, um mundo sem risco nenhum, cheio de certezas onde tudo é previsivel e planejavel. Alas, projeto no Congresso agora quer que os bancos devolvam o dinheiro dos quem caem em golpes. Algum(a) imbecil vai sair com ‘os bancos ganham muito’. Como se não fossem repassar o prejuizo, todos pagam, menos eles.

  7. ‘[…] os sistemas de informação meteorológica parecem ter perdido a precisão que tinham há algumas décadas […]’. Não é bem minha praia. Antigamente as previsões eram imprecisas porque não haviam muitos satélites e nem computadores potentes o suficiente para previsões mais precisas. As condições melhoraram e as previsões ficaram mais ou menos precisas num intervalo de tres dias. Aquecimento global significa mais energia na atmosfera (e nos oceanos). Matematicamente um sistema não linear. Donde se entra na decada de 80, James Gleick e Caos. Lorenz e o efeito borboleta, a dita cuja bate as asas no Brasil e causa um furacão no Texas.

  8. ‘[…] havia as quatro estações (só vim a saber que o Vivaldi fez algo a respeito, muito depois) […]’. Dependendo da ocasião as 4 Estações Portenhas de Piazzolla são mais apropriadas.

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