Artigos

Globo de Ouro de Fernanda Torres é a história da mulher que venceu o medo – por Carlos Wagner

“’Podemos vencer o medo’. É o legado deixado pela personagem Eunice Paiva”

Na madrugada de segunda-feira (6), a atriz Fernanda Torres, 59 anos, foi premiada com o Globo de Ouro pela sua atuação no filme Ainda Estou Aqui, obra de 2 horas e 17 minutos do cineasta Walter Salles, 68 anos. Uma das principais premiações da indústria cinematográfica americana, o Globo de Ouro é entregue anualmente pela Associação de Imprensa Estrangeira de Hollywood.

O filme, já visto por mais de 3 milhões de pessoas, é baseado no livro do escritor Marcelo Rubens Paiva, 65 anos, que conta a história da sua família e do seu pai, Rubens Paiva (1929-1971), deputado federal por São Paulo, do antigo PTB. Detido em 1971 pelos militares, Paiva foi torturado, morto e o seu corpo nunca foi encontrado. Em 1964, as Forças Armadas, apoiadas pela extrema direita brasileira e pelo governo dos Estados Unidos, deram um golpe de estado e derrubaram o presidente da República, João Goulart, o Jango, permanecendo no poder até 1985.

Paiva, que teve seu mandato cassado logo após o golpe, era articulado com os movimentos de resistência à ditadura. Era casado com Eunice Paiva (1929-2018). O casal teve cinco filhos. Marcelo, o mais jovem, e suas quatro irmãs. Em Ainda Estou Aqui, Fernanda Torres interpreta Eunice Paiva, uma mulher valorosa que criou os cinco filhos e lutou a sua vida inteira para encontrar o corpo do marido e fazer justiça. Ao receber o prêmio, Fernanda fez um agradecimento, em inglês, que durou 1 minuto e 39 segundos.

Selecionei uma parte do agradecimento para a nossa conversa. “E, é claro, eu quero dedicar esse prêmio à minha mãe (a atriz Fernanda Montenegro). Vocês não têm ideia. Ela estava aqui há 25 anos. E isso é uma prova de que a arte pode resistir através da vida. Até durante momentos difíceis pelos quais a personagem que eu interpretei, Eunice Paiva, passou. E a mesma coisa está acontecendo no mundo hoje. Tanto medo. Esse é um filme que nos ajudou a pensar em como sobreviver em tempos como esses”.

Vamos falar sobre o medo. O pavor que se instalou na sociedade brasileira nos “anos de chumbo”, como foi chamado o período entre 1968 e 1974, o mais violento das duas décadas da ditadura militar, em que centenas de presos políticos foram torturados e muitos desapareceram, como o deputado Rubens Paiva, voltou a dar os seus ares no final do mês de outubro de 2022.

Iniciou-se no minuto em que saiu o resultado do segundo turno das eleições presidenciais, que foram disputadas pelo então presidente Jair Bolsonaro (PL), 69 anos, candidato à reeleição tendo como vice o general da reserva Walter Braga Netto, 67 anos, e o então ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), 79 anos, com Geraldo Alckmin, 72 anos, como vice.

Derrotados nas urnas, Bolsonaro, Braga Netto e um grupo de militares e civis começaram a colocar em andamento um plano que tinha como objetivo dar um golpe de estado para impedir que Lula e Alckmin assumissem o governo.

Os acontecimentos dos dias seguintes fazem lembrar o clima de medo instalado no país nas semanas que antecederam o golpe militar de 1964. Uma série de episódios que se iniciaram nos primeiros dias de novembro de 2022 e tiveram o seu ápice em 8 de janeiro de 2023. Não vou citar todos. Apenas os que considero mais importantes.

Começo pelos seguidores radicalizados de Bolsonaro que acamparam na frente de várias unidades militares no país exigindo que as Forças Armadas desse um golpe. Em Brasília (DF), eles colocaram em prática um plano que tinha como objetivo assassinar Lula, Alckmin e o ministro Alexandre de Moraes, presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Também tentaram invadir a sede da Polícia Federal (PF), queimando ônibus e destruindo bens públicos. Tentaram explodir um caminhão-tanque, com 60 mil litros de querosene de avião, no Aeroporto Internacional de Brasília. Por fim, em 8 de janeiro de 2023, na Praça dos Três Poderes, invadiram e quebraram tudo que encontraram pela frente no Palácio do Planalto, no Congresso e no Supremo Tribunal Federal (STF). Por vários motivos, a tentativa de golpe falhou.

Novamente, vou citar o que considero o mais importante: as Forças Armadas não aderiram ao golpe. Os militares que se aliaram a Bolsonaro estão sendo processados e presos. Braga Netto é o primeiro general de quatro estrelas na história do país a ser preso, acusado de ter formado uma organização criminosa que atentou contra a democracia brasileira. A Justiça também mandou prender mais de 1,2 mil manifestantes. Muitos deles já foram julgados e estão cumprindo pena na cadeia – há muitas reportagens na internet sobre o assunto.

Os financiadores dos acampamentos respondem a inquéritos na Polícia Federal (PF), alguns já foram julgados e os condenados estão presos. Importantes detalhes deste período estão documentados em um inquérito da PF de 880 páginas que indiciou 37 pessoas, incluindo o ex-presidente Bolsonaro, por crimes contra a democracia.

O inquérito foi entregue à Procuradoria-Geral da República (PGR), que deverá decidir o destino dos denunciados. O que continua livre e operando é a poderosa máquina de fake news montada durante o governo Bolsonaro pelo Gabinete do Ódio, um grupo de radicais de extrema direita que orbitava ao redor presidente da República.

O discurso do ódio nutrido pela máquina de fake news não é exclusividade dos brasileiros. Ele começou a ganhar corpo no primeiro governo (2017-2021) do então presidente dos Estados Unidos Donald Trump (republicano), 78 anos – há muitas matérias, documentos e pesquisas sobre o assunto na internet. Em 2020, Trump concorreu à reeleição e foi derrotado pelo democrata Joe Biden, 82 anos.

No dia 6 de janeiro de 2021, quando a vitória de Biden receberia o certificado no Congresso, um ato tradicional na história americana, Trump incentivou os seus seguidores a invadirem o Capitólio, o edifício do Congresso. Houve cinco mortos, vários feridos e mais de mil pessoas foram presas.

Nas eleições de novembro de 2024, Trump venceu Kamala Harris, a vice de Biden. Na segunda-feira (6), Harris, que exerce a presidência do Senado, certificou a vitória do presidente eleito. Sem nenhum incidente. Um dia antes da certificação de Trump, Biden publicou um artigo no Washington Post em que acusa o presidente eleito de tentar minimizar os ataques de 6 de janeiro ao Congresso.

Fato é o seguinte. Trump realmente está tentando livrar a cara dos seus seguidores que invadiram o Capitólio. E está fazendo isso às claras, prometendo anistiá-los. Também está colocando no seu governo só pessoas de sua absoluta confiança que terão a missão de encontrar, punir e demitir da administração quem o traiu no primeiro mandato.

Antes de terminar a nossa conversa, vou contar uma historinha que considero pertinente para a ocasião. Nos meus primeiros anos de redação, encontrei um editor de quem nunca mais esqueci. Era alto, magro, usava um surrado suspensório para segurar as calças, acendia um cigarro atrás do outro e batia as teclas da máquina de escrever com uma rapidez fantástica.

Ele odiava os repórteres. Sempre que chegava da rua com uma apuração, ele exigia que, antes redigir a matéria, eu fizesse um resumo do assunto. Ele dizia assim: “Wagner, desembucha. Para tentar me enrolar”. Tinha que resumir tudo em duas ou três palavras para não se xingado. Resumindo toda a história que contei para vocês. “Podemos vencer o medo”. Este é o legado deixado pela personagem Eunice Paiva, interpretada em Ainda Estamos Aqui pela atriz Fernanda Torres, ganhadora do Globo de Ouro.

PARA LER NO ORIGINAL, CLIQUE AQUI.

(*) O texto acima, reproduzido com autorização do autor, foi publicado originalmente no blog “Histórias Mal Contadas”, do jornalista Carlos Wagner.

SOBRE O AUTOR:  Carlos Wagner é repórter, graduado em Comunicação Social – habilitação em Jornalismo, pela UFRGS. Trabalhou como repórter investigativo no jornal Zero Hora de 1983 a 2014. Recebeu 38 prêmios de Jornalismo, entre eles, sete Prêmios Esso regionais. Tem 17 livros publicados, como “País Bandido”. Aos 74 anos, foi homenageado no 12º encontro da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (ABRAJI), em 2017, SP.

Artigos relacionados

ATENÇÃO


1) Sua opinião é importante. Opine! Mas, atenção: respeite as opiniões dos outros, quaisquer que sejam.

2) Fique no tema proposto pelo post, e argumente em torno dele.

3) Ofensas são terminantemente proibidas. Inclusive em relação aos autores do texto comentado, o que inclui o editor.

4) Não se utilize de letras maiúsculas (CAIXA ALTA). No mundo virtual, isso é grito. E grito não é argumento. Nunca.

5) Não esqueça: você tem responsabilidade legal pelo que escrever. Mesmo anônimo (o que o editor aceita), seu IP é identificado. E, portanto, uma ordem JUDICIAL pode obrigar o editor a divulgá-lo. Assim, comentários considerados inadequados serão vetados.


OBSERVAÇÃO FINAL:


A CP & S Comunicações Ltda é a proprietária do site. É uma empresa privada. Não é, portanto, concessão pública e, assim, tem direito legal e absoluto para aceitar ou rejeitar comentários.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Botão Voltar ao topo